Eu e essa mania de atribuir a mim uma representação singular, daí acreditar que sou a única pessoa no mundo que gosta de esteira ergométrica, aquelas que a gente sobe e fica caminhando sem sair do lugar, igualzinho a rato naquela roda gigante dentro da gaiola do petshop.
Já tive dessas esteiras em casa que de tanto uso precisou ser trocada, nunca serviu de cabide e agora que não cabe uma delas dentro do apartamento, estou sempre às voltas de uma academia a procura desse prazer indecifrável.
Gosto daquele momento na esteira, andando em direção a canto nenhum, numa perfeita representação do inexplicável da vida, afinal a tranquilidade que esse caminho possibilita me remete ao encontro de um monte de sentimentos que buscam uma trégua na agenda agitada para conversarem comigo.
Como não sei ficar completamente em silêncio, minha barulhenta cabeça necessita de alguma coisa que ajude a manter o foco, assim tenho me valido atualmente da música que ouço com um pequeno fone de ouvido, aqueles de celular, para “significar” o esforço da atividade física.
Pois bem, minha orelha tem uma “incompatibilidade” com o fone que uso, apesar de original, de ter sido cuidadosamente planejado para ser confortável, de ser uma marca respeitada, ele não se ajusta a mim, não cabe, como de costume não me conformo facilmente e continuo insistindo com ele.
O que acontece é o seguinte, num dos lados até se encaixa, no outro cai, eu prontamente recoloco, infinitas vezes, durante todo o tempo que, na teoria, usaria para me exercitar e conversar comigo mesma.
Olho para as pessoas em volta e vejo que tem muita gente que também usa fone e que existem outros, uns maiores, que ficam do lado de fora da orelha, menos discretos, parecem mais práticos e como não me mobilizo para testar algum novo, vou usando o que tenho, dizendo pra mim que esse é o certo para o tipo de telefone, que eu devo estar fazendo algo errado, que basta insistir para funcionar…
Se eu fizesse isso apenas com o fone de ouvido era uma beleza, o danado é que costumo me comportar dessa maneira na vida. O lugar não me cabe e eu tento me estreitar, se alguma relação não se encaixa, vou me encolhendo, se percebo que algo não funciona, sigo teimosamente acreditando que a solução tá na próxima esquina, e por aí vai.
Fico reparando, e vou falar em primeira pessoa para não julgar que existam outros que ceguem como eu diante do óbvio, que repito essa prática de insistir, ainda que antecipadamente já saiba que o resultado final é o insucesso, por absoluta incapacidade de proceder de forma diferente porque tenho medo de fracassar diante do desconhecido.
Definição de sucesso e insucesso é demasiada subjetiva, a música do fone nos dois ouvidos é mais prazeirosa que num só, mas se dá pra ouvir pela metade, já parece bom o suficiente, assim mesmo é na vida quando vem faltando uma banda, que vou me conformando motivada pela dúvida “E se o novo não funcionar?”.
Vi, um dia desses, uma foto com uma cabeça de alho faltando um “dente”, que teve esse local vazio preenchido por um bago de tangerina, com a seguinte frase “Nem todo lugar onde você se encaixa serve para você”. Quem dera o certo e o errado fossem fáceis de distinguir como no vegetal e na fruta.
O certo é que tem pedaços incompletos que parecem funcionar, mesmo que o fone caia eu ouço a música, e situações perfeitas que parecem não fazer sentido, exatamente como andar numa esteira sem sair do canto, rumo a lugar nenhum.
A incompatibilidade entre a minha orelha e o meu fone é a mesma entre cotidiano e paz, funciona só pela metade, mas persisto, não se adequa e não recuo, sigo ouvindo apenas parte das músicas, que são as que escolhi, as que considero melhores, cuja as letras me descrevem, mesmo que incompletas.
Quem sabe um dia, por loucura ou num arroubo de coragem, eu compro um fone diferente, sem preocupação com nenhum conceito, sem medos ou receios e descubro finalmente que é ele o que cabe para mim.