Representantes de religiões de matriz africana apresentaram na última segunda-feira, 30, uma petição na Câmara Municipal de São Paulo denunciando o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo número crescente de casos de intolerância religiosa.
O evento mobilizou centenas de sacerdotes e adeptos no Salão Nobre da Casa Legislativa, para chamar a atenção da sociedade para o problema e aumentar a adesão ao movimento, conforme informou a assessoria da Câmara.
De acordo com dados da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgados no começo de 2017, o Brasil teve quase 700 denúncias de intolerância religiosa entre os anos de 2011 e 2015. Deste total, 71,15% dos casos foram contra religiões afro-brasileiras. O Rio de Janeiro é o estado que lidera em número as agressões, seguido por Minas Gerais e São Paulo.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos do Rio (SEDHMI), de julho até o início de outubro de 2017, foram registrados 41 casos de intolerância religiosa no estado. A região da Baixada Fluminense foi responsável por cerca de 30% das denúncias recebidas, enquanto os traficantes foram os autores de 10% dos casos de intolerância, chegando a obrigar os sacerdotes a destruírem os seus próprios terreiros.
Sobre o assunto, a Sputnik Brasil conversou com exclusividade com o advogado Hédio Silva Júnior, ex-secretário de Justiça de São Paulo e uma das lideranças desse movimento contra a intolerância religiosa no país. Segundo ele, embora mais evidente na região Sudeste, esse é um fenômeno que se alastra por todo o país.
Isso é resultado do discurso do ódio religioso, da utilização da televisão e do rádio, que são concessões de serviços públicos, para a propagação do ódio, da discriminação e da intolerância religiosa. Esse traficante que vai ali e entra é um mero executor.”
Hédio explica que o problema em relação a essa questão não é a falta de arcabouço jurídico, uma vez que há um conjunto de leis no Brasil feitas para coibir esse tipo de atitude.
“A própria Constituição determina que a finalidade dos meios de comunicação — portanto, do rádio e da TV — deve ser educativa e de afirmação dos valores sociais. A Lei de Segurança Nacional prevê que é crime a apologia ao ódio religioso. O Estatuto da Igualdade Racial prevê que é obrigação do poder público impedir a propagação do ódio religioso. O Código Penal, enfim, uma série de leis prescrevem penas, inclusive penas altas para a utilização do rádio e da TV para a veiculação do ódio religioso”, explicou o especialista, destacando que um dos argumentos que estão sendo levados à corte se refere à omissão das autoridades brasileiras diante desse crescente problema.
Uma eventual sentença condenatória da Corte Interamericana teria validade plena no Brasil, país signatário do Pacto de San José da Costa Rica, podendo implicar em indenizações às vítimas e mudanças na condução dessa questão.
“O mais importante aí é uma sentença que condene o Brasil a levar a Constituição e a legislação a sério”, opinou Hédio Silva Júnior. “Absolutamente, não se faz nada. O Estado brasileiro é um Estado omisso em relação a esse tema”.