O feijão e a maturidade

As fortes chuvas que tivemos esses três últimos meses acabaram por me contemplar com paredes umedecidas, mancha de goteira no teto ou mofo nos objetos menos manuseados nos quartos e como Pedro é alérgico, logo que o sol apontou um raiozinho, iniciamos uma guerra contra esses infortúnios.

Num espaço pequeno as latas de tintas, impermeabilizantes, vernizes ou texturas vão se entulhando nos locais possíveis, pelo meio do caminho, embaixo da mesa, tornando tudo uma bagunça capaz de esconder, sem ser notado, até um baú de moedas de ouro.

Por isso a perplexidade quando puxei uma dessas latas e encontrei repousando em cima de uma delas um solitário caroço de feijão, lisinho, marrom, parecido com uma joia de tão perfeito e me deu uma pena danada de simplesmente sacudi-lo no lixo.

Tomada de afeto pelo dito cujo, peguei um recipiente, coloquei algodão, umas poucas gotas de água e resolvi cobri-lo parcialmente, como quem usa um lençol, e animada pensei comigo “vou repetir um dos meus experimentos infantis”, plantar feijão.

Coloquei o vidrinho já pronto no meu quarto, aonde chega luz com fartura, coada pelo vidro para favorecer a germinação, mas principalmente escolhi deixá-lo perto de mim porque podia, todo dia, olhar seu progresso.

Primeiro veio um pontinho rompendo a casca, quase sem acreditar que havia algo do lado de fora maior que o mundo interior para ser vivido e que seria uma aventura que valeria a pena.

Assim na sequência de quatro dias, vi surgir uma pequena haste com folhinhas aparentemente frágeis, que num esforço sobrenatural se espreguiçaram para o desconhecido.

Lembrei que já plantei feijão, Pedro plantou feijão, o astronauta brasileiro que foi à lua plantou feijão. A questão não era plantar feijão, era o que havia acontecido comigo que requentava essa experiência com um entusiasmo singular, como se inédita fosse?

Maturidade… Deve ser essa a resposta, a maturidade muda a gente, o olhar, os prazeres.

Na minha infância dois ou três dias parecia uma eternidade, na infância de Pedro, sem tempo nem para me coçar, parecia que passava num piscar de olhos. Hoje não, hoje o feijão cresceu no tempo exato de me permitir satisfação no avanço lento de seu desabrochar.

Conheço quem se orgulha de ser imutável por toda a vida, de ser o mesmo, de pensar da mesma forma, de fazer as mesmas coisas. Eu não, eu me sinto feliz em dizer que mudei muito, muito mais que imaginava possível.

Mudei a ponto de reconhecer felicidade em coisas tolas, que me permitem alterar o rumo da agenda por um compromisso inusitado numa sexta feira qualquer, sem promessa de futuro ou de faturamento e que rende combustível bastante para cumprir um monte de obrigações.

Esse olhar maduro me faz entender ser mais interessante andar no ritmo de músicas diferentes que acompanhar um Personal numa busca infindável por um corpo perfeito, que já aceitei que se não o tive quando mais jovem, agora é que não o terei nunca mais, e relaxei.

Que compreende a necessidade de uma casa organizada, mas com direito a comer uma fatia de bolo caminhando por ela, olhando as plantas da varanda ou simplesmente parada diante da lua que entra desavergonhadamente porta adentro.

Maturidade que possibilita receber amigos por prazer, não mais para desfiar um rosário de truques e aptidões culinárias em mesas de capa de revista, para servir receitas de preparo demorado, trabalhoso, com resultado muito perecido com um rápido risoto.

Madura para aceitar sorrir nas fotos, sem preocupação em apertar os olhos, vincando a pele num leque de rugas, ou exibir a gengiva nada fotogênica, que me deixa mais perto de mim mesma que nas belas poses ensaiadas da juventude.

Principalmente madura para acolher com a calma necessária um abraço, sem precisar pensar se vai desmanchar o cabelo, ou com o que devo dizer na sequência, porque já sei que silêncios são eloquentes e algumas bobagens tão sábias como filosofias e que o cabelo, ah o cabelo!…

O feijão depois de uma semana começou a definhar, havia mais vida reservada para ele, mas apenas possível em tereno fértil, não num simples algodão. Sendo ele parecido comigo e tendo eu já caminhando por uma estrada tão longa, só posso supor que fui plantada em cantos melhores e que acertei mais que errei para chegar até aqui como sou.

Meu experimento morreu declamando um discurso silencioso sobre a transitoriedade da vida, sobre a necessidade de correr riscos para conhecer novidades, carregado de sabedoria a respeito de possibilidades imutáveis.

Somos todos capazes de aprender com feijões, assim como somos capazes de aprender com a maturidade, até os misteriosos feijões do espaço devem ter deixado lições, pena que nem sempre compreedemos o que ensinam para possamos ser melhores a cada dia.

Agosto de 2017

Katia Betina

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