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Entidade diz não ver ligação entre microcefalia e larvicida

Ilustração

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A ideia de que o uso de um larvicida na água para o combate ao Aedes aegypti estaria por trás da epidemia de microcefalia no país ganhou as redes sociais nos últimos dias. Mas teve origem em um mal-entendido, segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

No final da semana passada, reportagens em inglês de blogs ambientalistas atribuíam a “médicos argentinos e brasileiros” a afirmação de que a substância pyriproxifen, aprovada pela Anvisa, teria sido a causadora da má-formação em bebês – que vem sendo associada ao vírus da zika.

Os compartilhamentos nas redes sociais levaram a reportagens citando o “estudo argentino”, na verdade um relatório da Rede Universitária de Ambiente e Saúde (Reduas) – uma associação de médicos e professores universitários contra agrotóxicos – que citava de maneira incorreta uma nota técnica da Abrasco sobre os métodos de combate ao mosquito que transmite o zika.

Em nota à BBC Brasil, a associação esclareceu que “em momento nenhum afirmou que os pesticidas, larvicidas ou outro produto químico sejam responsáveis pelo aumento do número de casos de microcefalia no Brasil”. O que a nota da entidade dizia é que ela considera perigoso que o controle do mosquito seja feito principalmente com larvicidas.

“É sabido que um cenário de incerteza como este provoca insegurança na população e é terreno fértil para a disseminação de inverdades e de conteúdos sem qualquer (ou suficiente) embasamento científico. A Abrasco repudia tal comportamento, que desrespeita a angústia e o sofrimento das pessoas em situação mais vulnerável, e solicita prudência aos pesquisadores e à imprensa neste grave momento, pois todas as hipóteses devem ser investigadas antes de negá-las ou de confirmá-las”, afirma o comunicado.

A repercussão do mal-entendido fez com que o governo do Rio Grande do Sul suspendesse oficialmente o uso do larvicida na água potável. Na noite de domingo, uma alteração no verbete sobre o produto na enciclopédia virtual Wikipedia já afirmava que ele era apontado como uma das causas das más-formações registradas recentemente no país.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que “não existe nenhum estudo epidemiológico que comprove a associação do uso de pyriproxifen e a microcefalia” e que a substância foi aprovada para o uso pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e pela Anvisa.

Entenda os principais pontos da controvérsia.

Sem provas
A nota técnica divulgada pela Abrasco em seu site criticava o investimento do Ministério da Saúde em larvicidas potentes no combate ao Aedes aegypti e afirmava que eles podem comprometer a potabilidade da água armazenada pela população brasileira, especialmente a de baixa renda.

Entre eles, está o pyriproxifen, que pode causar más-formações no mosquito e impedir que ele passe à fase adulta.

No entanto, não há artigos científicos que comprovem que o pyriproxifen possa causar más-formações em humanos, nem em outros animais, segundo o diretor de Controle de Doenças e Agravos da Secretaria de Saúde de Pernambuco, George Dimech.

Em entrevista à BBC Brasil, por telefone, ele afirmou ainda que Recife – a cidade com o maior número de casos notificados e confirmados do Estado – não usa o pyriproxifen e, sim, um larvicida biológico, o BTI.

“Há lugares onde se usa o pyriproxifen e não há casos de microcefalia. E também lugares em que não se usa esse larvicida, mas há muitos casos, como Recife”, explica.

“Essa falta de correlação espacial enfraquece a ideia de que o larvicida causaria o problema.”

Pesquisadores à frente das investigações sobre a epidemia em Pernambuco também ressaltam que não há comprovação clínica, até o momento, de que algum tipo de envenenamento ambiental seria a causa do problema.

“Clinicamente, as alterações que vemos nas tomografias dos bebês sugerem que as lesões foram provocadas por infecção congênita e não por larvicida, drogas ou vacina”, disse à BBC Brasil a neuropediatra Vanessa van der Linden.

À BBC Brasil, o secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, João Gabbardo dos Reis, disse que por precaução o Estado continuará proibindo o uso do pyriproxifen em água potável – ele ainda poderá ser usado na água para outros fins.

“Optamos em mudar a estratégia porque existem outros mecanismos para a segurança da água potável que não seja o uso desses elementos químicos. No Rio Grande do Sul isso é possível porque o número de residências em que não há distribuição de água tratada é pequeno, então podemos fazer com que essas residências façam mecanicamente este controle. Por que usaríamos um larvicida?”, disse.

Em seu comunicado, a Abrasco disse que “apoia decisões pautadas pelo princípio da precaução, como a suspensão do uso do larvicida pyriproxyfen, e reafirma que as ações de combate ao vetor nas últimas décadas têm se mostrado inefetivas, posto o contínuo crescimento do número de casos das doenças transmitidas pelo mosquito”.

