Seis meses depois do 1º alerta sobre o novo coronavírus: o que já sabemos e o que ainda é incerto?

“Ainda temos muitos que aprender” – Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz.

Quase seis meses depois do alerta para a circulação do vírus, emitido em 31 de dezembro pela OMS, parte daquilo que era suposto sobre a Covid-19 mudou, enquanto a prática e as pesquisas consolidaram o que já se sabe e apontam para aspectos ainda incertos.

Abaixo, o G1 compila o que a medicina aponta sobre:

  • Transmissão: a importância dos contatos pessoais, mais que superfícies
  • Prevenção: máscaras viram objeto obrigatório previsto em lei
  • Sintomas: nem sempre febre ou tosse definem, há muito mais a analisar
  • Imunidade: anticorpos são produzidos, mas serão duradouros?
  • Tratamentos: ainda não há remédio, mas a ciência reage
  • Grupos de risco: idosos e doentes mais vulneráveis, mas não somente eles

Transmissão

Transmissão da Covid-19 é majoritariamente feita a partir das gotículas de saliva — Foto: Wagner Magalhães/G1Transmissão da Covid-19 é majoritariamente feita a partir das gotículas de saliva — Foto: Wagner Magalhães/G1

O que se pensava:

No início, a transmissão de pessoa a pessoa foi apontada como a principal forma: era divulgado que gotículas contaminadas expelidas pela tosse ou espirro precisavam viajar até ter contato com uma mucosa (olho, boca ou nariz) de outra pessoa. Pouco era conhecido sobre transmissão por “aerossol”, gotículas microscópicas suspensas no ar.

Em contrapartida, era grande o destaque sobre o impacto do contato com superfícies contaminadas na transmissão, mas já havia dúvida em relação à quanto tempo o vírus sobreviveria sobre os materiais e qual a “carga viral” necessária para infectar uma pessoa.

O que sabemos:

A transmissão pessoa por pessoa é o ponto chave. A constatação levou a práticas de isolamento social e à adoção de máscaras. O risco ainda persiste se houver superfícies contaminadas, mas o tempo de permanência é variável e o sol pode ajudar a reduzir a quantidade de vírus nos materiais.

Infográfico mostra as formas de transmissão da Covid-19 — Foto: G1Infográfico mostra as formas de transmissão da Covid-19 — Foto: G1

Pesquisas comprovaram a importância da transmissão por “aerossol”, gotículas microscópicas suspensas no ar, sobretudo em ambientes fechados como escritórios, bares e templos, locais onde as pessoas falam com proximidade e por longos períodos.

“Hoje, o que sabemos, o que a realidade nos ensinou, é que a transmissão é majoritariamente e fundamentalmente pela via respiratória por gotículas. A transmissão por contato de superfícies é secundária”, diz o diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia e coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Aeroporto, Antônio Carlos Bandeira.

O que falta saber:

Ainda é avaliada qual a capacidade de transmissão do vírus em ambientes externos e qual é a quantidade de concentração do material genético do vírus capaz de infectar humanos. Bandeira apresentou um dilema ainda enfrentado por pesquisadores: quanto tempo um indivíduo infectado efetivamente transmite.

“Você encontra a presença (do vírus) em pessoas até 30 dias depois”, explicou o infectologista. “Está se formando um consenso de que a transmissão se faz até o décimo, décimo-quarto dia mesmo que tenha o teste de RT-PCR depois disso.”

Prevenção

Higiene, distanciamento social e o uso de máscaras são as melhores formas de se prevenir contra o coronavírus — Foto: Wagner Magalhães/G1

O que se pensava:

As primeiras dicas de prevenção envolviam principalmente evitar tocar superfícies e contar que pessoas no entorno cobrisse a boca ao tossir e espirras. O lockdown imposto em cidades da China viraram estratégia. Em um primeiro momento, os países ocidentais não tomaram como regra a adoção de máscaras, sobretudo a partir do argumento defendido pela OMS de que esse artigo deveria ser preservado para uso de profissionais de saúde e pessoas com sintomas.

“O modelo que eu sigo, é o modelo da Coreia do Sul. Falo em usar máscaras desde o início. Como trabalho há muitos anos com doenças transmissíveis, já falava nisso. De fato se demorou muito para abordar recomendações que são muito corretas.” – Margareth Dalcomo

O que sabemos:

Desde o fim de março o Ministério da Saúde sinalizou que as máscaras deveriam ser usadas por toda população, e não somente por quem tem sintomas. A produção caseira foi incentivada, para que não houvesse disputa pelos artigos que devem ser usados pelos médicos.

