Procure-se um messias

Dedicado para quem gosta de cinema

Eu nasci depois da Gripe Espanhola, das grandes guerras, no 11 de setembro, (aquele do ano das Torres Gêmeas), eu estava trabalhando num pequeno município do interior e só soube pela televisão do que aconteceu, o mais perto que cheguei do medo foi a coincidência de estar de férias, fora do país, quando os EUA invadiram o Iraque de Saddam Hussein, porque os aeroportos ficaram lugares hostis.

No mais, cresci destemida num paraíso, sem terremoto, furacão, terrorismo e nenhum tipo de guerra, só aprendi mesmo a respeitar a violência urbana e constatei esses dias que não sei como me comportar num ambiente onde preciso substituir o medo de ser assaltada, pelo medo de respirar.

O pouco que sei de como agir numa pandemia de vírus (é o mesmo que serve para uma invasão alienígena), aprendi no cinema.

Nos filmes a gente segura na mão de um filho, entra num abrigo improvisado, encontra comida estrategicamente disponível e aguarda vigilante até aparecer um salvador, que irá resolver tudo.

Foi pensando em quem poderá esse salvador, que me dei conta que as coisas não estão funcionando como imaginei. O filho está longe e já é maior que eu e não teria como arrastá-lo, o abrigo acabou sendo a minha própria casa e se quiser comer tenho que sair para comprar, e o pior… parece que o herói não deve chegar pessoalmente para me resgatar.

No aqui, dentro de casa e sem conseguir imaginar o fim dessa história, depósito minha esperança na ciência, sem nenhuma garantia que haverá uma solução no último minuto do fim do filme e sem ter conhecido ainda o rosto desse herói.

Não sei sequer de qual ciência estamos falando? Se do batalhão de gente que tem dedicado tempo, conhecimento e perseverança para encontrar uma luz no fim do túnel, ou a ciência do achismo das mensagens de Wataasp, proveniente de pessoas com dificuldade de assinar o nome, mas que agora detém a fórmula da cura?

Quem vai apresentar a solução do combate ao inimigo invisível, uma arminha, ou a informação processada no computador, um microscópio ou o conhecimento construído com trabalho árduo? Mas independente de onde vier, nenhuma dessas alternativas vai abrir a porta do meu apartamento e me sussurrar – Acabou…

No cinema, os inimigos, todos aqueles que fazem mal, são de alguma forma punidos ou mortos até o fim da sessão e restam os bons, mas nesse momento da história só sabemos da morte de um caso aqui ou de milhares acolá, ainda na fase que tombam bandidos e mocinhos igualmente.

Estamos em guerra e eu não tenho a menor experiência nesse assunto. Uma guerra bem diferente daquelas que vi no cinema, com um cenário planetário e não sei de quem tenho mais medo, do vírus, da ignorância ou dos governantes.

O cinema tem outro gênero, os filmes históricos, e nesses também tem um herói. Lá existem líderes dos mais diferentes tipos, mas com uma coisa em comum, todos com capacidade de conduzir para vitória.

Nunca imaginei que no mundo real a única cena que fosse parecer razoável nesse cenário surreal, fosse o pronunciamento de uma rainha de mais de 90 anos, que aprendeu com outras guerras e outros medos, a ter lucidez.

Essa sensação de falta de controle que eu estou vivendo, suponho que seja experimentada por muitas outras pessoas, o medo de não saber quando vou poder retomar o caminho, aposto que seja comum, mas confesso que pelo menos eu, me sentiria menos assustada se tivesse um rosto a quem seguir.

A Rainha a que me referi, do outro lado do mundo, não fala o meu idioma e não falou para mim, nas bandas de cá parece que vamos perder a oportunidade de recomeçar com mais verdades, mais conhecimento, mais solidariedade e menos obscurantismo.

Que falta que faz um messias de verdade…

Para ser franca, não lembro de ter visto nesses filmes como reconstruir as cidades devastadas, mas lembro de respirar aliviada, junto com os personagens e sentir o gosto da liberdade quando saem do esconderijo.

Qual a mensagem disso tudo? Sugiro a do filme “O Poço”.

PS – Tenho uma longa relação de saudades e desejos não possíveis nesse momento, mas quando passar a fase mais difícil, eu quero ir ao cinema, é lá que consigo silenciar minha cabeça barulhenta

Abril 2020

 

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