O Brasil teve 175 assassinatos de pessoas transexuais em 2020, segundo relatório anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), o que equivaleria a uma morte a cada 2 dias.
Todas as vítimas eram mulheres trans/travestis e este foi o recorde para o gênero desde que a organização começou a divulgar o dossiê, em 2018, sempre em 29 de janeiro, que é o Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Em sua maioria, as vítimas eram negras, pobres e trabalhavam como prostitutas nas ruas.
O Brasil mantém a posição de país que mais mata transexuais no mundo, atrás de México e Estados Unidos, segundo a ONG Transgender Europe (TGEU), que monitora 71 países. O relatório da Antra segue a metodologia dessa organização europeia.
Os casos são contabilizados a partir de reportagens e relatos de organizações LGBTQIA+. A associação denuncia que não existem dados oficiais e, por isso, entende que o número de assassinatos pode ser ainda maior.
A Antra também afirma que não há vontade do poder público de realizar o levantamento, o que leva à subnotificação desses crimes. “Não querer levantar esses dados é uma face da LGBTIfobia institucional”, diz o relatório.
A subnotificação também acontece porque, segundo a organização, faltam campos para anotação de orientação sexual e/ou identidade de gênero nos formulários de atendimento nas áreas de segurança e de saúde, ou seu correto preenchimento.
Além disso, pessoas trans não se sentem à vontade para denunciar a violência que testemunham e, quando o fazem, não recebem tratamento adequado, diz o dossiê.
Outros pontos do dossiê:
- Não foram reportados assassinatos de homens trans em 2020.
- Além das vítimas que tinham entre 15 e 29 anos (56%), outras 28,4% tinham entre 30 e 39 anos; 7,3%, entre 40 e 49 anos, e 8,3%, entre 50 e 59 anos. Não foram encontrados casos de pessoas com mais de 60 anos. Não foi possível saber a idade de 66 vítimas.
- Pelo menos 8 vítimas se encontravam em situação de rua.
- Em 47% dos crimes, golpes e/ou tiros atingiram principalmente partes específicas do corpo como rosto/cabeça, seios e genital.
- Em 24% os meios foram espancamento, apedrejamento, asfixia e/ou estrangulamento – as mortes por esses tipos de violência cresceram.
- Em 8% foram usados outros meios, como pauladas, degolamento e fogo.
- Em 16% dos assassinatos foi usado mais de um método de violência. Em 24 casos, o meio utilizado para cometer o crime não foi informado.
- Em quase metade dos crimes não havia informações sobre o suspeito.
- Dos 38 suspeitos foram identificados, a idade variava entre 16 e 60 anos; 46,5% eram homens, 4,5% mulheres (cis e trans).
São Paulo e Ceará lideram
Em 2020, houve aumento de casos em 11 estados, na comparação com 2019, de acordo com a Antra. A maior parte dos crimes foi reportada nas regiões Nordeste e Sudeste.
São Paulo segue na liderança dos assassinatos de pessoas trans, com 29 casos em 2020, um aumento de 38% em relação a 2019, o segundo consecutivo no dossiê.
O Ceará também se manteve na segunda posição, com 22 mortes, o dobro do ano anterior.
Foram reportados assassinatos em 3 localidades onde não houve relatos em 2019: no Acre, em Santa Catarina e no Distrito Federal. O único estado sem registros no ano foi o Amapá, que também não teve relatos no ano anterior.
“Ela não tinha maldade com nada. Foi para São Paulo para realizar os sonhos dela, para dar uma vida melhor pra mãe dela”, disse Lucas Magalhães, cunhado da cearense Karina Silva, 22 anos, morta a facadas em parque de São Paulo, em fevereiro.
A Antra também contabilizou 77 tentativas de homicídio contra a população trans no ano passado.
Violência na pandemia
A associação entende que a pandemia contribuiu para o aumento da violência de duas formas. Primeiro porque as transexuais que vivem da prostituição (90%, segundo a Antra) tiveram que continuar trabalhando nas ruas.
“Nossas pesquisas estimam que cerca de 70% da população de travestis e mulheres transexuais não conseguiu acesso às políticas emergenciais do Estado, devido à precarização histórica de suas vidas, chegando a ter perda significativa em suas rendas”, diz o relatório.
E quem fez o isolamento social se viu exposta à violência doméstica, “muito em função de essas pessoas terem que ficar em quarentena junto de seus algozes e de alguns familiares que optam por serem intolerantes“, complementa a Antra.
A publicação é coordenada por Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra, e Sayonara Nogueira, vice-presidente do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE). Ambas mulheres trans.
Para elas, a falta de dados oficiais reforça que os estados “não estão interessados em enfrentar o problema da LGBTIfobia, seja ela institucional ou não”. Havia a expectativa de que isso mudasse com a criminalização da homofobia e da transfobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019.