Neste sábado, Manchester United e Manchester City fazem o tradicional dérbi da cidade, em Old Trafford, às 14h30 (de Brasília), pela Premier League.
E se hoje em dia os Citizens são considerados favoritos sobre os Red Devils, houve um tempo em que o United “passava” o carro sobre seu arquirrival: a “era Alex Ferguson”, quando os vermelhos chegaram a passar quase 14 anos sem perder na casa dos azuis (entre 1989 e 2002), por exemplo.
Coube a um brasileiro ajudar a acabar com esse histórico ruim: o meia Geovanni, revelado pelo Cruzeiro e que passou por Barcelona e Benfica antes de chegar ao City, um ano antes da equipe ser comprada por um fundo da Abu Dhabi e se tornar uma das maiores potências da Europa.
Na última temporada do City “pobretão”, Geovanni fez o gol da história vitória por 1 a 0 sobre o United, no Etihad Stadium, pela 3ª rodada da Premier League 2007/08, acabando com o incômodo tabu de mais de uma década sem triunfos sobre o maior rival.
A história tanto da chegada do brasileiro ao clube azul de Manchester como do dia do jogo, porém, são para lá de inacreditáveis.
‘SÓ VOU SE FOR PARA ME CONTRATAREM’
Em 2006, Geovanni deixou o Benfica e retornou ao Cruzeiro, time pelo qual havia sido multicampeão no início dos anos 2000.
No ano seguinte, porém, resolveu tentar uma nova passagem pelo futebol europeu, e, aos trancos e barrancos, acabou no Manchester City.
“Eu saí do Cruzeiro em 2007 e um empresário me ligou perguntando se eu poderia passar dois dias pelo Portsmouth para eles verem como eu estava, com possibilidade de me contratarem. O técnico na época era o Harry Redknapp.Só que passaram 15 dias e nada… Pedi ao clube para definir minha situação, mas ninguém definia nada”, lembrou, em entrevista à ESPN.
“Então, eu quis ir embora, porque tinha na mão uma oferta do Monaco. Só que aí surgiu o City também interessado. Eu respondi: ‘Não vou se for para ficar treinando. Só vou se for para me contratarem'”, recordou, enfático.
E foi assim que Geovanni chegou aos Citizens, junto com um pacotão internacional de reforços que ainda teve o brasileiro Elano, os búlgaros Martin Petrov e Valeri Bojinov, o croata Vedran Corluka, o equatoriano Felipe Caicedo, o espanhol Javier Garrido, o suíço Gélson Fernandes, o italiano Rolando Bianchi e o zimbabuano Benjani.
No platel, havia ainda alguns nomes conhecidos, como o goleiro Kasper Schmeichel, o atacante Georgios Samaras e o lateral-direito Micah Richards. O brasileiro, porém, guardou a melhor memória do veterano alemão Dietmar Hamann, que, apesar de estar na reta final da carreira, ainda tinha lampejos de grande jogador.
“Lembro muito do Hamann, que foi vice com a Alemanha na Copa de 2002. Ele era um craque! Jogava só com dois toques, era impressionante. Ele mandava a gente se desmarcar e já passava a bola limpa. Jogava demais”, elogiou.
O ex-cruzeirense acabaria atuando apenas uma temporada pelo time azul de Manchester, registrando 23 jogos e 3 gols.
No entanto, ele é lembrado com enorme carinho até hoje pelos torcedores pelo gol da vitória que fez no dérbi daquele 19 de agosto de 2007.
“Fiz pouco pelo City, mas, quando eu e o Elano fomos para lá, a história recente do clube mudou. Eu fiz um gol histórico e vencemos o clássico por 1 a 0. Depois disso, eles colocarma um quadro da jogada do meu gol na saída do túnel dos vestiários”, recordou.
“O City ficou muito tempo sem vencer um clássico, e isso foi duro para uma torcida tão fiel como a do City, que ama o clube. Foi a equipe que me abriu as portas para a Premier League e pela qual tenho um carinho enorme”, exaltou o brasileiro.
ESCALADO ‘POR ACASO’
Curiosamente, Geovanni seria reserva do Manchester City naquele clássico. Quis o destino, porém, que ele começasse como titular e terminasse como grande herói.
