O interrogatório do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), no processo de impeachment movido contra ele teve início por volta das 17h15 desta quarta-feira (7), no Centro do Rio. Ao se defender, Witzel chorou e acusou o ex-secretário de Saúde Edmar Santos de receber propina.
“O dr. Edmar não tinha sinais de riqueza. Professor da Uerj, doutor. Nada indicava que o dr. Edmar tinha no colchão da casa dele oito milhões de reais. De onde veio esse dinheiro?”, questionou Witzel.
O pedido de impeachment foi motivado por suspeita de irregularidades e desvios na área da Saúde do Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19.
Antes de começar o interrogatório, Witzel pediu para fazer uma explanação sobre as acusações. Com a voz embargada e chorando, o governador afastado disse:
“O que estão fazendo com a minha família é muito cruel, senhor presidente. É muito cruel o que estão fazendo com a minha esposa. Mas eu decidi deixar a magistratura por um ideal, para que eu pudesse ajudar o povo do Rio de Janeiro. Por uma mudança. Por um futuro melhor”.
Ele continuou: “E eu prometi que a saúde do Rio de Janeiro iria ser uma saúde exemplar. Mas, infelizmente, o secretário que escolhi… Nós procuramos escolher alguém na Saúde que fosse qualificado, que conhecesse o Rio de Janeiro. O Edmar tinha recebido a Medalha Tiradentes. A Casa o considerava uma pessoa proba”.
Em seguida, o governador voltou a acusar o ex-secretário de Saúde de receber propina em serviços prestados no Hospital Pedro Ernesto. Ele acusou também o empresário Edson Torres de ser o patrão de Edmar Santos.
“Administrar um estado é definir estratégias. Não sou eu que controlo quem é que vai contratar. Não tem como se reunir com secretários para definir detalhes micros”, argumentou Witzel.
Ele disse que não tinha como saber que o ex-secretário integrava um grupo criminoso.
“As minhas reuniões com os secretários eram reuniões estratégicas, de definições de estratégia. Como foi a questão dos hospitais de campanha. Mas quem vai fazer e quem vai contratar – não depende do governador. E nem pode. O que hoje o ex-secretário Edmar veio falar é uma versão exclusivamente dele de que eu falei pra contratar OS [organização social] x, y, z.”
Unir Saúde
Mais cedo, o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos, durante seu depoimento, disse que alertou o chefe sobre os riscos de reabilitar a Unir Saúde, Organização Social que estava impedida de fazer negócios com o governo do estado.
“O senhor [Witzel] falou que iria requalificar a Unir, e eu disse que seria um ‘batom na sua cueca'”, afirmou Edmar, na frente de Witzel, no Tribunal Especial Misto.
Sobre a conversa que teria tido com o ex-secretário sobre a requalificação da Unir, Witzel contou que não mandou reclassificar a OS Unir pra ela reassumir os contratos. “Mandei pra ela se defender dos processos”.
“Quando surge a desclassificação da Unir, eu chamo o secretário e pergunto: essa desclassificação atende aos parâmetros que vamos seguir para todas as outras? (…) Eu falei pro Edmar. Esse processo vai gerar um efeito em cadeia e se não for feito em relação a outras OSs, eu responderei por improbidade administrativa”, disse Witzel.
A sessão do Tribunal Misto de Impeachment (TEM) desta quarta é a última etapa antes da conclusão do processo.
Tentativa de adiar sessão
Wilson Witzel alegou falta de dinheiro para se defender no processo de impeachment e pediu para adiar a sessão, mas o Tribunal Misto de Impeachment (TEM) negou o pedido e manteve o interrogatório.
Depois de elogiar o trabalho da Corte, o governador afastado disse não ter atualmente condições financeiras de arcar com sua própria defesa.
“Ao longo deste processo, muitos sabem que os meus advogados não são remunerados. As remunerações foram no início pagas por mim em valores extremamente módicos, de forma que não tenho capacidade de pagar um escritório de advocacia. O escritório de Ana Tereza Basílio tem me assistido de forma pro bono”, comentou.
