Poucos dias após terminar as gravações da novela “A Força do Querer”, a atriz Lua Blanco veio a Lisboa, Portugal, onde reservou um tempinho para conversar com o Notícias ao Minuto Brasil sobre seus futuros projetos. Envolvida com o meio artístico desde criança, ela conta como o feminismo influenciou sua carreira e afirma que as mulheres não têm mais medo de falar sobre assédio: “Fico muito feliz de estar viva nessa época”.
Lua também pretende escrever um livro para pré-adolescentes, já está pensando em gravar seu segundo disco solo, quer montar uma peça de teatro cômica e ainda reformulará o seu canal no YouTube… ufa! Leia a entrevista completa:
Lua, qual é o peso de ter nascido numa família de artistas?
Não sei como seria se eu tivesse sido criada de outra forma. Família de artistas por um acaso foi aquela em que eu nasci, então foi tudo o que eu sempre conheci. Meu pai tocava piano e pegava o violão, quando eu tinha 5 anos, para me ensinar a cantar. A arte sempre foi uma coisa meio óbvia. Aos 20 anos, eu vi que era possível trabalhar cantando e atuando, em vez de ter que trabalhar com tradução [Lua estudou Letras na PUC-Rio]. Eu amo traduzir, mas eu não queria passar o resto da minha vida em frente a um computador. Eu brincava de atuar desde pequena. A atividade depois do jantar na infância era fazer esquetes. Eu tinha um baú com fantasias, colocava uns vestidos e inventava uns conflitos com castelos, príncipes… O ator nada mais é do que querer continuar essas brincadeiras na vida adulta e chamar isso de profissão.
Você se lembra da primeira vez em que se apresentou para um público? Como foi?
Eu tinha um pouco de medo de colocar a voz para fora, era um pouco tímida, e o meu pai fazia “busking”, que é algo muito comum nos EUA e consiste em simplesmente entrar num restaurante cantando. Entrava eu, com todos os meus irmãos, somos seis, tudo enfileiradinho, cantando, e eu falava “pai, que vergonha”, e ele: “não tenha vergonha, é arte, tá tudo certo”. Nunca mais eu tive vergonha, virei cara de pau.
Como foi seu primeiro teste para fazer um papel? Foi nesse momento que você percebeu que queria ser atriz?
O primeiro teste oficial foi para a peça “Noviça Rebelde”. O meu sonho de criança era fazer isso. Fiz o teste, mas não passei porque havia umas meninas muito mais experientes. A Estrela, minha irmã, passou para fazer uma das crianças, e eu achei fascinante a montagem e quis estudar para trabalhar com isso. Aí entrei no “Despertar da Primavera”, foi o primeiro musical que eu fiz. Mas o primeiro emprego que eu tive foi na Globo. Abriram os testes para uma novela de surfista [“Três Irmãs” (2008)], eu tinha o cabelo queimadão de sol, e passei para ser do elenco de apoio. A partir daí estou na batalha até hoje.
Nessa época você entrou em “Rebelde” (2011-2012), que virou febre. É verdade que você quase recusou fazer a novela?
“Rebelde” veio quando eu estava muito empolgada com a minha banda, e eu vi como era difícil entrar no mercado. O convite era uma chance de trabalhar como atriz e cantora num mesmo projeto. Foi uma mistura de “não tem como recusar” e “ferrou, vou perder a minha banda”. Disseram que eu teria que sair da banda, que seria conflito de interesses. Talvez eu não devesse ter saído da banda e insistido, mas realmente virou um turbilhão. Não tinha tempo para nada. Não dormi na minha cama durante 2 anos. Foi uma renúncia. Entreguei a minha alma para aquilo e não fiz mais nada na minha vida naquela época. Foi uma decisão muito difícil.
“Rebelde” com certeza foi um marco na sua vida, né? O que você tirou de experiência dessa fase que usa até hoje?
Eu era muito sonhadora e inexperiente quando entrei. Vi muita coisa que não queria para mim. Foi uma época que separou a minha ideia infantil do que era ser artista daquela de quem realmente eu queria ser. Reformulei muitas coisas, tive muitas crises e pensei em desistir algumas vezes. Fui moldando porque aprendi que, se você quer trabalhar com isso, tem que saber exatamente o que você não quer ser para não ser sugada por todas as opções que existem. É muito deslumbre, é muita gente com ideias erradas num lugar só. O maior amadurecimento pós-Rebelde foi “calma, eu quero isso mesmo?”
“Mão no Sonho” é o seu primeiro álbum solo. De qual parte você mais gosta desse processo de fazer um disco?
