STF forma maioria para aplicar reserva de verba para candidatos negros nas eleições municipais

Julgamento virtual termina nesta sexta. Até a noite de quinta, seis ministros já tinham indicado voto pela validade imediata da norma, como definiu liminar do ministro Lewandowski.

Seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram, até a noite desta quinta-feira (1º), a favor da aplicação imediata da reserva de recursos e de tempo de propaganda de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.

Com o placar parcial, o STF já tem maioria para definir que a divisão desses recursos deverá ser aplicada já nas eleições municipais deste ano. A campanha começou no último domingo (27), e o primeiro turno está marcado para 15 de novembro.

Cinco ministros seguiram os termos definidos no voto do relator Ricardo Lewandowski: Ricardo Lewandowski: Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

O ministro Marco Aurélio Mello votou em sentido oposto. O julgamento no plenário virtual termina nesta sexta (2).

A ação foi apresentada pelo PSOL e defende que a divisão igualitária dos recursos entre candidatos brancos e negros, aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tenha validade imediata. Lewandowski já havia atendido ao pedido em uma decisão liminar (provisória).

O plenário virtual é uma forma de deliberação de processos em que os ministros do Supremo apresentam seus votos diretamente na página do tribunal da internet, sem a necessidade de reuniões presenciais ou por videoconferência.

O que dizem os votos
Ao depositar o voto, Lewandowski reiterou o entendimento que já havia defendido na liminar.

“Renovando o entendimento adotado como fundamento para o deferimento da cautelar, no sentido de que políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, já a partir deste ano, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana, bem como à exortação, abrigada no preâmbulo do texto magno, de construirmos, todos, uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social, livre de quaisquer formas de discriminação. Voto pelo referendo da medida cautelar”, disse.

Moraes acompanhou o voto do relator, mas manifestou preocupação sobre os efeitos da decisão.

“Ressalto, como fiz à época, minha grande preocupação, porém, que uma importante decisão integrativa, agora concedida pelo Supremo Tribunal Federal visando contribuir para o exercício efetivo e pleno da cidadania pelos negros e reduzir suas desigualdades de representação política em relação aos brancos, possa gerar efeitos extremamente negativos, inclusive ampliando a histórica discriminação”.

Moraes relatou um trecho do voto do ministro Luís Roberto Barroso, quando a questão foi analisada no Tribunal Superior Eleitoral. Apontou-se, na ocasião, que a definição anterior de uma porcentagem mínima de candidaturas femininas gerou uma “reação compensatória” do sistema político, com a ampliação do financiamento de candidatos brancos e o subfinanciamento de candidatos negros.

“Se o ‘bolo’ ficou menor para os ‘candidatos homens’, a ‘fatia’ destinada aos ‘candidatos homens brancos’ foi ampliada para compensar eventuais perdas de recursos eleitorais. De outro lado, se passou a existir um ‘bolo’ obrigatório para as ‘candidatas mulheres’ (30%), a distribuição privilegiou as ‘candidatas mulheres brancas'”, afirmou o ministro.

“Não há dúvidas de que a “reação compensatória” do sistema político eleitoral às decisões judiciais de fixação de um patamar mínimo de 30% dos recursos eleitorais às candidaturas de mulheres, novamente, discriminou as candidaturas de negros”, completou.

Moraes disse ainda que, ao votar no TSE, defendeu a aplicação das regras já em 2020 com uma “regra de transição”, com um percentual mínimo obrigatório de candidaturas de homens e mulheres negros.

O ministro Marco Aurélio Mello divergiu do voto do relator. No voto, Mello afirmou que a “democracia racial” no Brasil é figurativa e que o preconceito “sempre existiu, e existe”.

“A ideia de democracia racial baseada na miscigenação natural de negros, brancos e índios, a ensejar cordialidade e propiciar, no Brasil, igualdade de oportunidades, mostrou-se figurativa. Se não tivemos o racismo separatista enfrentado por outros países, a verdade é que o preconceito sempre existiu, e existe. Atinge a todos que não se enquadram nos padrões de cor, gênero, sexualidade, religião”.

O ministro considerou a decisão do TSE “sadia, bem-vinda”, mas ressaltou que é preciso observar o que está expresso na lei.

“Percebo a decisão do Tribunal Superior Eleitoral como a encerrar ação afirmativa, considerados formas de distribuição dos recursos financeiros e tempo em rádio, televisão; reserva de vagas, nos partidos políticos, para candidatura; e custeio de campanha voltado à população negra. Tenho-a como conveniente, sadia, bem-vinda, desde que observado princípio da legalidade estrita”, afirmou.

“A sociedade almeja e exige a correção de rumos, mas esta há de ocorrer ausente açodamento. Avança-se culturalmente quando observada a supremacia da Carta da República. Eis o preço a ser pago por viver em um Estado Democrático de Direito. É módico e está ao alcance de todos”, concluiu.

Histórico
A possibilidade de divisão proporcional de recursos de campanha entre candidatos brancos e negros foi decidida no fim de agosto pelo TSE.

Na ocasião, os ministros entenderam que a medida só poderia valer nas eleições de 2022 por conta do princípio da anterioridade eleitoral, que impede mudanças que atinjam o processo eleitoral menos de um ano antes do pleito.

A decisão de Lewandowski, favorável à aplicação imediata, provocou reações nos partidos políticos. Em reunião no dia 23 com o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, presidentes de legendas afirmaram que era preciso uma orientação de como aplicar a medida o pleito deste ano.

Na última quinta-feira (24), o relator então apresentou diretrizes para a aplicação da ordem.

O ministro fixou os mesmos parâmetros sugeridos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A principal medida é que o cálculo dos recursos a candidaturas de negros deve ser feito dentro de cada gênero (masculino e feminino) e não de forma global.

Lewandowski orientou os partidos a, primeiramente, distribuir as candidaturas em dois grupos — homens e mulheres.

“Na sequência, deve-se estabelecer o percentual de candidaturas de mulheres negras em relação ao total de candidaturas femininas, bem como o percentual de candidaturas de homens negros em relação ao total de candidaturas masculinas. Do total de recursos destinados a cada gênero é que se separará a fatia mínima de recursos a ser destinada a pessoas negras desse gênero”, afirmou.

De acordo com o ministro, a fiscalização da aplicação dos percentuais mínimos será realizada no exame, pelo TSE, das prestações de contas do diretório nacional do partido.

Fonte: G1

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