Outros países
O relatório da associação argentina Reduas, citado em reportagens e artigos de blogs, diz que o vírus da zika não causou más-formações em outros países onde ocorreram epidemias.

Na verdade, a Polinésia Francesa, que teve um surto do vírus em 2013 e 2014, registrou um aumento no número de casos de microcefalia e também da síndrome de Guillain-Barré, que vem sendo associada ao vírus no Brasil e em outros países latino-americanos.

A nota da Reduas também afirma que “não há microcefalia na Colômbia”, que já notificou mais de 3 mil mulheres grávidas com sintomas do vírus da zika, mas nenhum caso da deformidade.

Mas o médico pernambucano Carlos Brito – pesquisador da Fiocruz de Pernambuco e o primeiro a chamar a atenção para uma possível associação entre zika e microcefalia – diz que é cedo para afirmar que o país vizinho não terá bebês afetados.

“Ainda não dá pra dizer que não há microcefalia na Colômbia. É preciso avaliar os dados. Estou indo para a Colômbia em missão para acompanhar a situação”, afirma.

“O surgimento da microcefalia depende do momento da epidemia e não só da entrada do vírus num local. O vírus chegou à Paraíba e a Pernambuco em dezembro e só virou epidemia mais ou menos em abril. É nesse momento que as gestantes se expõem.”

Investigação científica x incertezas
A falta de respostas definitivas sobre a natureza dos novos casos de microcefalia no Brasil dá espaço para que teorias com pouca comprovação se espalhem com a ajuda das redes sociais, segundo Brito.

Mas o pesquisador ressalta que uma investigação científica rigorosa sobre o problema está em curso no Brasil desde que foi detectado o aumento de notificações da má-formação em Pernambuco, em setembro de 2015.

Atualmente, a investigação conta com a participação da OMS e da Agência de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Até agora, as principais descobertas foram:

– Em novembro, a Fiocruz encontrou o vírus da zika no líquido amniótico de duas grávidas cujos bebês tinham microcefalia diagnosticada ainda no útero. No mesmo mês, exames em um bebê microcéfalo que nasceu morto no Ceará revelaram a presença do vírus no tecido cerebral.

– Em janeiro, o CDC afirmou ter encontrado o vírus também no cérebro de mais dois bebês nascidos mortos no Rio Grande do Norte e na placenta de duas mulheres que tiveram abortos espontâneos de fetos com microcefalia. Um estudo realizado na Eslovênia encontrou também o zika no cérebro de um feto cuja mãe engravidou no Brasil e optou por interromper a gestação no país, após o diagnóstico da má-formação.

– E no início de fevereiro, a Fiocruz em Pernambuco comprovou que os 12 primeiros bebês examinados no início da epidemia de microcefalia tinham anticorpos para o vírus da zika no líquor, o líquido que circula em seu sistema nervoso central.”Encontramos os anticorpos IGM, que não são passados da mãe para a criança. Isso quer dizer que eles foram produzidos no cérebro da criança infectada pelo vírus. Essa é uma prova inequívoca de que as crianças foram infectadas”, afirma Carlos Brito.

A OMS afirma que ainda não é possível afirmar sem sombra de dúvidas a relação de causalidade entre o vírus e a má-formação, mas, para o pesquisador, a associação já é “uma página virada”.

“Ninguém está inventado a roda, não. Claro que ter mais casos ajuda na comprovação, mas estamos usando o mesmo modelo que usamos para associar a toxoplasmose, o citomegalovírus e a rubéola com a microcefalia”, afirma.

Ele admite, no entanto, que ainda faltam muitas respostas sobre como exatamente o vírus agiria nos bebês. Especialistas em medicina baseada em evidência apontam para a possibilidade de que um “terceiro fator” tenha sido importante para a ocorrência da microcefalia.

“De fato, já vimos que não depende só de ter o vírus. Pode-se ter o vírus e não obrigatoriamente ter a microcefalia, é o que acontece com grande parte das mães. Agora precisamos saber: será que tem a ver com a fase da gestação? É a defesa do indivíduo que faz com que algumas mães tenham e outras não? Seria um fator socioeconômico, talvez o estado nutricional das mães?”, diz Brito.

Segundo ele, a possibilidade de interação do vírus com outros fatores tem sido objeto de estudos, mas é preciso ter cuidado com afirmações sem embasamento.

“Uma organização científica de qualquer lugar tem que ter responsabilidade. A comunidade científica está precisando ler um pouco mais”, diz.

“Especialmente por causa da população. Tenho mães que me mandam (mensagens de) WhatsApp em polvorosa toda vez que aparece algo assim.”