O escritor Rubem Fonseca, que renovou a literatura brasileira no século 20 com uma linguagem coloquial e direta, morreu nesta quarta-feira (15), aos 94 anos, no Rio. Contista, romancista e roteirista, ele influenciou gerações de escritores e leitores.
Segundo familiares, Rubem Fonseca sofreu um infarto e foi levado ao Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul, mas não resistiu. Até a última atualização desta reportagem, não havia informações sobre velório ou enterro.
Dentre seus principais livros, estão os clássicos e obras-primas da nossa literatura policial, como os volumes de contos “Lucia McCartney” (1967), “Feliz ano novo” (1975) e “O cobrador” (1979), além dos romances “O caso Morel” (1973), “A grande arte” (1983) , “Bufo & Spallanzani” (1985) e “Agosto” (1990). Alguns foram adaptados para cinema ou para a TV.
Marcada por um estilo urbano, violento, seco, erótico, repleto de palavrões e sem artifícios, a obra do escritor era classificada como “brutalista” pelo crítico Alfredo Bosi.
Dentre os principais prêmios do autor, estão o Camões (principal da literatura em língua portuguesa), em 2003, e o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2015, ambos pelo conjunto da obra.
Na época em que anunciou o Machado de Assis, a ABL disse que o autor “consagrou-se por sua narrativa nervosa e ágil, ao mesmo tempo clássica e moderna, entre o realismo e o policial, revelando a violência urbana brasileira, sem perder o olhar sensível para a tragédia humana a ela subjacente, a solidão das grandes cidades ou para os matizes do erotismo”.
“Seu estilo contido, irônico e cortante, ao mesmo tempo denota um leitor dos clássicos e um ouvido atento ao falar das ruas em seu tempo. Exerceu profunda influência em nossa cena literária, inaugurando a tendência que Alfredo Bosi chama de ‘brutalista'”, continuou o comunicado.
Na juventude, Rubem Fonseca trabalhou como comissário de polícia, função que influenciou sua escrita, que em muitos momentos retratou o cotidiano e personagens do submundo.
Em “Grande arte”, seu segundo romance, ele coloca como protagonista o advogado e detetive Mandrake, que retornaria em outros textos do escritor. O personagem inspirou a série “Mandrake” (2005-2007), estrelada por Marcos Palmeira.
Outra adaptação foi a minissérie “Agosto” (1993), exibida pela Globo. A ficção histórica passa-se no Rio de 1954, que à época era a capital da República e enfrentava a crise da era Vargas – a morte de Getúlio é retratada na trama.
Recluso e avesso a eventos públicos, o celebrado Rubem Fonseca era conhecido por ser, na intimidade, uma pessoa divertida e respeitosa, como lembrou a escritora Nélida Piñon em entrevista à GloboNews ao comentar a morte do amigo.
“A perda de Rubem deixa um vazio imenso no Brasil”, afirmou Nélida Piñon. “Trazia no bojo de seu texto uma grande cultura (…), às vezes até através de uma banalidade carioca.”
Biografia
Nascido em Juiz de Fora (MG) em 11 de maio de 1925, José Rubem Fonseca mudou-se para o Rio aos 8 anos de idade.
Em 1948, formou-se em Direito Forma-se na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Em 1952, passou a trabalhar como comissário no no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão, no Rio. Ficou na polícia até 1954.
Na década seguinte, prestou serviços para o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), vinculado ao golpe militar de 1964. Mais tarde, ele negou que tivesse apoiado o regime.
Rubem Fonseca recebe o Prêmio Machado de Assis da ABL
Em 2015, ao receber o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra, Rubem Fonseca citou seu livro de estreia, escrito aos 17 anos.
Ele também falou sobre como a obra chocou o primeiro editor a quem ela foi oferecida. O “problema” teria sido, justamente, a presença de palavrões no texto (assista, no vídeo acima, a um trecho do discurso).
Questionado sobre o fato de Machado de Assis e Eça de Queiroz, algumas de suas inspirações, não usarem palavrões em seus textos, Fonseca afirmou que as palavras não devem ser discriminadas.
“Eu escrevi 30 livros. Todos cheios de palavras obscenas. Nós, escritores, não podemos discriminar as palavras. Não tem sentido um escritor dizer: ‘Eu não posso usar isso’. A não ser que você escreva um livro infantil. Toda palavra tem que ser usada”, disse.
Veja, abaixo, os principais livros de Rubem Fonseca
Contos e crônicas
- “Os prisioneiros” (1963)
- “A coleira do cão” (1965)
- “Lúcia McCartney” (1967)
- “Feliz Ano Novo” (1975)
- “O cobrador” (1979)
- “O buraco na parede” (1995)
- “A Confraria dos espadas (1998)
- “Secreções, excreções e desatinos” (2001)
- “Pequenas criaturas” (2002)
- “Mandrake, a Bíblia e a Bengala” (2005)
- “Ela e outras mulheres” (2006)
- “O romance morreu” (2007)
- “Axilas e outras histórias indecorosas” (2011)
- “Histórias de amor” (2012)
- “Amálgama” (2013)
- “Histórias curtas (2015)
- “Calibre 22” (2017)
- “Carne crua” (2018)
Romances
- “O caso Morel” (1973)
- “A grande arte” (1983)
- “Bufo & Spallanzani” (1985)
- “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos” (1988)
- “Agosto” (1990)
- “O selvagem da ópera” (1994)
- “Diário de um fescenino” (2003)
- “José” (2011)
Novelas
- “E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto” (1997)
- “O coente Molière” (2000)
- “O seminarista” (2009)
Antologias
- “O homem de fevereiro ou março” (1973)
- “Romance negro e outras histórias” (1992)
- “Contos reunidos” (1994)
- “64 Contos de Rubem Fonseca” (2004)
- “O melhor de Rubem Fonseca (2015)
Veja, abaixo, as principais adaptações da obra de Rubem Fonseca:
TV
- “Agosto” (1993) – minissérie
- “Mandrake” (2005-2007) – série
Cinema
- “Lúcia McCartney, uma garota de programa” (1971)
- “A grande arte” (1991)
- “Buffo & Spallanzani” (2001)
- “O cobrador” (2006)
Veja, abaixo, os principais prêmios recebidos por Rubem Fonseca:
Jabuti – 6 vezes
O Jabuti é atribuído pela Câmara Brasileira do Livro e é tido como um dos mais tradicionais da literatura brasileira.
- Em 1970, por “Lucia McCartney”
- Em 1984, por “A grande arte”
- Em 1996, por “O buraco na parede”
- Em 2002, por “Secreções, excreções e desatinos”
- Em 2003, por “Pequenas criaturas”
- Em 2014, por “Amálgama”
Prêmio Camões 2003
Instituído em 1988, o Prêmio Camões de Literatura tem o objetivo de reconhecer um autor de língua portuguesa que tenha “contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural” do idioma através de seu conjunto da obra, segundo a organização.
Entregue pelos governos de Brasil e Portugal, é o principal da literatura em língua portuguesa. Os vencedores a cada edição são escolhidos dentre autores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP.) O júri tem representantes do Brasil, de Portugal e de países africanos de língua oficial portuguesa.
Prêmio Machado de Assis 2015
O Prêmio Machado de Assis foi criado pela Academia Brasileira de Letras em 1941. Já teve como ganhadores Mario Quintana, Carlos Heitor Cony, Ferreira Gullar e Guimarães Rosa.