Depois de um homem abrir fogo contra o público da boate Pulse, em Orlando, na Flórida, matando 49 pessoas ao longo de três horas no último domingo, uma das primeiras perguntas a surgir foi: como ele conseguiu suas armas?
A resposta: ele as obteve legalmente, em uma loja chamada St. Lucie Shooting Center. “Uma pessoa má veio aqui e comprou duas armas da gente”, disse o dono do negócio, Ed Henson, em uma coletiva de imprensa realizada do lado de fora do estabelecimento.
“Ele foi aprovado em duas checagens de histórico pelas quais toda pessoa que compra uma arma na Flórida é submetida.”
Segundo o Bureau de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo, um orgão do Departamento de Justiça americano, Omar Mateen comprou um revólver semiautomático de 9 mm e um fuzil AR-15 de calibre .223 ao longo dos últimos dez dias e de acordo com os limites das leis estadual e federal.
Segundo a lei local, ele poderia ter saído da loja com o fuzil no mesmo dia, mas precisaria esperar 72 horas para levar o revólver.
O FBI, a polícia federal americana, investigou Mateen duas vezes por possível ligação com terrorismo, mas não conseguir comprovar que ele fosse uma ameaça. As investigações foram encerradas, e seu nome saiu da lista de vigiados.
Ainda que ele tivesse sido mantido na lista, isso não o teria impedido de comprar as armas que usou no ataque de domingo. Uma lei que “nega a transferência de armas de fogo ou a tranferência de licenças para suspeitos por terrorismo considerados perigosos” não foi aprovada pelo Senado em dezembro de 2015.
Mas afinal, o que impediria uma pessoa de comprar uma arma na Flórida, um Estado conhecido por ter leis relaxadas para compra de armas?
1. Ter sido condenado por um crime grave
Quando um comprador em potencial visita uma loja licenciada na Flórida e tenta comprar uma arma de fogo, ele precisa preencher um formulário para ter seu histórico checado.
Se ele já tiver sido condenado por um crime grave, como assassinato, agressão violenta, assalto à mão armada ou cometer um ato incendiário, a compra será negada. Os funcionários também fazem uma checagem de ficha criminal em minutos, na própria loja, ligando para o Departamento de Polícia da Flórida.
Há formas de criminosos condenados terem seu direito de comprar armas restituído, mas é preciso solicitar um perdão ou clemência ao governo estadual.
“(A clemência) é um processo muito lento na Flórida – e muito longo”, diz Cord Byrd, advogado especializado em lei de armas de fogo no Estado.
2. Ter sido condenado por violência doméstica ou estar impedido de chegar perto de alguém por ordem judicial
De acordo com Byrd, a segunda razão mais comum pela qual a compra de uma arma é vetada na Flórida é violência doméstica.
Se na mesma checagem de histórico, for indicado que uma pessoa foi condenada por um delito de violência doméstica ou estiver sob ordem judicial para se manter distante de uma vítima de violência doméstica, ela não poderá comprar uma arma.
“Armas em uma situação de violência doméstica são a receita para assassinato”, diz Laura Cutilleta, advogada do Centro para Prevenção de Violência por Armas. “Uma grande porcentagem das mortes têm armas envolvidas.”
Este é o único delito (crime considerado menos grave) que impede a compra de uma arma, regra em prática desde 1996. Algumas pessoas defendem que delitos motivados por ódio também deveriam ter o mesmo efeito.
3. Ter sido internado em um hospital psiquiátrico
Desde os anos 1960, uma lei federal impede que qualquer pessoa internada involuntariamente em um hospital psiquiátrico compre uma arma.
Uma pessoa considerada “incapacitada mentalmente” por um tribunal, por ter “inteligência subnormal ou doença mental” também é vetada. Isso também vale para qualquer um que tenha sido considerado inocente de um crime por insanidade em um julgamento.
Em 2013, a Flórida ampliou a proibição, com a aprovação da Associação Nacional do Rifle, organização que defende o porte de arma, para incluir pessoas que se intenaram por conta própria, assim como em Illinois, Maryland e o Distrito de Columbia.
4. Um erro
Byrd diz que uma boa parte de seu trabalho é entrar na Justiça em nome de cidadãos da Flórida que tiveram a compra de uma arma negada pelo acreditavam ser um erro.
O Sistema de Checagem Instantânea de Histórico Criminal (Nics, na sigla em inglês) não é perfeito, e os motivos pelos enganos podem variar – de erros na ortografia de nomes a incorreções em registros judiciais.
“Ajudo pessoas que cumprem a lei e estão enfrentando problemas com o sistema”, diz ele.
O resultado oposto – alguém que não deveria comprar uma arma ter conseguido uma – também é possível, graças a registros incompletos, diz Cutilleta. Alguns Estados são mais disciplinados e rigorosos do que outros no envio de dados ao Nics.
A brecha
A lei da Flórida não requer a checagem de histórico de qualquer indivíduo que venda uma arma em uma transação privada, ao contrário do exigido em vendas por lojas.
“Se você for a um clube de tiro e o cara ao seu lado disser ‘Amei sua arma’, você pode vender para ele sem fazer a checagem”, diz Adam Winkler, autor de Gunfight: The Battle over the Right to Bear Arms in America (Tiroteioda: A Batalha pelo Direito ao Porte de Arma na América) e professor da Escola de Direito da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).