Atualmente, meninas de 9 a 13 anos recebem a vacina pelo SUS no país.
Em visita ao Brasil na semana passada, o médico virologista alemão Harald zur Hausen – laureado com o prêmio Nobel de Medicina de 2008 por ter descoberto a relação entre o papilomavírus humano (HPV) e o câncer do colo do útero – defendeu que a vacinação contra HPV se estenda também aos meninos. Hoje, no Brasil, a vacina é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a meninas de 9 a 13 anos de idade, em três doses.
“Se vacinássemos somente os meninos, provavelmente preveniríamos mais casos de câncer do colo do útero do que vacinando somente meninas”, disse zur Hausen nesta sexta-feira (26) em entrevista a meios de comunicação no A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, onde participou de um evento científico.
O virologista contou ainda que ficou desapontado em saber que o Brasil só introduziu a vacina contra HPV no calendário nacional de vacinação em 2014 e considera que o atraso em relação a outros países pode significar que o país deixou de evitar muitos casos de câncer do colo do útero. Segundo o Instituo Nacional de Câncer (Inca), 70% dos casos desse tipo de câncer são provocados pelos dois tipos oncogênicos de HPV que estão incluídos na imunização.
Oposição contra a vacina por temor de efeitos colaterais
Descobri, com um pouco de decepção, que o Brasil só começou o programa nacional de vacinação contra HPV em 2014. A vacina foi licenciada em vários países em 2006 e, olhando para as altas taxas de câncer do colo do útero no Brasil, acho uma pena porque ela poderia prevenir um grande número de casos. Quem não recebeu a vacina neste período está mais sujeito à doença e é possível até calcular quantos morreram devido a esse atraso.
Hoje temos dados muito bons disponíveis e publicados sobre a quantidade de efeitos colaterais dessa vacinação, particularmente na Austrália onde estudos conduzidos de forma muito cuidadosa mostram que – além dos efeitos que aparecem nas primeiras 24 horas da vacinação, como vermelhidão no local da vacinação e um pouco de dor, o que é comum na maioria das vacinas – há um efeito em cada 100 mil doses aplicadas. Neste caso, é uma alergia contra a proteína presente na vacina, a proteína do HPV. É uma taxa muito menor do que os efeitos colaterais de muitas outras vacinas que damos a crianças pequenas. [A segurança da vacina já foi questionada no Brasil por grupos temendo efeitos colaterais.
É uma das vacinas mais efetivas, porque a conversão da formação dos anticorpos depois da vacinação é quase de 100% nas crianças vacinadas. Se pegar a vacina de hepatite B, que é também muito eficiente, 5% das pessoas não desenvolvem anticorpos contra o vírus.
É muito segura, é altamente eficaz e há evidências que previne as lesões precursoras de câncer, ao menos dos tipos de HPV que estão na vacina.
Meninos deveriam ser vacinados contra HPV
Tem um aspecto que, na minha opinião, precisa ser fortemente enfatizado, que é a vacinação de meninos. Primeiro, em todas as sociedades, globalmente, os homens entre 15 e 40 anos de idade têm mais parceiros sexuais do que as mulheres da mesma idade. Eles são os maiores transmissores de HPV devido ao maior número de parceiros sexuais.
Outras razões pelas quais eles deveriam ser vacinados é o câncer de faringe, que está acontecendo em um número muito maior em grandes cidades em comparação a áreas rurais. Também o câncer na região anal, que ocorre, em muitos países, muito mais frequentemente em homens do que em mulheres. Há evidências de que – como o mesmo vírus foi encontrado nessas lesões, geralmente o HPV 16 e o HPV 18 – essas doenças também seriam prevenidas pela vacinação.
Verrugas genitais, por exemplo, são um problema desagradável para os dois gêneros e a vacinação também está prevenindo, contra elas. Até o fato de que estarão protegendo suas parceiras é uma razão importante para difundir a vacinação para meninos.
Eu já disse de modo provocativo, em muitas ocasiões, que se vacinássemos somente os meninos, provavelmente preveniríamos mais casos de câncer do colo do útero do que se vacinássemos somente meninas.
Descoberta da relação entre HPV e câncer do colo do útero
No final dos anos 1960, começamos investigando se vírus herpes simplex tipo 2 estava provocando câncer, mas não encontramos material genético de herpes simplex nas células de câncer de colo do útero.
Já tinha visto partículas do HPV no microscópio eletrônico. Suspeitei que este vírus poderia ser mais maligno no colo do útero e levar a câncer. Demorou um tempo até isolar e caracterizar o vírus da verruga genital, que era o HPV 6 e subsequentemente pudemos identificar HPV 11. houve uma decepção inicial porque não encontramos HPV 6 em câncer de colo do útero,
Quando descobrimos que o HPV 16 e HPV 18 estavam ligados ao câncer, distribuímos pelo mundo essa informação.
Obstáculos no desenvolvimento da vacina contra HPV
Minha única decepção nesta fase precoce foi que eu contatei muitas empresas na Alemanha e Suíça pedindo financiamento para um programa para desenvolver a vacina de HPV e, quase todas, com uma exceção se recusou. Houve uma empresa na Alemanha que tinha muita experiencia em vacinas ficou interessada.
Eles começaram a patrocinar um programa, mas ela pertencia a uma gigante farmacêutica na Alemanha e um dos diretores fez uma análise de marketing. A analise foi muito negativa, eles disseram que não havia mercado para a vacina e que todas as pessoas, incluindo crianças pequenas, já estariam infectadas pelo vírus e teriam já anticorpos, por isso a vacinação não faria sentido. Isso é totalmente errado. O programa foi fechado e isso nos deixou muito frustrados por muito anos. Até que uma empresa americana se interessou e até hoje produz a vacina.
Outras infecções ligadas ao câncer
21% dos cânceres estão ligados a infecções, e não são apenas por vírus: dois terços são por vírus, mas um terço são bactérias e 1% por infecções parasitas.
Considero a descoberta de novos cânceres ligados a infecções como uma questão muito importante.
É algo em que trabalhamos há algum tempo em câncer de mama e câncer de cólon. Ao menos estudando cuidadosamente a epidemiologia desses dois tipos de câncer, parece que há ligações potenciais com eventos de infecção e parece, de acordo com nossa hipótese inicial, que há uma ligação com o consumo de alimentos específicos como carne e leite.
Particularmente, de acordo com os estudos, a carne é provavelmente o fator principal ara o câncer de cólon e o leite parece ser um fator em câncer de mama.
Concentramos esforços em isolar agentes no gado, no leite do supermercado e em laticínios como iogurte e creme de leite. Há razões para suspeitar que os vírus de gado podem ter um papel nesses cânceres.