Instituição ingressou com ação civil pública contra o Município de Maceió e a SMTT nesta quarta-feira. Para a Defensoria, a Lei Municipal nº 6.683/2017 apresenta pontos inconstitucionais, fere o princípio da igualdade, impede a livre concorrência, além de burocratizar o serviço e gerar desemprego
O Núcleo de Direitos Coletivos e Humanos da Defensoria Pública do Estado ingressou com uma ação civil pública em face do Município de Maceió e da Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito (SMTT), apontando vícios de inconstitucionalidade em diversos dispositivos da Lei Municipal nº 6.683/2017, a fim de garantir o livre exercício da atividade de transporte privado individual de passageiros no município de Maceió.
Para a instituição, o texto da lei, aprovada na semana passada, infringe princípios da política de mobilidade urbana, da proteção e defesa do consumidor, da livre iniciativa e da livre concorrência, como também cria restrições à entrada e à atuação de motoristas profissionais no mercado, acarretando impactos negativos para o bem-estar econômico, haja vista que limita a oferta de serviços e abre espaço para a prática de preços em níveis superiores àqueles que seriam aplicados em um ambiente de mercado pautado pela livre concorrência, podendo inviabilizar completamente o transporte privado individual de passageiros por intermédio de plataformas digitais.
Na ação, o defensor público Daniel Alcoforado, indica a inconstitucionalidade da lei ao mencionar o art.22, inciso XI, da Constituição Federal, quando diz que compete privativamente à União Federal legislar sobre trânsito e transporte. “Atualmente, o Senado Federal discute o Projeto de Lei nº 5587/2016, que trata da regulamentação de serviços como o Uber, fato que demonstra que a competência legislativa sobre a matéria é privativa da União Federal”, explica.
Ainda segundo o defensor, a ordem econômica na Constituição de 1988 é baseada na livre iniciativa, que tem por regra o exercício de qualquer atividade econômica sem a necessidade de autorização estatal.
Exigências Ilegais da Lei
Na ação, o defensor público também apontou uma série de exigências ilegais e antijurídicas impostas aos motoristas cadastrados no Uber, como a exigência do uso de um veículo com, no máximo, cinco anos de fabricação e obrigatoriedade do licenciamento e emplacamento do veículo no município de Maceió, dispostos no art.8º, V, da Lei.
“Os consumidores, em específico, têm condições de julgar se os veículos utilizados no transporte privado individual de passageiros são adequados ou não, se o ponto de obsolescência dos automóveis é tolerável ou não, e esse seu julgamento é informado às operadoras da plataforma digital na avaliação que os próprios consumidores fazem acerca das viagens que realizam, de modo que o próprio mercado é capaz de estabelecer a idade máxima para que veículos sejam utilizados no transporte individual”, aponta o defensor.
Alcoforado relatou que a exigência de exigir emplacamento do veículo na cidade de Maceió – que deixa evidente o interesse no incremento da arrecadação tributária pela municipalidade – não existe na legislação que fundamenta a atividade do transporte privado individual de passageiros, qual seja a Lei 12.587/12 (Lei de Mobilidade Urbana).
“Além de inovar, de forma ilegal e arbitrária, na ordem jurídica, ao restringir o transporte exclusivamente para veículos emplacados no município de Maceió, a restrição imposta na lei afigura-se desarrazoada e em confronto com o princípio da igualdade, da livre iniciativa econômica e liberdade de trabalho”, dispara.
Ainda Sobre a obrigatoriedade de emplacamento do automóvel no município, a Defensoria acrescenta que atividades correlatas de transporte particular, como agências de viagens, aluguel de veículos com motorista para eventos, dentre outros, não possuem exigência de que tenham seus veículos emplacados na cidade de Maceió.
“É nítido tratamento discriminatório, revestindo-se ainda a medida de extrema coercitividade, desrespeitando princípios essenciais protegidos pela Carta Magna, como o princípio da livre atividade, da impessoalidade, da proporcionalidade e do devido processo legal substancial”, expôs.
Outro ponto questionado pelo defensor se refere à obrigatoriedade do veículo ser registrado em nome próprio (art.4º, X, da Lei Municipal nº 6.683/2017), exigência inexistente para outros profissionais, como taxistas, o que fere, portanto, o princípio da igualdade. “Se o transporte realizado por taxistas pode ser realizado através de veículos de terceiros, na forma disposta no art. 2º da Lei nº 12.468/11, razão alguma justifica a proibição com relação aos profissionais que realizam o transporte privado individual”, argumenta.
Outro ponto que fere o princípio da igualdade, exposto pelo defensor, seria o pagamento de taxa mensal de R$ 120 por veículo cadastrado (Art.3º da Lei Municipal nº 6.683/2017), na medida em que não foi instituída, pelo menos de forma tão draconiana, para outros motoristas profissionais do transporte público individual de passageiros, como taxistas.
A instituição argumenta ainda que a lei fere a livre iniciativa e a livre concorrência, pois as novas exigências burocratizam excessivamente o acesso de motoristas profissionais ao exercício da atividade, na atualidade marcada pela informalidade e agilidade, além de gerar custos financeiros significativos.
“Tal burocratização promoverá a eliminação de renda extra para aqueles motoristas que têm a plataforma como alternativa desenvolvida nas horas disponíveis e, também, a abolição de emprego e renda para aqueles motoristas que têm o serviço como atividade única – isso num país que conta com cerca de 14 milhões de desempregados – o fato é que as exigências da lei municipal atingem em cheio, negativamente, os interesses da coletividade de consumidores”, aponta.
O pedido
A ação civil pública pede que o Judiciário ordene que o Município e SMTT se abstenham, até o julgamento final do processo, de exigir autorização para o transporte privado individual de passageiros (art. 2º, da Lei Municipal nº 6.683/2017), que se trata de atividade econômica stricto sensu cujo exercício é livre; e que se abstenham de exigir que os motoristas do Uber tenham que: a) operar veículo com, no máximo, 5 (cinco) anos de fabricação (art. 8º, IV, da Lei Municipal nº 6.683/2017); b) utilizar veículo registrado em nome próprio (art.4º, X, da Lei Municipal nº 6.683/2017); c) ter licenciamento e emplacamento do veículo no município de Maceió (art.8º, V, da Lei Municipal nº 6.683/2017).
O pedido pede também, que o ente público se prive de exigir o pagamento da Taxa de Operação no valor mensal de R$ 120 por veículo cadastrado e, consequentemente, de aplicar as medidas e sanções administrativas previstas na lei.