O governador afastado falou também que revogou o mandato dos seus advogados por discordar da condução do processo e pediu para apresentar uma nova defesa em 20 dias.
O pedido foi votado pelo colegiado do tribunal, que foi contrário ao adiamento da sessão e sugeriu um novo nome para a defesa.
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, Henrique Figueira, chegou a sugerir que a defesa fosse feita pelo defensor público geral do Rio, Rodrigo Pacheco, mas encontrou nos autos uma procuração com outros advogados de Witzel que não foram destituídos.
Os advogados que seguem à frente da defesa do governador afastado são Bruno Mattos Albernaz de Medeiros e Éric de Sá Trotte.
A sessão, que havia começado às 9h25, foi interrompida por volta das 10h30 para que eles pudessem chegar ao plenário, no Centro do Rio.
No início da tarde, a sessão foi retomada com a manifestação de um dos novos advogados de Witzel pedindo o adiamento do depoimento de Edmar Santos. O pedido foi negado pelo presidente do TJ.
Depoimento de Edmar Santos
O ex-secretário estadual de Saúde do RJ Edmar Santos afirmou, em depoimento ao Tribunal Especial Misto que julga o impeachment de Wilson Witzel, que alertou o chefe sobre os riscos de reabilitar a Unir Saúde, Organização Social que estava impedida de fazer negócios com o governo do estado.
“O senhor [Witzel] falou que iria requalificar a Unir, e eu disse que seria um ‘batom na sua cueca'”, afirmou Edmar, na frente de Witzel, no Tribunal Especial Misto.
Edmar afirmou ainda que essa reunião aconteceu na varanda do gabinete do então governador e que Witzel disse que “iria requalificar a Unir de canetada”.
O depoimento do o ex-secretário estadual de Saúde terminou por volta das 16h20. O próprio Witzel assumiu o interrogatório, como autoadvogado de defesa.
Entenda a manobra da Unir
A requalificação da Unir é um dos argumentos do pedido de impeachment de Wilson Witzel. Desde o governo Sérgio Cabral, a Unir cuidava da administração de algumas unidades de saúde, como as UPAs de Botafogo e de Nova Iguaçu.
No entanto, em outubro de 2019, após pareceres jurídicos da Secretaria de Saúde e da Casa Civil, a OS foi desqualificada por incapacidade na prestação de serviços médicos.
Mesmo assim, no dia 23 de março de 2020, em decisão monocrática, Witzel ignorou os pareceres e restituiu à Unir o direito de voltar a fazer contratos com o governo do estado.
Apesar de Witzel alegar que havia uma organização paralela e que não participava de nenhum esquema criminoso na saúde, Edmar disse que Witzel teria ordenado repasses a municípios para agradar aliados, como Gotthardo Neto, prefeito de Volta Redonda, preso em agosto de 2020.
“Foram repassados R$ 21 milhões para Volta Redonda e R$ 16 milhões para Barra Mansa. O senhor me pediu para repassar dinheiro para Bom Jesus do Itabapoana, além de Volta Redonda e Barra Mansa”, disse Edmar.
Edmar também disse que “todas as Organizações Sociais estão comprometidas” no estado.
“Não existe nenhuma OS que trabalhe de forma lícita”, destacou.
Witzel nega desvios
Durante a pausa da sessão, Witzel falou com a imprensa e voltou a negar participação em qualquer desvio na área de Saúde do RJ.
“Havia uma organização criminosa agindo na Saúde do estado do Rio de Janeiro, na sombra. Nos depoimentos do Edson Torres e nos depoimentos do Edmar (Santos), eu identifiquei — e hoje isso será explorado hoje aqui — quem é efetivamente o chefe da organização criminosa”.
“Não foi ouvido ainda um dos participantes dessa organização criminosa que, segundo o depoimento do Edson Torres, essa pessoa, Zé Carlos, foi apresentada a Edmar para que ele fizesse parte dessa distribuição de caixinha (de propina) dentro da Secretaria de Saúde, que definitivamente, eu não faço parte”, disse Witzel.