Pais e educadores temem volta à aula presencial, mas revelam preocupação com indefinição da pandemia

“Fico preocupada: será o momento de voltar?”, diz Marjori Ritter Von Jelita, mãe de uma menina de 4 e outra de 14 anos em Curitiba. “Tenho receio de expor minhas filhas. E depois tem os avós, tem a sociedade como um todo. Eu não fico à vontade de mandá-las.” No momento em que se discute o retorno às aulas presenciais, surgem diversos dilemas acerca da segurança de todos e também sobre como o aprendizado das crianças tem sido impactado pela situação presente.

Luciany Fernandes, de Manaus, foi obrigada a antecipar a decisão. A capital do Amazonas foi a primeira a reabrir as escolas particulares em todo o país, em 6 de julho. Luciany precisou mandar o filho de 3 anos para a escolinha porque também voltou a trabalhar presencialmente, como gerente administrativa.

“Resolvi que ele ia realmente voltar porque a gente não sabe quando tudo isso vai passar, se vai ter vacina este ano ou no próximo, e ele não podia ficar ficar trancado tanto tempo dentro de casa, já tinha dado mais de 100 dias”, conta ela.

“Em situações de crise como essa, é natural que a incerteza gere muita ansiedade. Mas quem vai definir a hora de reabrir são as autoridades sanitárias. Neste momento, é preciso pensar na segurança das crianças, ponderando os cuidados que estão sendo preparados”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.

A decisão de gestores não é simples. Estados e municípios preparam seus cronogramas e protocolos sanitários que estão sendo alterados dia a dia conforme a dinâmica da pandemia em cada região do país. Há muitas críticas sobre a gestão no âmbito federal da pandemia do novo coronavírus.

No vai e vem do noticiário, famílias e estudantes vivenciam ansiedade. Pesquisa do Datafolha de 21 de julho, a pedido da Fundação Lemman, aponta que:

64% dos pais ou responsáveis afirmam que os filhos estão ansiosos
45% que estão mais irritados e 37% que estão tristes nesse período
Quase 90% diz ter medo de ser contaminado pelo coronavírus na volta às aulas

Os professores também temem a contaminação, segundo uma pesquisa da UFMG e Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE):

69% declaram ter medo e insegurança por não saber como será o retorno à normalidade
50% afirmam ter medo em relação ao futuro

“O retorno presencial das escolas é a questão mais polêmica e grave que estamos enfrentando na pandemia”, avalia Alexandre Coimbra Amaral, psicólogo e terapeuta familiar. “Ele não pode ocultar o grande esforço da pandemia, que é preservar vidas.”

“Particularmente sou contra a reabertura de escolas porque ela tem finalidade eminentemente de oferecer para o mercado um lugar para deixar as crianças, enquanto os pais são obrigados a voltar para escritórios”, analisa Amaral.

Ensino remoto: fadiga
Já Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemman, chama a atenção para a fadiga dos estudantes com as aulas remotas. A falta de motivação dos estudantes passou de 46% para 53% no levantamento do Datafolha. “Vemos o começo de uma fadiga com o ensino remoto. Temos que pesar os prós e contras e olhar para as experiências internacionais”, analisa.

“Não é uma decisão fácil [mandar os filhos para a escola]. Eu mesmo tenho filhos de 7 e 11 anos e vou ter que tomar essa decisão em algum momento”, pondera Mizne.

O problema é que a descoberta do mecanismo da Sars-Cov-2 está ocorrendo apenas passo a passo. Nos primeiros meses de pandemia, acreditava-se que as crianças não eram infectadas. Com o avanço da doença, percebeu-se que elas são infectadas, podem ser transmissoras, mas desenvolvem menos sintomas. Além disso, a capacidade de transmissão varia conforme a idade: é menor entre crianças até dez anos, mas entre as de dez e 19 anos, a transmissão é semelhante a dos adultos.

Uma projeção feita pelo matemático Eduardo Massad, professor titular da Escola de Matemática Aplicada Fundação Getúlio Vargas (FGV), chegou a estimar que o país pode saltar de 300 mortes de criança abaixo de 5 anos para 17 mil até o fim do ano. Mas depois afirmou ao jornal “O Estado de S.Paulo” que esse último número se referia ao período até o fim da epidemia.

De qualquer forma, estados que já tinham programado a reabertura em agosto mudaram o planejamento. O Tocantins, que seria o primeiro a reabrir em 3 de agosto, alterou a decisão dois dias depois e adiou o retorno para setembro. Nesta quarta (29), foi a vez do Maranhão suspender o retorno previsto para 10 de agosto. O estado não tem uma data alternativa.

“É um momento de muita ambiguidade. O fato de não ter uma autoridade ou consenso no sentido de guiar a reabertura das escolas fomenta uma insegurança. Cada um tem a sua certeza”, analisa Telma Vinha, doutora em educação pela Unicamp, especialista em clima escolar e conflitos.

Nas diretrizes do Ministério da Educação (MEC), há a previsão de afastamento de profissionais que são do grupo de risco, distanciamento dos estudantes, uso obrigatório de máscaras, entre outros fatores. As diretrizes são semelhantes às adotadas por outros países que vivenciaram a retomada. No entanto, não há uma data estimada para o retorno.

A discussão sobre a reabertura passa por números palpáveis correlacionados à preservação da vida. O estudo publicado nesta quarta (29) pela revista “Jama” afirma que 40 mil mortes foram evitadas e mais de 1 milhão de novas infecções foram prevenidas nos Estados Unidos por não atrasar a decisão de suspender as aulas presenciais.

Enquanto o cenário segue indefinido, o terapeuta familiar Alexandre Coimbra Amaral alerta que o foco agora deveria ser o desenvolvimento de habilidades emocionais, em vez de cobrar conteúdo dos jovens.

“O medo e a ansiedade tira o foco da criança e atrapalha a aprendizagem”, afirma.

“Cobrar conteúdo agora é negar a pandemia. O maior conteúdo que estamos tendo que aprender é lidar com ela. Estamos assolados pelo medo: medo de alguém que conheço morrer, medo de manter emprego, medo da escola fechar, medo de não saber lidar com esse futuro pós pandemia, medo de ser contaminado por sacolinha do supermercado. O medo está presente o tempo inteiro. É uma experiência humana tão diferente que é uma temeridade cobrar conteúdo agora”, analisa Amaral.

Luciany Fernandes, de Manaus, disse que no retorno do seu filho às aulas teve que “preparar, ensinar a abraçar de longe, a usar a máscara. Expliquei como seria”, conta. “Ele [o filho] é muito atencioso, se a gente sai de casa e esquece de colocar a máscara ele fala: olha a máscara, olha a Covid”, conta ela, rindo.

Fonte: G1

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