“Se produziu um movimento generalizado de máscaras e a gente vê hoje saindo trabalhos mostrando que o uso de máscara pela população, mesmo de pano, mas idealmente com 2, 3 camadas se for feito de forma universal pode ter impacto muito grande junto com distanciamento e a higienização das mãos na redução significativa das transmissões” – Antônio Carlos Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia e coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Aeroporto

Infográfico mostra quais são os erros e acertos ao usar a máscara — Foto: G1

O que falta saber:

O uso correto da máscara ainda não é colocado em prática pela população. Cobrir completamente a boca e o nariz é essencial para a proteção. A máscara funciona como uma barreira: quem já estiver contaminado não vai espalhar gotículas com o vírus ao falar, tossir ou espirrar, por exemplo. Daí vem a importância de jamais deixar os lábios e as narinas expostos.

Sintomas

Febre, tosse e falta de ar não são os únicos sintomas da Covid-19, doença sistêmica — Foto: Wagner Magalhães/G1

O que se pensava:

Desde o primeiro caso notificado na atual pandemia de Covid-19, os principais sintomas atribuídos à doença são tosse seca persistente, febre e cansaço. Mas essa lista aumentou durante os meses e outras formas de expressão da doença foram registradas em pacientes de todo o mundo.

O que sabemos:

Sabemos hoje que a e febre e tosse não são onipresentes em todos os pacientes diagnosticados com a infecção pelo Sars-Cov-2 e que, além de outros sintomas terem surgido, em muitos casos esses sintomas gripais não surgem nos quadros que acabaram se agravando.

Considerar a febre como sintoma universal para a Covid-19 foi uma decisão “completamente equivocada” das autoridades sanitárias, avalia infectologista Antônio Carlos Bandeira. “Grande parte é assintomática ou com sintomas variados que não incluem a febre. Um grande percentual, talvez a imensa maioria, não tenha febre”, disse Bandeira.

A pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, lembra que muitos paciente morreram, sem que se tivesse claro o porquê, por fenômenos vasculares como trombose e embolia.

“Esta é uma doença de comportamento sindrômico, uma delas é a pneumonia, mas a doença já se mostrava profundamente trombogênica, ela não ficava localizada no pulmão apenas”, disse Dalcolmo.

Alexandre Naime, infectologista, explicou que a lista de sintomas se estendeu com o tempo e que pacientes podem expressar um resfriado leve, perda de olfato e do paladar, e dor de garganta. Ele também apontou para o aparecimento de “condições anômalas”, como infarto, AVC, alteração de comportamento, fenômenos tromboembólicos, com necrose da ponta dos dedos.

“Não é uma doença exclusivamente respiratória ou pulmonar, é sistêmica”, disse Naime. “O mais comum é a síndrome gripal, ou a síndrome respiratória aguda grave, que é quando acontece a pneumonia para a Covid.”

O que falta saber:

O infectologista Alexandre Naime define a Covid-19 diz que ainda é preciso saber por que a Covid-19 é uma “doença camaleônica”. os infectados podem ter diferentes sinais e sintomas, inclusive um dos mistérios da pandemia é o caso de pacientes que não apresentam sintomas ou só os apresentam quando o quadro já se agrava rapidamente.

Imunidade

Não há garantias que um paciente recuperado desenvolva uma imunidade duradoura para a Covid-19, doença que ainda não tem vacina — Foto: Wagner Magalhães/G1Não há garantias que um paciente recuperado desenvolva uma imunidade duradoura para a Covid-19, doença que ainda não tem vacina — Foto: Wagner Magalhães/G1

O que se pensava:

Pesquisadores e autoridades de saúde supunham que recuperados da Covid-19 estariam livres de uma segunda infecção. Houve inclusive a sugestão de se criar um “passaporte de imunidade” em alguns países. “Tudo que se falava de imunidade de rebanho e de passaporte de imunidade eram situações de outras doenças como sarampo, influenza”, explicou o infectologista Alexandre Naime

O que sabemos:

É sabido que a infecção faz o corpo criar anticorpos, que são usados desde em testes sorológicos e até mesmo em terapias alternativas.

