A juíza Juliana Batistela, da 14ª Vara Criminal de Maceió (voltada a populações vulneráveis), afirmou, nesta segunda (6), que a maioria dos casos envolvendo racismo e injúria racial não são denunciados. A magistrada reforçou a importância de as vítimas comunicarem o ocorrido às autoridades.
“Grande parte desses crimes não é sequer levada à polícia. Muitas vítimas têm vergonha e se sentem como se não fossem merecedoras de reclamar os seus direitos. Isso é negativo, porque faz com que muitas condutas preconceituosas fiquem escondidas”, destacou.
Segundo a juíza, é fundamental denunciar os casos de discriminação, levando-os à delegacia ou ao Ministério Público. Como provas, a magistrada explicou que a vítima pode apresentar testemunhas, algum vídeo do local onde aconteceu o crime ou, se a discriminação se deu em meio virtual, a cópia da conversa ou imagem. “As provas só não podem ser obtidas de forma ilícita”, pontuou.
Para Juliana Batistela, a criação em Alagoas de uma delegacia especializada para atender as populações vulneráveis (idosos, adeptos de religiões africanas, pessoas com deficiência, quilombolas, negros, homossexuais, transexuais, entre outras) vai fortalecer o combate à discriminação. O Tribunal de Justiça (TJAL), junto com entidades parceiras, formulou projeto de lei nesse sentido. O texto será encaminhado ao Legislativo e Executivo estaduais.
“Temos a delegacia especializada em crimes contra crianças e adolescentes, mas queremos abranger essa outra camada. Se o projeto for aprovado será um grande ganho”.
O advogado Alberto Jorge Ferreira, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Social da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Alagoas (OAB/AL), defende a iniciativa. “Esse sonho é antigo. É importante ter esse aparato para combater os crimes contra a dignidade da pessoa humana”.
Alberto Jorge também reforçou a necessidade da denúncia por parte das vítimas. “Como vai julgar se os casos não chegam à Justiça? O primeiro passo é a denúncia”.
A servidora pública Milena Teixeira foi vítima de injúria racial, em 2017, quando trabalhava em uma clínica médica na capital. Ela denunciou o caso à polícia, e agora os envolvidos deverão indenizá-la.
“Denunciar é difícil. As pessoas olham pra você e dizem: ‘Deixa disso, esquece. Vamos resolver de outra maneira’. Só que não tem isso. É preciso dar um basta. E se um processo é o único meio que eles [os agressores] entendem, então vai ser assim”.
Milena foi primeiro discriminada por uma cliente da clínica. “Ela chegou, me viu e disse: ‘Não fale comigo, sua negra. Quero ser atendida por outra pessoa’. Fiquei muito nervosa, mas na mesma hora decidi denunciar”, contou.
Posteriormente, a funcionária passou a sofrer discriminação de algumas pessoas do trabalho. “Me chamaram para uma reunião e falaram que o meu cabelo não era adequado para aquele ambiente, criticaram as minhas roupas, o meu estilo afro. Aquilo mexeu muito com o meu psicológico, mas também levei o caso à polícia”.
A luta, segundo Milena, é diária. “Esses crimes chocam demais e têm que ser denunciados. Temos o direito de fazer as nossas escolhas, de ter acesso a todo tipo de trabalho, sem que a nossa cor e o nosso cabelo sejam obstáculos para isso”.
Racismo x Injúria Racial
Em live no Instagram do TJAL, nesta segunda (6), a juíza Juliana Batistela explicou a diferença entre injúria racial e racismo.
A injúria, prevista no artigo 140 do Código Penal, ocorre quando alguém ofende a dignidade, o decoro, o sentimento íntimo, a honra da pessoa, e o faz por conta da cor, da raça ou da nacionalidade, por exemplo. “É um crime cometido em face de determinada pessoa. Não é um crime em face da coletividade. E para configurar injúria é preciso ter a intenção de ofender a honra de determinada pessoa”.
Já o racismo, destacou a juíza, atinge uma coletividade. “Por exemplo, se o síndico do prédio proibir pessoas negras de usarem o elevador social, ele está sendo racista. Não é que ele quis ofender uma pessoa específica, mas o ato acabou recaindo sobre pessoas daquela raça”.
Impedir acesso de alguém a determinado estabelecimento, impedir a promoção por conta da cor, oferecer salários diferentes só porque uma pessoa é negra e a outra não, são exemplos de práticas racistas. O racismo está previsto na lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989.