Quem passa pelo povoado Massagueira, a 15 km de Maceió, já deve ter percebido a variedade gastronômica da região. Além dos estabelecimentos que vendem frutos do mar e da comida regional, também são vendidas algumas sobremesas, como suspiros, brasileiras e broas, por exemplo. E foi no meio de tal variedade que uma das iguarias chamou a atenção do estudante do curso de Design da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Jeroan Herculano: as cocadas.
Logo na entrada do povoado, concentra-se uma boa quantidade de cocadeiras, como são conhecidas as mulheres que vendem o doce de fabricação artesanal. “O maior número de compradores desses quitutes é de turistas que visitam a comunidade e acabam por não resistir ao colorido e ao sabor das guloseimas”, diz ele, que notou uma peculiaridade: as cocadas são embaladas em filme plástico, algo que se mostra deficiente por não conter a oleosidade natural do produto o que, para consumo imediato, pode causar incômodo ao consumidor.
Outro ponto observado pelo estudante foi o baixo apelo estético da embalagem atual. “O plástico não possui nenhuma identidade ou referência local, o que dificulta a compra do produto como presente de origem, sendo este último de extrema importância se considerar o fluxo de turistas na região”, explicou.
Essas foram algumas das situações que motivaram o estudante a realizar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com uma simples proposta: valorizar a cultura local e utilizar materiais que seriam descartados para ressaltar o caráter autêntico do produto em relação à sua origem. O trabalho, aprovado com nota máxima, foi orientado pela professora Mariana Hennes e recebeu o título O design de embalagem como ferramenta de valorização da cultura local: Uma solução para as cocadas da Massagueira (AL).
A professora recordou que a proposta de TCC surgiu depois da participação do estudante em um projeto que teve Massagueira como ponto de pesquisa e disse que quando procurada para orientar o trabalho, tinha grandes expectativas. “Especialmente pelo potencial do Jeroan, já conhecido durante as disciplinas e ele, realmente, não me decepcionou. As orientações foram marcadas por muitos debates enriquecedores e ele desempenhou as atividades com bastante autonomia, propondo uma metodologia participativa, na qual as cocadeiras puderam contribuir com a geração de alternativas, direcionando e avaliando os resultados de cada etapa”, comentou.
Para ela, foi gratificante fazer parte de um trabalho como esse. “Pude acompanhar de perto a evolução de Jeroan na prática do Design em um projeto real e complexo [diferente de outros trabalhos da graduação que, por questões didáticas, utilizam-se clientes fictícios] com muitas trocas de conhecimento e construção de um resultado com impactos significativos na melhoria da atividade produtiva das cocadeiras da Massagueira”, disse a professora Mariana Hennes.
Rotina e contato com o consumidor motivaram projeto
O trabalho de cada uma delas é desenvolvido individualmente. No entanto, em certas ocasiões, alguns membros da família também ajudam. “A maioria delas explica que o preparo das cocadas é realizado durante a noite em suas residências, pois ao longo do dia elas costumam participar do processo de venda dos quitutes, atendendo os clientes”, recordou.
E a clientela é a mais variada possível: moradores de Maceió ou Marechal Deodoro que vão de uma cidade para a outra, turistas que normalmente não conhecem a região e visitantes internacionais que, de acordo com as próprias cocadeiras, “já provaram e aprovaram os sabores dos preparos adocicados da Massagueira”.
Para embasar ainda mais o seu objetivo, Jeroan também teve contato com alguns desses clientes por meio de entrevistas que continham perguntas sobre as cocadas e a embalagem atual. Com isso, conseguiu descobrir algumas informações que lhe incentivaram a seguir em frente. Uma delas foi a de que, quem compra as cocadas, demonstra interesse em saber mais sobre a origem e fabricação do produto.
“Esse foi mais um indicativo de que um projeto de identidade visual para a embalagem se faz necessário, além de interagir diretamente com o produto, participando da produção e de entrevistar os usuários, ouvir a opinião das cocadeiras, enfim, isso contribuiu para elencar os pontos positivos e negativos da embalagem atual e compreender a importância do produto para a comunidade”, complementou o estudante.
Ainda segundo com ele, a clientela não vai exclusivamente à Massagueira para a compra desse produto. “Também é possível afirmar que, apesar de parte desse público já ter experimentado as cocadas, outra parte nunca o fez. Cabe à embalagem a responsabilidade de atender a esses dois grupos, se comunicando com o usuário na intenção de corresponder às expectativas e impressioná-lo visualmente, já que o produto deve ser identificado à longa distância”, diz.
A proposta da embalagem
Foram meses de trabalho, rascunhos e desenhos que levaram Jeroan a chegar ao modelo de embalagem proposto em seu TCC. Alguns artifícios como fotos na comunidade, imagens do Projeto Autorretrato Massagueira de 2015, do qual ele também fez parte com uma Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico Institucional (Bdai), além de um brainstorming e ferramentas de design o ajudaram no desenvolvimento das etapas.