O infectologista Antônio Carlos Bandeira avalia que nem todos os pacientes reagem da mesma forma. “Tem vários tipos, pacientes que não fazem conversão”, disse Bandeira. “Nesse momento ainda é difícil de entender o porquê será que algumas pessoas produzem essa imunoglobulina especifica para a Covid e outras não.”

O que falta saber:

A pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, disse que uma das dúvidas entre os cientistas que estudam o vírus é sobre a duração de uma imunização. Ela disse que ainda não se sabe por quanto tempo a produção de anticorpos protege pacientes que já foram infectados.

Já Alexandre Naime comentou que há estudos “bem preliminares” que sugerem a chamada imunização cruzada. Ele explicou que esse tipo de proteção pode acontecer em pessoas infectadas por outros tipos de coronavírus, e já estariam protegidas do Sars-Cov-2.

“Tem alguns lugares que com 5% a 10% da população exposta, não está circulando. Talvez a gente tenha algum grau de imunidade cruzada com vírus da mesma família”, disse Naime.

Tratamentos

O que se pensava:

Ainda não há um remédio que cure a Covid-19, mas sim recomendações e tentativas de combater a infecção em pacientes hospitalizados. O uso de fármacos de maneira compassiva ou experimental foi apontado por alguns como soluções milagrosas para a doença.

O que sabemos:

Antonio Bandeira disse que “continuamos trabalhando no escuro” quando o assunto é tratamento para a Covid-19. “O caminho, nesse momento, do tratamento depende da excelência dos centros médicos”, reforçou o especialista.

Segundo ele, é o apoio ventilatório das unidades de tratamento intensivo (UTI) e o cuidado de intensivistas com os pacientes críticos que fazem a diferença neste momento. “Nesse momento não existe droga nenhuma, milagre nenhum que modifique um cuidado mais abrangente”, disse bandeira.

A pesquisadora da Fiocruz reforçou que não há nada “suficientemente capaz de curar a Covid-19” até o momento. Dalcolmo disse que durante estes seis meses de epidemia, surgiram fármacos com resultados positivos in vitro que começaram a ser experimentados em tratamentos.

Muitos deles já são avaliados por pesquisas maiores e foram abandonados, é o caso da hidroxicloroquina, que não é recomendada para o tratamento por diversos especialistas (OMS inclusive suspendeu testes). Atualmente há expectativa pelo avanço das pesquisas com corticoides (dexametasona) e antivirais (remdesivir), que tiveram algum efeito na redução da mortalidade e na diminuição das internações em pesquisas iniciais.

O que falta saber:

Não se sabe se ou quando teremos um remédio efetivo. Alexandre Naime defendeu que as respostas definitivas aos tratamentos só podem acontecer depois de ensaios clínicos randomizados. Pesquisas mais avançadas com o uso de placebos e medicamentos ativos.

“O que aconteceu foi que muitos estudos com metodologia péssima, e muitas vezes nem estudos, experiências de boca própria foram tomados como verdade”, disse o especialista. “Enquanto não acabarem os estudos, não vamos dizer o que funciona e o que não funciona. Nós temos que aguardar a resposta final dos estudos, ciência não se faz do dia para a noite.”

Grupo de risco

Pacientes idosos foram o primeiro grupo de risco apontado no início do surto, mas com a evolução da pandemia, obesos se tornaram também pacientes de alto risco — Foto: Wagner Magalhães/G1

O que se pensava:

Em um primeiro, sobretudo depois das análises da mortalidade a China, as maiores preocupações estavam voltadas para os idosos e pessoas com doenças pré-existentes.

O que sabemos:

É fato que a idade é um dos fatores para aumento do risco de complicações da doença, e homens são mais afetados que mulheres (60%-40%). Mas os pesquisadores foram surpreendidos com o impacto entre pacientes obesos após a epidemia se instaurar na Europa e nos EUA.

“Não sabíamos dos obesos, com o IMC maior que 30, que iam para a UTI”, disse Naime. “Grandes estudos americanos mostram que há também a falta de percepção da obesidade, hipertensão, diabetes entre os internados, muitos não sabiam ter comorbidades.”

O que falta saber:

Os pesquisadores dizem que falta saber porque alguns pacientes reagem de forma mais grave que outros ao ser infectado pela Covid-19. Além disso, o surgimento de uma síndrome associada à Covid que afeta crianças despertou um alerta para cientistas.

Fonte: G1

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