Dentro do complexo cenário da pandemia de coronavírus, há os prejuízos ao aprendizado e à saúde mental de milhões de crianças e adolescentes sem as aulas presenciais e há também a preocupação dos professores pela falta de estrutura para executar o protocolo contra Covid no retorno gradual anunciado na maioria do país.
Em geral, o poder público diz que seguirá medidas sanitárias para minimizar a contaminação: disponibilização de álcool em gel, incentivo à lavagem de mãos, uso de máscaras, espaçamento entre mesas, divisão de turmas para ter menos alunos por sala.
No entanto, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), ainda falta levar encanamento a mais de 3 mil instituições de ensino no país. Quase 10 mil não têm acesso à água potável. Quatro a cada dez escolas do Brasil não tem estrutura para lavagem de mãos dos alunos, afirma OMS e Unicef.
Fernanda Raquel Nunes de Oliveira, de 42 anos, professora da rede pública municipal do Rio de Janeiro, teme problemas no abastecimento de água na cidade.
O que compromete o acesso a um do protocolos mais básicos de prevenção: “Eu vou chegar na escola e talvez não tenha água para lavar a mão”. Ela relata cortes regulares no fornecimento no bairro onde dá aulas, São Cristóvão.
A experiência de ter contraído já Covid aumenta a apreensão.
“Fiquei muito assustada. Tive falta de ar, dor de cabeça muito grande, dor no nariz. Fiquei mal, por isso meu medo. Eu não saía, não ia ao supermercado, mas eu dava aulas presenciais. Querendo ou não, as a crianças não tomavam cuidado. Por isso este sentimento de aflição”
Ela teve que sair da casa onde mora com os sogros, que são grupo de risco por serem idosos, e se isolou na casa da família dela, com a mãe e a irmã que já tiveram Covid.
Na Bahia, poucas informações
No litoral da Mata de São João, a 70 km de Salvador, Yara Santiago, 54 anos, tem poucas informações sobre como se dará o retorno às aulas. Não há datas definidas para a volta das férias, nem o sistema que será adotado (híbrido, presencial ou remoto).
“Mas não é somente isso. Nossos alunos chegam de transporte escolar, que passa por várias localidades. Só isso já é um risco de eles se contaminarem e de levarem o vírus para suas comunidades”, conta.
“As salas são insalubres. Minha escola tem uma parte que fica de frente para o mar, mas as salas são quentes e a ventilação é a base de ventiladores.” Os equipamentos são desaconselhados pelos epidemiologistas porque podem espalhar o vírus no ambiente.
Uma pesquisa da UFMG comprovou a presença do coronavírus no ar, e reforçou o alerta contra locais mal ventilados e com pouca circulação de ar.
“É extremamente desgastante essa situação, porque lida com medos, com o direito à vida. Eles têm direito à educação, mas também têm direito de estarem vivos e de serem cuidados”, reflete.
Yara teve câncer há 5 anos e convive na mesma casa que a mãe, de 78. Ela afirma que as ações para proteger professores vulneráveis ainda não foram esclarecidas.
“A prefeitura pediu que todos os professores que tiverem comorbidades ou que tiverem algum tipo de doença ou coisa do gênero, que possa ser vulnerável, que mande relatório para prefeitura. Conheço professoras que já fizeram isso há muito tempo e não tiveram respostas”, conta. O G1 entrou em contato com a prefeitura e a secretaria municipal de educação e aguarda retorno.
Em SP, professor teme multiplicação de chances
O professor de filosofia Diogo Canhadas, 34 anos, dá aulas para estudantes do ensino médio em uma escola de tempo integral em São Paulo (SP). As aulas voltaram na segunda-feira (8) de forma híbrida. Os 600 estudantes matriculados foram divididos em três grupos, que se alternam.
“Tenho contato com 200 estudantes. Matematicamente, dá para multiplicar por 5 ou 6, porque tem os familiares destes alunos”, ressalva. “Ano passado minha avó, que teve pouca exposição, pegou Covid e morreu. Tenho receio do que pode acontecer comigo”, afirma.
O professor conta que os alunos voltaram com a expectativa de encontrar a escola de antes, mas se depararam com outro ambiente.
“Quando comparecem mais do que 12 alunos, limite máximo que as salas comportam para manter o distanciamento, eu dou aulas na quadra. Mas os alunos não gostam”, diz.
Ele conta que, entre os estudantes, os protocolos sanitários não são sempre respeitados. “Eles tiram a máscara para conversar, comem próximo aos amigos. Quando chegam perto do professor, colocam a máscara, eles respeitam. Mas entre eles às vezes não seguem todas as regras”, relata.
Canhadas tem asma, mas diz que escolheu ir à escola em vez de ficar no ensino remoto. “Já estou em nível de resiliência tão grande que, se vacinarem todos os idosos, já me dou por satisfeito e me exponho”, reflete.