Foi no dia 6 de abril que Fernanda ficou em choque ao ver o resultado de um exame de sangue que fizera, devido à extração de um dente que precisava fazer. A incredulidade se devia ao fato de que havia menos de dois anos que ela tinha feito a laqueadura no Hospital Central da Aeronáutica (HCA), na Tijuca, Zona Norte do Rio.
— Eu pedi à atendente para ler o resultado para mim e ela disse “a senhora está grávida”. Eu falei: “não pode ser. Eu sou operada. Fiz laqueadura”. Então, eu fui a uma clínica popular, no dia seguinte, fazer a ultrassonografia, que confirmou a gravidez de 13 semanas e cinco dias.
Desempregada e recém-separada, Fernanda entrou em desespero. A mãe, a dona de casa Ilma de Araújo, de 50 anos, foi junto com a filha ao HCA para exigir explicações dos médicos.
— Falei com o capitão: “minha filha está grávida de quase cinco meses e eu não tenho de onde tirar dinheiro” — relatou Ilma.
O capitão Juliano Deckert, ginecologista e obstetra, foi quem atendeu mãe e filha quando elas foram relatar o caso e também quem assinou a solicitação e autorização para a contracepção cirúrgica, em maio de 2014. As conversas do encontro foram gravadas por Ilma. Nelas, o médico afirma que o método não é 100% seguro. “Isso não é impossível de acontecer. Isso é uma coisa que a gente não quer que aconteça, mas que está sjueita a acontecer. Mesmo a laqueadura não é 100% de garantia”, diz o capitão, na gravação.
Assistente social questiona se paciente “deu uma namorada”
Como se não bastasse o choque de estar grávida, Fernanda ainda foi questionada por uma assistente social do HCA, chamada Deolinda, sobre a paternidade da criança. “Depois disso aí (da separação do marido), você deu uma namorada depois?”, afirmou a funcionária.
— Eu disse que já estava grávida quando ele me deixou. Mas, mesmo que não fosse dele, isso não importaria. Eu falei para o médico que npo tenho condições psicológicas e nem financeiras para ter mais um filho — disse Fernanda.
Dependendo apenas da renda do pai — um cabo da Aeronáutica reformado —, de cerca de R$ 1.200 por mês, Fernanda, que fazia faxinas e vendia doces até descobrir a gravidez, não sabe o que fazer. A mãe, que está com zika e tem outros problemas de saúde, ajuda como pode, vendendo biquinis e bijuterias. O ex-marido, que trabalha como vigilante, paga os R$ 433 da escola dos dois filhos mais velhos: Guilherme, de 7 anos, e Luiza, de 3. A caçula, Vivian, ainda mama no peito e não frequenta creche. Foi no dia do parto dela que Fernanda decidiu ligar as trompas.
— Estou dependendo da ajuda dos meus pais para pagar luz, gás, comprar a comida… eu gasto de 20 a 25 sacos de leite por mês. A gente faz um pouco mais ralinho, para render.
Família vai procurar ajuda da Justiça
Sem recursos e também sem saber o que aconteceu, Fernanda e Ilma vão à Defensoria Pública da União (DPU), para denunciar o caso. Elas contam que em momento algum foram alertadas a respeito de qualquer possibilidade de gravidez. Além disso, Fernanda não sabe por que as folhas dos prontuários não estão assinadas pelo cirurgião que fez o procedimento, o tenente Saulo Dias, mas por duas médicas: dra. Pâmella Brasil e dra. Ana Paula Lacerda, ambas tenentes.
— Com certeza, ninguém disse isso (que a filha poderia engravidar). Sempre foi dito que não tinha mais volta depois de ligar, tanto que passou por psicóloga antes (da cirurgia) — disse Ilma.
— Minha mãe fez, minhas tias fizeram… e nunca engravidaram.
O EXTRA consultou dois médicos sobre o assunto, que dão o mesmo parecer: é possível a mulher engravidar após laqueadura, mas é muito raro isso acontecer.
— Existe um índice de falhas nesses procedimentos, independentemente da forma que foi feita. O fato de ter ocorrido isso não significa que o procedimento foi feito com uma técnica ruim ou que a pessoa fez mal feito. Nada disso. Isso envolve processos de cicatrização que são inerentes ao organismo da pessoa. Felizmente, o índice de insucesso nesse tipo de cirurgia é muito baixo. Mas não é zero. Então, o fato de ter tido esse problema não significa que tenha havido algum erro ou alguma imperícia — explica Sérgio Teixeira, ginecologista e obstetra, membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras do Estado do Rio de Janeiro (SGORJ).
Segundo o médico, o índice de insucesso da cirurgia depende da técnica utilizada, mas, em geral, é abaixo de 1%.
— Por mais cuidadoso e criterioso que tenha sido o cirurgião, isso pode acontecer. O leigo, às vezes, tem uma ideia de que as trompas são amarradas e ela desamarrou. Isso nunca acontece. O que acontece é que o próprio organismo cria como se fosse uma pista, um túnel através do processo de cicatrização e de uma série de coincidências, acaba formando um novo trajeto e acontecendo uma gravidez pós-ligadura.
A ginecologista e obstetra Vera Fonseca faz uma avaliação no mesmo sentido, mas destaca que, em casos como o de Fernanda, é preciso confirmar, primeiro, se a laqueadura realmente foi feita.
— Mas não é porque a pessoa fez ligadura tubária que tem 100% de certeza que não vai engravidar. É possível fazer a ligadura e ter uma anastomose dos fragmentos da trompa, ou seja, criar uma comunicação na própria trompa. E cada vez que a gente faz esse procedimento na paciente, a gente informa que é possível acontecer e ela tem que estar ciente desse risco. Mas a eficácia é de mais de 99%.
O EXTRA procurou a Força Aérea Brasileira (FAB), para esclarecer o caso, mas não obteve retorno. A reportagem entrou em contato com o capitão Juliano Decker, mas ele afirmou que não poderia falar nada sem autorização do HCA. Ninguém foi encontrado no hospital para falar sobre o assunto.