O Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas ajuizou ação civil pública contra o Estado de Alagoas, a fim de fazer cessar a realização de interceptações telefônicas através de órgãos que não pertencem à estrutura de Polícia Judiciária e Ministério Público, especialmente em relação à Assessoria Integrada de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública e policiais militares, considerando que essa tem sido a prática e não uma exceção.
Além do pedido principal, que é cessar as interceptações telefônicas através da SSP, órgão alheio à estrutura de Polícia Judiciária e Ministério, o MPF requer, ainda, que o Estado de Alagoas promova a realocação do equipamento e da estrutura tecnológica de monitoramento de interceptações telefônicas para a Polícia Judiciária, a seus servidores e Delegados de Polícia Civil, exclusivamente.
Apuração – A ação, de autoria da procuradora da República Niedja Kaspary, fundamentou-se nos elementos colhidos durante a instrução do Inquérito Civil n.º 1.11.000.000543/2017-44, instaurado a partir de representação que noticiou graves violações de direitos humanos (fundamentais), em razão da operacionalização de interceptações telefônicas por meio da Secretaria de Segurança Pública de Alagoas – SSP/AL e da Polícia Militar de Alagoas, órgãos alheios à estrutura da Polícia Judiciária e Ministério Público.
Tal conduta consiste na usurpação das atribuições investigativas da Polícia Judiciária e do Ministério Público, ao monitorar telefones e efetuar escutas no âmbito da SSP/AL, o que pode acarretar ainda a responsabilização da República Federativa do Brasil em âmbito internacional.
Segundo a representação, as interceptações são realizadas pela SSP/AL por meio da aquisição de sistema de monitoramento, denominado “Guardião Web”. Sendo que o referido sistema foi adquirido com recursos federais em razão do Convênio SENASP/MJ 787318/2013, firmado pelo Estado de Alagoas – por meio da SSP/AL – e a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça – SENASP, órgão do Ministério da Justiça.
Tratados Internacionais – Na ação, a procuradora da República Niedja Kaspary busca coibir tal prática, visto que a situação viola direitos humanos consagrados em diplomas internacionais e no direito interno (Constituição Federal e legislação ordinária), a República Federativa do Brasil pode ser responsabilizada, em âmbito internacional, em face dos compromissos assumidos em tratados internacionais, sendo um dos objetos da ação evitar que a União seja responsabilizada pela ilegalidade e cumpra tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, que garantem o direito à investigação policial pelas autoridades competentes.
Na ACP, o MPF sustenta que “a garantia inserida no art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (toda pessoa tem direito a ser ouvida (…) por um juiz ou tribunal competente…) pressupõe que seja realizada prévia investigação por autoridade igualmente competente para tanto, razão pela qual a Constituição Federal outorgou especificamente à Polícia Civil as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais no âmbito estadual (art. 144, § 4.º), sendo essa previsão repetida no art. 244, § 2.º, da Constituição do Estado de Alagoas”.
De acordo com o MPF, a Lei nº 9.296/96 “limitou à autoridade policial, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário a participação na constituição do acervo probatório proveniente de uma interceptação telefônica”. Contrariamente ao disposto na legislação federal, no Estado de Alagoas, após o deferimento judicial, toda a fase de escuta de diálogos telefônicos, gravação das conversas em mídia e transcrições dos áudios é realizada pela Assessoria Integrada de Inteligência da SSP/AL.
Na ação, o MPF compara a ilegalidade com o caso “Escher e outros vs. Brasil”, ocorrido em 2000, quando o Brasil foi denunciado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos por violações semelhantes. Na ocasião, o país foi condenado a pagar, no total, cem mil dólares em multa a cinco vítimas, por interceptações telefônicas que violaram as regras estabelecidas na Lei nº 9.296/96, e outras normas internacionais.
O MPF já havia recomendado, em 2017, à Secretaria de Segurança Pública do Estado, a paralisação da operacionalização de interceptação de ligações telefônicas pela SSP/AL.
Processo n° 0807181-35.2019.4.05.8000, tramita na 4a. Vara da Justiça Federal em Alagoas — ajuizada em 09/09/2019.