Foi como nos clássicos romance de espionagem. Um homem de meia-idade com excesso de peso perambulava pelas lojas do aeroporto de Kuala Lumpur à espera do embarque. Duas mulheres se aproximaram e lhe aplicaram injeções. O homem começou a passar mal, caiu no chão, enquanto as duas mulheres corriam para a saída a fim de fugir com um táxi. O desconhecido agonizava: levado em uma ambulância, morreu depois de poucos minutos a caminho do hospital de Putrajaya.
Esta é a versão divulgada pela imprensa sul-coreana da morte de Kim Jong-nam, o irmão mais velho do líder supremo norte-coreano Kim Jong-un e cujo nome já chegou a circular como possível sucessor do pai de ambos, o Querido Líder, Kim Jong-il.
A agência sul-coreana Yonhap noticia que o incidente ocorreu na segunda-feira de manhã. A rede de televisão Chosun afirma que as duas mulheres são, provavelmente, agentes norte-coreanas. Os dois veículos citam fontes oficiais do Governo de seu país.
Em Seul, a notícia circulou somente à noite. Em Kuala Lumpur, a polícia malaia, depois de se limitar a confirmar que um cidadão norte-coreano havia morrido no caminho entre o aeroporto e o hospital, finalmente confirmou que se tratava do irmão de Kim Jong-un, informa a agência Reuters. A polícia malaia, segundo a qual Jong-nam planejava voar nesta segunda-feira de manhã da capital malaia para Macau, destacou que ainda ignora a causa da morte.
O crime aconteceu apenas um dia depois de o regime norte-coreano ter lançado ao mar um míssil balístico de médio alcance, iniciativa cujo objetivo seria testar o novo governo norte-americano de Donald Trump.
O assassinato de Kim vem se somar a uma série de ações novelescas de seu serviço secreto no exterior e que incluiu o sequestro de cidadãos japoneses, em território japonês, para levá-los à Coreia do Norte. Este também seria o caso mais importante de morte violenta sob o regime de Kim Jong-un desde a execução, em dezembro de 2013, de Jang Song-thaek, tio do líder supremo e considerado até então como o verdadeiro mandante do país.
A execução de Jang Song-thaek, realizada com tiros de canhão, segundo as versões que circularam na Coreia do Sul, marcou uma virada na política norte-coreana. Jang tinha contatos importantes com Pequim e era defensor de uma aproximação com o país vizinho que incluía uma mudança de regime semelhante à que a China vem empreendendo na esfera econômica nos últimos 30 anos. Desde então, e apesar de Mao ter certa vez qualificado a relação bilateral entre os dois países como tão próxima quanto sãos “os lábios e os dentes”, os vínculos entre os dois países tem estado muito abalados.
Kim Jong-nam não tinha em comum com Jang apenas os laços de família. Ele também possuía vínculos com a China.
Nascido em 1970, fruto de um relacionamento extraconjugal de Kim Jong-il com a atriz Song Hye-rim, ele foi inicialmente tratado como o herdeiro do regime. Era, provavelmente, o filho mais parecido com o pai em matéria de gosto: apreciava o cinema e as artes em geral. Mas, em 2001, foi flagrado quando tentava entrar no Japão com um passaporte dominicano falso e acompanhado de duas mulheres e um menino para visitar a Disneylândia de Tóquio.
Caiu imediatamente em desgraça –fato que abriu caminho para a chegada ao poder de Kim Jong-un após a morte do pai em 2011–, e desde então passou a passar a maior parte do tempo em Macau. Os analistas avaliam que ele era visto por Pequim como uma possível alternativa para liderar a Coreia do Norte em substituição ao irmão.
Em uma série de mensagens por correio eletrônico com um jornalista japonês, Jong-nam negou ter qualquer tipo de aspiração a governar o seu país natal e expressou seu apoio à ideia de reformas em um regime que ele considerava dinástico. Seu filho Kim Han-sol, que fez curso superior em Paris, já se pronunciou em termos semelhantes e chegou a chamar seu tio Jong-un de “ditador”.
Jong-nam já tinha sido alvo dos serviços secretos norte-coreanos no passado. Em outubro de 2012, promotores sul-coreanos afirmaram que um suposto espião do Norte havia admitido ter participado em uma ação que pretendia assassinar o irmão do líder supremo, fazendo o caso passar por um acidente de trânsito.
Naquele mesmo ano, uma revista russa, Argumenty i Fakty, afirmou que Jong-nam estava vivendo problemas econômicos depois que o regime norte-coreano suspendeu a verba de que ele desfrutava, em reprimenda às suas críticas ao sistema.