No final dos anos 1990, Selton Mello era uma das apostas jovens da TV Globo. Tinha contrato permanente com a emissora e conseguia emendar um trabalho atrás do outro.
Havia sido um dos protagonistas da novela Tropicaliente, em 1994. Depois, teria destaque também em A Próxima Vítima e A Indomada. Nesta última, foi Emanoel, portador de necessidades especiais que se tornou muito conhecido.
Pouco depois, o contrato estava se encerrando e a Globo manifestou interesse em renová-lo. A surpresa foi que o próprio Selton recusou-se. “Eu pensei: ‘eu entendo a grandeza da minha profissão e não vou ficar só aqui, contratado e ganhando dinheiro’. Preferi não renovar e experimentar novas linguagens. Via uma certa burocracia na TV que não me interessava”, disse o ator e diretor, quando recebeu o CORREIO, num final de tarde num hotel em Salvador para falar sobre seu terceiro longa como diretor, O Filme da Minha Vida, que estreia quinta-feira.
Desde que encerrou aquele contrato com a Globo, o mineiro de 44 anos entregou-se apaixonadamente ao cinema, embora não tenha se afastado da televisão. “Fiz cinema ‘cabeça’, fiz cinema comercial, dirigi…”, lembra o ator e diretor, que é também produtor e roteirista.
Além de atuar em sucessos como Lisbela e o Prisioneiro (2003) e Meu Nome Não é Johnny (2008), Selton aventurou-se em produções menores, marginais, como O Cheiro do Ralo (2007) e A Erva do Rato (2008). “Dirigir foi, para mim, um processo orgânico. Quando vi, já estava dirigindo. Comecei como codiretor no teatro, depois veio um clipe do Ira!, aí chegou o programa Tarja Preta, no Canal Brasil…”, lembra-se.
Depois de dirigir o primeiro longa, o denso drama Feliz Natal (2008), Selton buscou outro caminho, mais leve, com O Palhaço (2011). A comédia com toques de drama levou 1,5 milhão de espectadores aos cinemas, número muito bom para um filme que não se enquadrava nos padrões dos recentes sucessos de bilheteria do cinema brasileiro.
Agora, Selton volta como diretor em O Filme da Minha Vida, inpirado no livro Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta, mesmo autor de O Carteiro e o Poeta, que originou o filme homônimo.
Há alguns anos, Skármeta disse a um amigo brasileiro que queria muito ver um filme brasileiro baseado em uma obra dele. Aquele amigo sugeriu que o escritor assistisse a O Palhaço. Encantado com o filme, Skármeta decidiu procurar o diretor.
Um dia, Selton recebeu um bilhete do chileno, que chegou a ele por meio de Vania Catani, produtora de O Palhaço. No bilhete, o escritor se apresentava e dizia que estava oferecendo os direitos do livro. “No início achei que era trote (risos), achei tudo muito louco. Mas quando li o livro, pensei: era o que eu procurava”, lembra Selton.
No filme, o ator Johnny Massaro (o Gabriel da série Amorteamo) vive Tony Terranova, um jovem professor de francês que vive nas Serras Gaúchas e sofre com a ausência do pai, que foi embora sem avisar à família. Apaixonado por livros e filmes, Tony faz do amor, da poesia e do cinema suas grandes razões de viver. Selton vive Paco, espécie de mentor de Tony.
No elenco, também estão o francês Vincent Cassel, que é o pai de Tony, e Bruna Linzmeyer. Tem ainda Rolando Boldrin, em um papel secundário criado especialmente para ele. Antonio Skármeta também faz uma ponta como o dono de um bordel.
O longa aborda temas como relações familiares, amizade e sexo sempre com leveza. “O filme dá uma coisa boa na gente, é legal sentir isso em tempos tão duros, cinzas… Então, o pessoal que assistiu nas pré-estreias estão saindo do cinema dizendo ‘ufa’, ‘obrigado’”, diz Selton.
Um ponto alto do filme é a caracterização dos anos 1960, com figurino e cenografia muito bem cuidados e uma trilha sonora que tem Charles Aznavour, Nina Simone e até Coração de Papel, do tempo em que Sérgio Reis ainda era da Jovem Guarda.
O livro de Skármeta é ambientado nos anos 1950, no Chile, mas Selton optou por transportar a história para a década seguinte no Brasil. “Mas eu quis no filme uma cidade fictícia, Remanso, o que me deu mais liberdade criativa e me permitiu contar uma história de forma onírica, com os pés fora do chão”, diz Selton.
As locações dão uma atmosfera europeia ao filme, observa o diretor: “O fato de ser no Sul do país, onde tem colônia alemã e italiana fortes, faz essa ponte com o cinema europeu. E tem aquela neblina, além de uma luz especial”.