Nove pessoas foram mortas por policiais por dia no Brasil em 2015, número 6,3% maior do que o registrado em 2014, segundo dados inéditos do 10º Anuário Brasileiro de Segurança. No total, 3.345 foram mortas por policiais militares ou civis no ano passado. Já o número de assassinatos em geral teve pequena retração de 1,2%.
As maiores taxas de letalidade policial registradas no ano passado foram no Amapá (5 por 100 mil habitantes), seguido por Rio de Janeiro (com 3,9 por 100 mil) e Alagoas (2,9 por 100 mil).
Se for levado em consideração apenas os números absolutos, de acordo com o levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo e Rio de Janeiro concentram 1.493 mortes, ou 45% dos casos registrados no país.
A taxa de letalidade policial no país é de 1,6 por 100 mil habitantes, maior do que em Honduras, considerado o país mais violento do mundo, onde a taxa é de 1,2 por 100 mil. No país da América Central, 98 pessoas foram vítimas de letalidade policial, contra 3.345 no Brasil no ano passado.
“A verdade é que parcelas significativas da população acham que a polícia tem que matar mesmo. E tem muito político se elegendo com essa plataforma”, disse a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. “Em um contexto de criminalidade altíssima como o Brasil vive e com todo o tipo de violações de direitos, uma descrença total na Justiça, é mais fácil acreditar que a polícia está ‘resolvendo’ de alguma forma.”
Outro dado comparativo indica que o número de mortes causadas pela polícia no Brasil entre 2008 e 2015 é superior a todos os assassinatos registrados nos 44 países da Europa em 2013. Lá, 19.053 pessoas foram assassinadas naquele ano, contra 19.494 pessoas mortas por policiais no Brasil no período.
Para a especialista, a Polícia Militar sempre foi “instrumento a serviço do estado”. “Primeiro era para controlar escravo, depois para lidar com os imigrantes, depois para apoiar o Exército na ditadura”, disse. “Hoje o inimigo é outro. As polícias servem para administrar conflitos sociais nas periferias.”
Uma das vítimas foi Alan de Sousa Lima, de 15 anos. O adolescente foi morto por policiais militares em 20 de fevereiro de 2015, na Favela da Palmeirinha, em Honório Gurgel, Zona Norte do Rio.
No registro de ocorrência feito na época, um dos PMs afirma ter sido surpreendido por homens armados, que teriam atirado quando viram a carro da PM. Imagens da câmera de segurança instalada dentro do carro da Polícia Militar desmentem a versão dos PMs de que houve confronto. Nelas, um dos policiais aparece com o corpo para fora do veículo. Em seguida, dispara diversas vezes. Um dos baleados foi Alan.
Segundo Samira, o estado delegou às polícias a decisão de quem deve viver e de quem deve morrer. “Nós não temos formalmente pena de morte no Brasil, mas temos de maneira informal nas periferias, e cabe ao policial, que está na ponta, [decidir] quem morre e quem vive. O mais perverso disso tudo é que essa resposta, aparentemente mais fácil, resulta num ciclo de violência sem fim e que tem vitimado os policiais também.”
Policiais mortos
O número de policiais vítimas de homicídios quando estão em serviço ou de folga também são altos no país. No ano passado, 393 policiais foram mortos, 16 a menos do que em 2014.
Segundo o anuário, os policiais brasileiros são três vezes mais assassinados fora do horário de serviço do que trabalhando. Mas em 2015 houve crescimento de 30,5% no número de policiais assassinados: 103 morreram durante o expediente e 290 fora (queda de 12,1%), geralmente em situações de reação a roubo.
“Policiais brasileiros morrem em proporções absurdas porque, na prática, entramos na ideia da vendeta. E o mata-mata não acaba nunca”, disse a diretora.
Outro lado
A Secretaria da Segurança do Rio de Janeiro diz que investe para reduzir os índices de criminalidade.
“A Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) tem como prioridade a preservação da vida e a redução de índices de criminalidade no estado. Por isso, investe desde 2007, no processo de pacificação nas comunidades e implantação do Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados (SIM), que premia os policiais pela diminuição da letalidade e produtividade.
Em 2007, os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial chegaram a 1.330. A partir de 2009, ano da implantação do SIM, estas mortes registraram queda. Em 2013, 416 pessoas morreram em ações policiais. Os números são altos, mas organizações não governamentais apontam em relatórios que os programas foram iniciativas exitosas na diminuição dos índices.
Após o aumento destas mortes nos anos dois últimos anos, a Seseg tomou medidas para reduzir os índices citados: diminuiu a utilização de fuzis, criou o Centro de Formação do Uso Progressivo da Força e a Divisão de Homicídios passou a investigar os homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial. Desde 2007, mais de 2 mil policiais foram expulsos das corporações pelas corregedorias por desvios de conduta e abuso de autoridade”, diz a nota.
Em nota, o governo do Amapá afirmou que “o secretário de Estado da Justiça e Segurança Pública do Amapá, coronel Gastão Calandrini, vai se manifestar sobre o resultado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública às 8h30 desta sexta-feira (28)”.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo respondeu em nota que “vem desenvolvendo ações para reduzir a letalidade policial, seja em folga ou em serviço que resultaram na queda das mortes decorrentes de intervenção Policial Militar em 2015, na comparação com o ano anterior, como mostra o próprio Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública”.
“No ano passado, foi implementada a Resolução SSP 40/15. A medida garante maior eficácia nas investigações de mortes, pois determina o inédito comparecimento das Corregedorias e dos Comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC, para melhor preservação do local dos fatos e eficiência inicial das investigações. Todos os casos são apurados para verificar se a versão apresentada corresponde à verdade. Finalizada a investigação, o arquivamento de inquéritos a partir da constatação de que a ação policial ocorreu dentro dos limites da prerrogativa profissional dos agentes de segurança só ocorre após avaliação do Ministério Público e da Justiça”, diz o texto.
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