SOS Natureza

Eu gosto de cinema, não me canso de admirar a capacidade criativa dos roteiros, a sensibilidade das fotografias, a riqueza dos diálogos, mas para eu gostar de um filme, ou de considerá-lo inesquecível, as vezes basta uma única cena ou uma só fala.

Essa maior permanecia em casa e com tantas opções de ofertas de filmes na TV, acabei por assistir muita coisa ou, simplesmente, reassistir algo que me marcou e isso foi uma boa novidade, quando vou ao cinema é sempre para lançamento.

Assim sendo, revi “A Escolha de Sofia”, ofertado pela Netflix, (se você não assistiu e pretende ver, alerta de spoiler).

Eu vi esse filme no cine Art Pajucara, na década de 80 e não lembrava mais dos detalhes todos da história, mas nunca esqueci uma cena, aquela que a personagem Sofia é forcada a fazer, (ou não fazer) uma “escolha” entre um dos dois filhos, sabendo que o outro será enviado à morte.

É surpreendente que, mesmo sabendo antecipadamente o que ia acontecer, eu passei às 2:30h da duração do filme, com a respiração agoniada, aguardando aquele pedacinho que tinha na memória.

O “um minuto”, quase no final, quando a mãe, interpretada pela magnífica Meryl Streep, se ver diante da maior perversidade da guerra, a perda insana dos filhos, é avassalador e inesquecível.

“A Escolha de Sofia”, passou corriqueiramente a ser sinônimo de se ver diante de opções desesperadoras, mas agora com outra idade e outro olhar, enxerguei também a repercussão daquele minuto na vida da personagem.

Esse muito tempo em contato comigo mesma e com o silêncio do isolamento, me proporcionou uma descoberta em relação a mim, o mesmo comportamento que adoto com o cinema, de esquecer a história toda e lembrar detalhadamente de uma única cena, ou fala, eu pratico na vida real.

Diante dos incêndios na floresta e da controversa autorização de pesca de sardinha em Fernando de Noronha, acabei por recordar do detalhe de dois acontecimentos que vivi.

O primeiro, uma visita à Fernando de Noronha, o outro, uma caminhada na Floresta Nacional do Tapajós.

Ambas as aventuras são ricas, mas se eu tiver que contar, sei exatamente a cena que ficou gravada na memória.

Antes de desembarcar na ilha, fomos convidados a ouvir uma palestra e a historiadora falou de variados assuntos para descrever o que iríamos conhecer, mas de tudo o que ela disse, eu recordo de uma frase, “…a ilha é a natureza o mais perto daquela que Deus criou” e foi assim que, antecipadamente, me apaixonei pelo tesouro que iria encontrar.

Com relação a floresta, a lembrança de uma caminhada de mais de 4 horas, boa parte dentro da mata intocável, ficou marcada pelo encontro com uma Sumaúma gigante, “a árvore sagrada, a rainha da floresta”, exuberante nos seus séculos de sabedoria, que para enxergar a copa, nos obriga a olhar para o céu e sentir a força da criação.

Essas lembranças pontuais sempre me serviram como combustível, afinal sou uma sonhadora que acreditou que a preservação, tanto da ilha, quanto da floresta, eram conquistas civilizatórias “imexíveis”.

Imaginei que havia consenso que entre o suposto duelo do “desenvolvimento” e da “preservação”, ganharia a compreensão, de que a longo prazo, a não devastação ganha de braçadas.

Não pensei que assistiria à opção de deixar “passar a boiada” e o “cardume”, como política de governo.

Na minha ignorância, acreditei que apenas na ficção dos roteiros do cinema ainda há espaço para tamanho equívoco.

Antes que alguém julgue um exagero comparar o holocausto a simples árvores ou sardinhas, eu explico, sou da opinião de que pouca coisa equivale a desumanidade do extermínio dos judeus, mas no filme a Sofia faz um alerta quando revelo a surpresa ao se deparar com a repetição da palavra “extermínio” como sinônimo de solução de problemas.

Extermínio…tudo gira em torno do horror do extermínio…

A repercussão das opções que fazemos merecem ser consideradas na hora da decisão, não apenas com o olhar de agora, mas enxergando adiante, a Sofia não teve escolha, mas a natureza ainda tem, vale a pena lutar por isso.

Só depois de assistir aqueles 58 segundos do filme, os que mostram a perda dos filhos, é que compreendemos todas as más escolhas que ela fará a partir daquele momento.

Que possamos alicerçar o futuro nos acertos de agora, não nos erros… a natureza e a humanidade, agradecem.

Novembro de 2020

 

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