Todos os que me conhecem sabem que gosto de cinema, ou que “entro” na tela e vivo os personagens da fantasia, mas omito com cuidado, que vez ou outra, me identifico mais com o “bandido” que com o “bonzinho” da estória.
Deixe-me explicar melhor, é muito comum a gente dizer que uma situação não vira filme porque só tem “mocinho” e nenhum “bandido”. Apesar de clichê é assim mesmo que se constrói uma trama.
Logo vamos identificando quem são as vítimas, quais os mais fracos e rapidamente nos solidarizando com esses personagens. Acontece que tem diretores que conseguem confundir essa julgamento e quando prestamos atenção, já estamos torcendo pelo lado errado.
Um bom exemplo disso que falo é o Wood Allen, ele tem a capacidade de colocar o espectador na defesa do vilão. Quem assistiu Match Point certamente vai lembrar o que digo.
Eu já ia pelo meio desse filme, foi quando prestei atenção que estava preocupada com o personagem Chris (um jogador de tênis mais pra vigarista que pra vítima), a ponto de precisar dizer para mim mesma, “Ei, acorda… você não tá se dando conta que esse cara é um bandido? Por que ainda tá na torcida pra que ele se livre?”
A forma como fui conduzida a olhar, certamente interferiu na minha simpatia, mas isso não torna menos perverso o comportamento assassino do personagem que ele representava.
Isso no cinema é uma coisa, mas foi com perplexidade que vi ao meu redor esse comportamento, o de torcer puramente por simpatia (sem nenhuma reflexão) no caso da morte da Vereadora Marielle.
Antes que você se precipite e pense que irei fazer alguma apologia a posições políticas, me deixe dizer que não foi isso que me chamou mais a atenção.
A primeira coisa que me chocou foi a facilidade com que se estabeleceu uma linha de raciocínio que levou a vítima, uma mulher morta a tiros, ser considerada a culpada pela própria morte.
A segunda foi observar como algumas pessoas foram mais eficientes na criação de uma explicação fantasiosa a respeito da vida e atividade da vereadora que os próprios diretores de cinema, ou a forma como conduziram uma parcela significativa da população a acreditar que ela merecia mesmo morrer, ou que aquela morte era para o bem comum.
Mais que a incapacidade de buscar se certificar da verdade para estabelecer um julgamento, me chamou atenção que não conseguimos adestrar nosso “bárbaro interior”, que ainda acredita que as execuções são práticas civilizadas e aceitáveis.
Fiquei profundamente triste em ler ou ouvir que consideramos razoável um comportamento que foge ao estabelecido num estado de direito, sem parar para refletir, fazendo no mínimo o seguinte questionamento – quem é mesmo a vítima dessa tragédia?
Mortes, temos muitas, aqui mesmo em Alagoas perdemos vereadores recentemente, isso parece que já banalizamos, essa comoção não é apenas por UMA morte é pela oportunidade de pensar se nosso desejo é a consolidação do salve-se quem puder, ou se ainda há tempo para pleitear uma sociedade ordeira e mais justa?
Uma coisa, eu com toda ignorância que tenho a respeito desse assunto, consigo perceber, Wood Allen não tem bem a vida que eu considero invejável, talvez por isso, para me cooptar como aliada, ele seja tão habilidoso em me confundir o julgamento me colocando do lado errado.
E sendo assim, quem deliberadamente criou uma teia de mentiras para tornar cidadãos comuns favoráveis a um crime, certamente não são aqueles cuja as intenções sejam as mesmas que unem as pessoas pelo bem.
O mundo que eu quero pode até parecer fantasioso, ele alicerça-se no respeito às leis, na fraternidade, no amor e na justiça e sendo mãe que deseja um futuro melhor para as próximas gerações é nisso que vou continuar acreditando a despeito de ser considerada Alice, aquela que vive no País das Maravilhas.
PS – “Uma conversa entre pai e filho
Pai se matarem todos os bandidos só ficam as pessoas de bem?
Não filho, sobram também os assassinos.”