Inicialmente, ele tinha 52 modelos propostos e, desse total, selecionou 38 que foram classificados em relação ao seu formato, comportando grupos que poderiam ser do tipo: luva, caixa, embrulho ou que usasse a casca do coco como recipiente para a cocada. Essa casca, de acordo com relato das cocadeiras, era descartada ou doada para padarias da região, que serviam como combustível para o forno a lenha.
Foi aí que ela surgiu como opção de embalagem primária, visto que dentre outros motivos, ressalta o caráter autêntico do produto em relação a sua origem, determinando uma nova relação entre os envolvidos. “A casca acomoda a cocada sem vazamentos se a abertura estiver lacrada, é um material natural e resistente à umidade, possui características artesanais e, principalmente, apresenta o doce de forma mais adequada para o consumo. Sem contar que é algo relacionado à produção, acessível e sem custos extras”, apontou o estudante.
A proposta, inclusive, foi bem aceita pelas cocadeiras, que contribuíram na etapa de busca de soluções para resolver alguns problemas identificados a princípio. Um dos questionamentos foi o de como apresentar o produto de modo satisfatoriamente estético; o outro foi o de como adaptar aos variados tamanhos da quenga – nome popularmente dado à casca – do coco para, então, chegar ao desenho técnico final.
O elemento, que seria descartado, agora passaria a ganhar novo valor: estético e funcional. Além disso, elementos locais da Massagueira também integram a embalagem. “Isso comprova o quanto uma comunidade pode ser rica culturalmente e preparada para manifestar seu significado individual, quando se permite ser investigada, no intuito de ressaltar sua autenticidade com símbolos do seu entorno. Trata-se de se apropriar do que já lhe pertence em vez de buscar a solução em outros lugares”, ressaltou Jeroan.
Ele avaliou também que o uso do material reaproveitado da produção se deu de forma satisfatória. “O projeto contempla boa parte dos requisitos estabelecidos para a solução ideal, assim como a estrutura de papel que envolve o produto já montado. Já o projeto gráfico evidencia as características locais da comunidade e do preparo da cocada e tiveram a oportunidade de ser traduzidas em elementos ilustrativos, interagindo diretamente com o viés da cultura local”, salientou.
Associação das Cocadeiras produziria as embalagens
As empreendedoras também contam hoje com a Associação das Cocadeiras da Massagueira, que ainda não possui espaço físico e surgiu com o objetivo de auxiliar na conservação dos costumes e representar seus interesses em comum. Segundo Jeroan, a embalagem foi pensada para ser reproduzida por essa Associação enquanto formação unitária e as etapas de produção e montagem seriam revezadas pelas integrantes.
“Acredito que o projeto final atende, de forma eficiente, o objetivo geral do qual me propus a fazer, enquanto embalagem para produto típico artesanal, levando em consideração as circunstâncias e restrições para que o projeto se adequasse à realidade e que fosse possível a sua implementação”, comentou.
O estudante disse ainda que a nova embalagem agrega valor ao produto e, assim, adquire novo posicionamento e reforça sua importância como produto local. “Caso o projeto seja, de fato, implementado, haverá a prática de preço um pouco mais elevado da comercialização, mas isso impulsiona a valorização das cocadas com valor de produto típico artesanal e destaca sua sustentabilidade econômica e ecológica”, complementou Jeroan.
Projeto enfatiza verdadeiro sentido da atividade do designer
Feliz com o resultado final do projeto, a professora Mariana Hennes destacou que o trabalho de Jeroan demonstrou, na prática, o real sentido da atividade de um designer, cujo foco principal se dá na melhoria da qualidade de vida das pessoas. “Por ser um campo de conhecimento que ainda gera desconfiança por parte de boa parte da população, normalmente influenciada pelo entendimento equivocado de que projetos de Design são para poucos privilegiados, esse trabalho desenvolvido na Massagueira desmistifica essa visão elitizada da área e demonstra que uma das maiores contribuições é, justamente, aquelas que atendem as demandas sociais e culturais locais”, refletiu.
E o produto final foi aprovado por quem é protagonista no projeto: as cocadeiras. “Essa é a maior validação que eu poderia receber. A minha intenção é que elas se vissem representadas e isso foi possível devido à participação da Associação durante todo o processo. Acredito que esse trabalho mostra um pouco do que o Design é capaz de fazer para solucionar problemas que não estão distantes da nossa realidade alagoana, além de exemplificar como a comunidade acadêmica pode interferir no meio social de maneira positiva”, comemorou.
Na opinião da professora Mariana, a solução apresenta grande potencial. “E, assim, contribuir com a valorização das cocadas, fomentando essa atividade que sustenta tantas famílias, além de incentivar o turismo na região, já que também contribui com a salvaguarda e valorização do ‘saber-fazer’ popular de Massagueira”, concluiu.