“Esse jogo era para eu ficar no banco! Só que, de manhã, um jogador passou mal. Era umas 7h da manhã, e o jogo era por volta das 10h. Nisso, eu vi o pessoal servindo frango no café da manhã e falei: ‘Elano, não vou comer isso, não. Vou tomar café e comer um pão com manteira. Se eu comer frango com macarrão, nem vou conseguir jogar, pois vou passar mal’. Então, só tomei café com pão, mesmo”, recordou.
“Nisso, o (técnico Sven-Goran) Eriksson me chamou: ‘Geovanni, você vai jogar hoje!’. Eu levei um susto. Ele me perguntou: ‘Está tranquilo?’, e eu respondi: ‘Essa é a oportunidade que eu queria. Pode ficar sossegado, porque vou dar meu máximo'”, revelou.
Ao chegar ao Etihad Stadium (que à época ainda não tinha sido batizado com naming rights), o meio-campista ficou maravilhado com a grande atmosfera pré-clássico.
“O estádio estava absolutamente lotado. Estava todo mundo cantando, mas, na cabeça de todos, é claro que passava pela cabeça o receio de perder mais um clássico. Ainda mais que o United era comando pelo Alex Ferguson e tinha Tevez, Giggs, Ferdinand, Scholes, Van der Sar… Era uma máquina!”, rememorou.
A partida estava equilibrada até os 31 do 1º tempo. Foi aí que, em uma jogada “verde-e-amarela”, os Citizens ganharam o jogo.
“Estava 0 a 0 e o Elano roubou uma bola no meio-campo. Ele me encontrou com um passe e eu bati de longe. A bola voou e entrou no cantinho!”, emocionou-se Geovanni.
“Depois, foi um sufoco até o final do jogo, mas conseguimos segurar. A torcida ficou numa gritaria e numa euforia loucas. Eu vejo que, depois daquele dia, a torcida do City começou a acreditar que poderia bater de frente com o United”, salientou.
As comemorações seguiram pelo restante do dia no lado azul de Manchester, e os brasileiros da equipe viram de perto o que é ser herói na cidade.
“De noite, saí para jantar com o Elano, e o restaurante estava lotado. Todos que eram torcedores do City levantaram e começaram a bater palmas para nós, gritando nossos nomes. Eram umas 300 pessoas. Aquilo me emocinou muito, principalmente saber que o choro e a vontade de vencer estavam tão engasgadas na gargante de todos”, observou.
“Tudo isso me marcou muito. No outro dia, os jornais só falavam disso. E, se hoje em dia a rivalidade é muito maior entre os clubes, é principalmente por causa daquele jogo”, argumentou.
SAÍDA PARA O HULL CITY
Apesar de ter sido herói no clássico contra o United, Geovanni não caiu no gosto do técnico Sven-Goran Eriksson.
Com isso, ele deixou a equipe ao final da temporada 2007/08 e foi para o Hull City, onde também seria “abraçado” pela torcida.
“Fiquei uma temporada só no City. Comecei muito bem, fiz dois gols nos primeiros jogos, mas, não sei por que, de uma hora para outra não joguei mais. Respeito muito o Eriksson por ter me levado, mas fiquei surpreso com a decisão dele me tirar do time sendo o artilheiro. Não tive tantas oportunidades depois depois disso, e aí acertei com o Hull”, contou.
O brasileiro jogaria quase dois anos pelos Tigers, fazendo 13 gols em 65 jogos e virando ídolo.
“No Hull, eu tive a oportunidade de mostrar meu futebol, tanto é que a torcida tem um carinho enorme por mim até hoje. Eles me pedem até hoje para voltar, mas, com 40 anos, fica difícil (risos). A cabeça até vai, mas o corpo não acompanha”, explicou.
“Não tem como voltar a jogar, apesar da vontade. É um clube que está no meu coração. Voltei ao estádio em 2014 e fui homenageado. Colocaram até meu nome na seleção do clube em todos os tempos!”, encerrou, feliz da vida.
Depois do Hull, o meia jogou por San Jose Earthquakes, dos Estados Unidos, e retornou ao Brasil, atuando por América-MG e Bragantino antes de encerrar a carreira, em 2013.