Quis fazer um lado mais pop meu porque eu tinha necessidade de explorar um timbre mais suave de voz. Mas entrei nessa busca de quem sou eu como artista. Esse disco é uma parte de mim, mas não é “O” disco da minha vida. A minha música tem que ter um pouco mais da minha energia, que é uma bola em chamas que não dou conta de segurar. Sei que quero cantar, mas estou na busca de qual tipo de música eu quero fazer. Ouvir o disco pronto é muito emocionante. Chorei em todas as músicas. Por isso que eu já estou pensando no próximo disco. Estou enlouquecida para ver isso que formulo na cabeça de forma concretizada.
Como você conseguiu o papel de Anita em “A Força do Querer”? Você fez teste?
Eu tinha feito um teste muito antes para a novela, mas não rolou. Aí quando estavam começando as gravações que surgiu essa personagem. Foi de última hora, e já tinham o meu nome por eu ter sido um dos testes que eles gostaram. O Pedro Nercessian, que foi meu par na novela, que me avisou, e a produtora de elenco me ligou meia hora depois e topei na hora. Ela disse: “É um papel pequeno, mas tem chance de ficar a novela inteira”. Foi uma surpresa e foi muito bem-sucedida a equação da equipe com elenco. Sabe quando você entra num trabalho e está tudo de boa? Todo mundo de bom humor, se dando bem. Eu não podia ter pedido por um trabalho melhor para voltar para a Globo depois de tantos anos fora.
Após “A Força do Querer”, surgiram mais oportunidades artísticas?
Oportunidades vão surgindo, mas o importante é fazer os nossos planos, levar nossos projetos adiante, e contar com a possibilidade de um outro projeto em TV, mas não depender disso. Senão a carreira fica muito na mão de decisões aleatórias. Adorei trabalhar na Globo estou explorando algumas possibilidades, mas, ao mesmo tempo, estou correndo com as minhas coisas. Já estou pensando numa próxima música que eu quero gravar, numa próxima peça de comédia para montar com um diretor maravilhoso que estou cogitando, e quero reformular a minha volta no meu canal no YouTube, que eu criei antes de começar a novela, mas aí eles pediram para eu parar um pouco.
Qual ator/atriz você mais admira?
A Taís Araújo é um ícone no nosso país. Ela não só faz um trabalho brilhante na arte como ela tem coisas relevantes a dizer e ela deveria ser ouvida. Também observo muito a Monica Iozzi, me identifico muito com ela porque ela batalha muito para conseguir o espaço de atriz, não o de comediante-apresentadora-engraçadinha. Ela compra tantas brigas para conseguir o lugar dela. Meu sonho é trabalhar com ela.
Qual personagem você amaria fazer?
Quero fazer um papel cômico, sem vaidade. Eu quero ser a feia, estranha, desengonçada, o alívio cômico de uma história. Quero ser uma vilã meio maluca. Uma princesa para poder andar num castelo. E uma super-heroína dessas da Marvel.
Como você vê essa união das mulheres para denunciar o assédio dentro do meio artístico? Aconteceu o caso do produtor em Hollywood, mas aqui também tivemos denúncias contra José Mayer, por exemplo.
Acho a melhor coisa que aconteceu nos últimos tempos na humanidade. Fico muito feliz de estar viva nessa época e de aprender cada vez mais. Não temos mais medo de falar. Tanto na luta pela liberdade de preferência sexual como na liberdade de ser uma mulher e de ter independência. Estou num movimento forte com as minhas fãs de incentivo da cara limpa, de se aceitar sem maquiagem, sem se esconder. Algo que foi tido como um enfeite foi evoluindo ao ponto de ser uma obrigação, de não podermos sair de casa sem uma máscara. A ditadura da beleza foi inventada como um momento de glamour, mas todos os dias somos escravas desse padrão que foi criado e é tido como “o belo”. Por que a gente não se ama tanto ao se olhar no espelho quando acorda? Gosto muito de me enfeitar, e da brincadeira do tapete vermelho, mas esse não pode ser o padrão. As famosas têm que poder sair de casa normais para os nossos seguidores não acharem que estamos perfeitas o tempo todo. Achar que a gente não tem olheira, não tem espinha, isso é mentira.
Fico muito feliz de ver no Brasil a força que as mulheres estão tendo, como elas estão reagindo às denúncias de assédio, como está tudo menos liberado para os homens e eles estão sendo reeducados a um novo lugar. Algumas mulheres estão muito mais avançadas no assunto e é nelas que temos que colar. Mulheres como Carol Fanjul, Taís Araújo, Bruna Linzmeyer [foto acima], são mulheres que têm que ser ouvidas. A Bruna passa o demaquilante ao sair do set de filmagens e vai de cara limpa para a rua. É um desapego porque ela quer estar confortável e isso é muito mais importante do que ser uma celebridade impecável. A força da mulher está nela descobrir o espaço dela e não onde a colocam. Conscientizando-se disso, as mulheres vão se unir, não haverá mais espaço para o assédio, e poderemos insistir nos direitos iguais, como nos salários e nas escalações de elenco.