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Zika aumenta clamor por flexibilização do aborto no Brasil

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CFM defende liberação do aborto até 3º mês de gestação

Por Anthony Boadle

RECIFE (Reuters) – A alegria da gravidez deu lugar ao medo em diversas mulheres de Recife, epicentro do surto de Zika no Brasil, diante dos milhares de casos de má-formação cerebral de recém-nascidos no país, que levaram a um clamor pela flexibilização do aborto.

O pânico tomou conta das maternidades da capital pernambucana desde que o Zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e detectado nas Américas pela primeira vez no ano passado, foi relacionado a uma série de casos de microcefalia. Não existe vacina ou cura para a doença ainda pouco conhecida.

Em cerca de quatro quintos dos casos, o Zika não provoca sintomas perceptíveis, por isso as mulheres não sabem se o contraíram durante a gravidez.

No hospital Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), de Recife, dezenas de gestantes esperam ansiosamente pelos exames de ultrassom que indicam se a criança que carregam tem a cabeça reduzida e dano cerebral. O hospital já testemunhou o nascimento de 160 bebês com má-formação cerebral desde agosto passado.

“É muito assustador. Estou com medo de que minha filha tenha microcefalia”, disse Elisângela Barros, de 40 anos, com 6 meses de gravidez e os olhos marejados por trás dos óculos. “Meu bairro é pobre e tem mosquito demais, muito lixo, e não tem água encanada. Cinco vizinhas minhas estão com Zika.”

Mulheres como Elisângela que vivem em favelas têm poucas defesas contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor do Zika e de outras doenças, como a dengue. Muitas vezes elas não podem arcar com o preço de repelentes e têm pouco acesso ao planejamento familiar.

A circulação de imagens chocantes de bebês com má-formação do cérebro têm feito muitas mulheres pensarem duas vezes antes de engravidar.

Os médicos temem que a epidemia leve a um aumento no número de abortos clandestinos no país.

A rápida disseminação da Zika em 22 países das Américas levou alguns governos a aconselharem as mulheres a adiar a gravidez. El Salvador recomendou que as mulheres não fiquem grávidas durante dois anos e deu ensejo a um debate sobre a liberação do aborto na região, onde muitas nações têm leis rígidas a respeito da prática.

“Existe um medo crescente porque é uma doença nova. A doença em si tem uma taxa de mortalidade muito pequena, mas a repercussão dela para a gravidez é seríssima. Diante dessa irreversibilidade da gravidade do acometimento as mulheres ficam muito temerosas”, afirmou Adriana Scavuzzi, ginecologista do IMIP.

ABORTO ILEGAL

De acordo com dados do Ministério da Saúde, até o dia 23 de janeiro foram registrados no Brasil 270 casos confirmados de microcefalia e outros 3.448 casos suspeitos desde outubro estão sendo investigados –de longe a maior cifra das Américas.

Autoridades da Organização Mundial de Saúde (OMS) dizem não haver comprovação científica de que a infecção pelo Zika impede o desenvolvimento do feto, causando microcefalia, mas a suspeita é grande.

Especialistas em saúde pública acreditam que a ameaça da Zika irá desencadear um aumento nos abortos ilegais. Estima-se que 1 milhão deles já sejam realizados todos os anos no Brasil, onde procedimentos mal-sucedidos em clínicas clandestinas já são uma das grandes causas de mortes maternas.

“O Zika é uma catástrofe de saúde e uma ameaça aterrorizante para as gestantes”, disse Daniel Becker, pediatra e especialista em saúde pública do Rio de Janeiro. “As pessoas irão atrás de abortos.”

Organizações de direitos das mulheres defendem a legalização do aborto no caso de mulheres que contraíram o Zika, uma medida que até o momento só foi adotada pelo Ministério da Saúde da Colômbia.