O atendente de telemarketing Angelo Matias, de 22 anos, chegou meia hora mais tarde ao trabalho na última sexta-feira (23). Cego desde os 8 anos, não conseguiu pegar o ônibus acompanhado de seu cão-guia no bairro Tapera, em Florianópolis, por volta das 12h, porque o motorista do coletivo não quis abrir a porta, disse o rapaz. Ele contou ainda que registrou boletim de ocorrência do caso.
O jovem disse que pretendia sentar no banco adaptado, destinado a cadeirantes, e acomodar a labradora Angra ao seu lado mas, apesar de o espaço estar disponível, o condutor do coletivo não abriu a porta. A assessoria do Consórcio Fênix, que administra o transporte público na capital, informou que apura o caso.
“O motorista não abriu, fiquei diante da porta reservada para cadeirante, mas ele disse que não podia permitir Angra, a cachorra que me acompanha a todos os lugares, porque aquele não era o espaço adequado para ela. Expliquei a ele que é lei, tenho direito a usar o local, mas não adiantou”, relatou.
Conforme Jhennifer Ferreira, técnica da Escola de Cães-guia Helen Keller, há um grande desconhecimento por parte das pessoas com relação aos direitos dos deficientes visuais. “A lei 11.126 de junho de 2005, e o decreto 5.904, de 2006, estabelecem que o cego deve ocupar o assento mais amplo do ônibus, o espaço preferencial que pode ser usado tanto por uma pessoa cega quanto cadeirante”, explicou.
Revoltado, Angelo disse ao motorista que não sairia da frente da porta enquanto ela não fosse aberta, mas nem assim conseguiu entrar. “O motorista disse que não podia abrir. Minha esposa filmou tudo e pediu para que ele dissesse algo para a câmera do celular, mas ele ficou em silêncio. Ela filmou o espaço vazio, que ninguém estava usando e nós não pudemos ocupar”, contou.
Cansado de esperar, diante da porta fechada, o jovem voltou para o ponto de ônibus. “Fiquei no sol do meio-dia e entrei no próximo ‘Tapera- Saco dos Limões’. Eu me senti desrespeitado, se fosse alguém em Jurerê Internacional diante da porta, teriam aberto, mas como era um cego da Tapera, não deu para abrir”, afirmou.
Conforme Angelo, essa não foi a primeira vez que passou por esse tipo de constrangimento. “Em outra ocasião, eu relatei o fato ao fiscal da empresa de ônibus, mas desta vez foi demais, registrei um boletim de ocorrência na delegacia da Trindade. Além de desrespeito, é uma questão de bom senso”, declarou. A Polícia Civil não deu informações sobre o caso.
Segundo Jhennifer, da Escola Helen Keller, há duas razões pelas quais os cegos não podem entrar pela porta da frente do ônibus quando estiverem com os cães-guias.
“Primeiro, porque ele não tem noção da dimensão do cão, então há o risco de o animal ficar preso na roleta, pode machucar o rabo, por exemplo. Ele também não pode ficar nos primeiros bancos, porque o cão ficaria exposto, sujeito a ser pisado por alguém que entrasse apressado no coletivo. Então, ele precisa usar a porta do meio do ônibus por uma questão de segurança”, detalhou.
Por lei, conforme a técnica, quem desrespeitar o ingresso do cego com o cão-guia em transportes coletivos fica sujeito a multas. “Podem variar de R$ 1 mil a R$30 mil por isso, além do constrangimento a que o cego é submetido em um caso desses”, afirmou.