A Polícia Federal intimou a líder indígena Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a prestar depoimento em um inquérito aberto em razão de documentário divulgado na internet que, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), propaga “mentiras” contra o governo.
A informação foi divulgada nesta sexta-feira (30) pela revista “Época”. Vinculada ao Ministério da Justiça — ao qual também é subordinada a Polícia Federal —, a Funai é a autora do pedido de investigação da Apib.
O inquérito foi aberto em 19 de março pelo delegado Francisco Vicente Badenes Junior. Ele tomou como base documentação e vídeos enviados pela Funai em 7 de outubro do ano passado, por meio de ofício assinado pelo presidente da fundação, Marcelo Augusto Xavier da Silva, e dirigido ao então diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Sousa.
Coordenadora da Apib, Sonia Guajajara foi intimada na última terça-feira (27). O depoimento estava marcado para esta quinta-feira (29), em Brasília, mas, segundo registros da Polícia Federal, o advogado da líder indígena informou que ela não se encontrava na capital federal e que, por isso, iria fazer um requerimento solicitando alteração da data.
“A perseguição desse governo é inaceitável e absurda! Eles não nos calarão!”, escreveu Sonia Guajajara em uma rede social.Em nota, a Apib afirmou que a intimação foi uma forma de “criminalizar o movimento indígena“.
“O governo busca intimidar os povos indígenas em uma nítida tentativa de cercear nossa liberdade de expressão, que é a ferramenta mais importante para denunciar as violações de direitos humanos. Atualmente, mais da metade dos povos indígenas foram diretamente atingidos pela Covid-19, com mais de 53 mil casos confirmados e 1.059 mortos“, diz a nota da entidade.
O pedido da Funai
No documentário, uma webserie em oito episódios intitulada “Maracá”, a Apib aponta violações de direitos dos povos indígenas pelo governo federal durante a pandemia da Covid-19. De acordo com a entidade, o governo promove “genocídio indígena”.
“Trata-se de uma série de oito vídeos, com título “Agora é a Vez do Maracá”, divulgada como uma mobilização nacional e internacional em prol dos povos indígenas do Brasil durante a pandemia, com divulgação de diversas informações torcidas e tendenciosas, de forma a deformar a verdade dos fatos, acusando o governo federal de total abandono aos indígenas, além de diversas outras acusações graves”, afirma o presidente da Funai no documento enviado à PF.
No ofício, a Funai fala em “campanha de calúnia e difamação” por suposta divulgação de informações falsas sobre o número de indígenas doentes e mortos e aponta “possível cometimento de calúnia e difusão de fake news e estelionato”.
De acordo com a fundação, “as referidas ‘fake news’ aparentam ter como intuito levar vítimas a eventuais prejuízos financeiros, podendo ser enquadrada no crime de estelionato (art. 171, CP), posto que busca vantagem ilícita em prejuízo alheio, ao difundir mentiras para arrecadar fundos”.
No documento, a Funai relaciona a Apib a “organizações comunistas” que, segundo a fundação, “prejudicam o Brasil, ao articular informações para denegrir a imagem para o exterior. Assim, mais uma vez fica demonstrado a articulação para captação de recurso internacional”.
Ação no Supremo
Uma ação contra o governo apresentada pela Apib e por seis partidos políticos (PSB, PSOL, PCdoB, Rede, PT, PDT) tramita desde o ano passado no Supremo Tribunal Federal.
Na ação, a entidade e os partidos reclamam de omissão do governo federal no combate à Covid-19 entre os indígenas.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, validou parcialmente no último dia 16 de março — depois de três versões rejeitadas — um plano de ações do governo federal para tentar conter o avanço da Covid entre os povos indígenas.
Naquela decisão, Barroso também determinou a apresentação de novas medidas capazes de isolar as comunidades indígenas de sete áreas do contato com invasores e para informar como será a execução e o monitoramento do plano homologado.
A Advocacia Geral da União (AGU) apresentou uma nova versão do plano — a quinta — que agora deve ser novamente analisada pelo ministro.