Quando a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco visitou a Lagoa do Pé Leve, em Limoeiro do Anadia, na primeira semana de operação, o aquífero era um esboço da bonança de outros tempos. Resumida a poucas poças de água, o leito seco do recurso hídrico deixou de ser uma fonte de alimentos e de renda para a população mais carente da região.
Para saber os motivos que levaram a lagoa a tal estado, técnicos de órgãos ambientais que compõem a FPI do São Francisco foram até o local com o objetivo de colher dados e, assim, fazer um diagnóstico. De antemão, eles constaram que, além da diminuição de chuvas na região, a retirada de água em grande volume e a degradação do meio ambiente foram decisivos para secar o Pé Leve.
Captação irregular de água para consumo humano e irrigação; ocupação desordenada às margens da lagoa, que são áreas de preservação permanente; destruição das matas ciliares que evitam a erosão e assoreamento do recurso hídrico; e falta de esgotamento sanitário são fatores que, juntos, podem ter contribuído com a secagem.
“Com a redução da chuva, a recarga diminui enquanto a extração de água se manteve em nível elevado. Em seguida, veio a supressão de mata ciliar no entorno decorrente da ocupação desordenada nas margens da lagoa. A vegetação apara a água que cai da chuva, ajudando a abastecer lentamente o aquífero. Sem ela, a água evapora de modo natural”, explicou um analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Um técnico do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) chegou a flagrar o avanço de cercas de uma propriedade para dentro do leito do rio.
Mais retirada, menos carga
A FPI do São Francisco também flagrou um pivô central instalado nas proximidades do Pé Leve. Segundo os técnicos ambientais, o instrumento é um dos que mais consome e desperdiça água no agronegócio.
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos (SEMARH) informou que é necessária uma outorga do órgão para extração de grandes volumes de água. “Se o volume extraído for pequeno a outorga é dispensada. Mas, mesmo assim, deve haver um certificado de dispensa da licença para o Estado ter controle da subtração de água”, disse um servidor público da SEMARH.
O coordenador da equipe flora da FPI do São Francisco explicou como a captação irregular de água prejudica a lagoa: “Quando se retira o líquido do subsolo a partir dos poços, rebaixa-se o lençol freático, que, junto à água superficial da chuva, deveria alimentar a lagoa. É como uma caixa d’água que vai secando. Para piorar, a evaporação impede a água da superfície de recarregar o próprio lençol”.
Efeitos da degradação
Pedro Correia de Araújo mora há 25 anos no Distrito do Pé Leve, em Limoeiro do Anadia. Ele lembra que o espelho d’água vivia cheio, com pessoas tomando banho em suas águas e garantindo o sustento da família por meio da pesca. “Essa lagoa nunca secou. Era cheia direto. Do ano passado para cá, a água foi baixando até acabar”, disse.
Morador há 12 anos no local, Gilvan da Silva também lamentou a sorte dos pescadores. “Quem criava seus meninos vendendo peixe perdeu a fonte de renda. O Pé Leve cheio deixou muitas histórias. Dá tristeza vê-lo assim. Quem não sente? Essa lagoa era uma mãe para todos”, falou.
Além dos efeitos sociais, a secagem do espelho d’água provoca efeitos ao ecossistema da região. Isso porque as águas da lagoa ajudam no controle da temperatura e no equilíbrio da umidade do ar. “Nesses dias, percebemos que a umidade em Arapiraca e nas cidades vizinhas estava baixíssima. Vamos lembrar que a região está localizada próxima do sertão e não pode dispensar recursos naturais como a Lagoa do Pé Leve”, afirma um técnico do IBAMA.
O desequilíbrio atinge também toda a Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, uma vez que o Pé Leve abastece o Rio Piauí, um dos afluentes do Velho Chico. “As lagoas formam nascentes, que reforçam o curso natural de água para abastecimento do Rio São Francisco. É como se houvesse um entupimento de uma artéria que abastece o coração dele”, completou o servidor público.
É possível salvar a lagoa
Para o promotor de Justiça Alberto Fonseca, um dos coordenadores da FPI do São Francisco, ainda é possível salvar a Lagoa do Pé Leve. Segundo ele, será necessário um trabalho a longo prazo e que envolva um compromisso do poder público e da população.
“Precisamos fazer um trabalho de conscientização dos moradores para preservar a lagoa. Quanto mais água for retirada do espelho d’água, menos ele terá a oferecer. Da mesma forma, precisamos dar cabo dos crimes ambientais que estão ocorrendo no local”, afirmou o representante do Ministério Público do Estado de Alagoas.
Resolver o problema do lançamento de esgoto, recuperar as matas ciliares, retirar as residências localizadas nas margens (áreas de preservação permanente) e limpar o lixo acumulado no leito seco são algumas providências que podem ajudar a recuperar a Lagoa do Pé Leve.