A estudante de Sorocaba (SP) que foi proibida pela Justiça de cursar uma faculdade após fazer “homeschooling” entrou com um pedido de liminar para conseguir se matricular na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos, passou em 5º lugar no curso de engenharia civil da instituição.
De acordo com o advogado da jovem, Telêmaco Marrace, o pedido de liminar foi protocolado na última quarta-feira (28), na Vara da Infância e Juventude do Fórum Regional de Pinheiros, da Comarca de São Paulo.
O documento pede que a universidade permita que a jovem faça a matrícula no curso para não ela perder a vaga.
Caso não seja aprovado, o pedido também solicita que ela consiga fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) antes de completar 18 anos. A aplicação do Encceja estava previsto para 21 de abril, mas a data foi alterada para o dia 29 de agosto por causa da pandemia.
Ainda segundo o advogado, a família também vai recorrer da decisão do processo que proibiu a jovem de cursar uma faculdade sem o diploma em uma escola regular.
“Como eles não aceitam o autodidata em home, em casa, ela entraria na universidade concluindo o ensino médio pelo o Encceja. Só que a Justiça entendeu totalmente diferente, achou que a Elisa queira, de qualquer forma, entrar só por ter cursado em casa, em home”, explica o advogado.
A juíza Erna Tecla Maria alegou que o “homeschooling” não está previsto na legislação e não foi admitido como ensino apto para certificar o estudante.
Na decisão, disse também que a jovem não exibiu documentos que comprovem “altas habilidades e maturidade mental para frequentar o ensino superior em detrimento da educação básica regular”.
“Ela nunca pediu para que fosse validado o homeschooling. Eu pedi para que ela tivesse o direito de fazer o Encceja antes dos 18 anos e ter o direito de fazer um exame de proficiência”, comenta o advogado.
Proibição na Justiça
Elisa não frequenta a escola desde 2018. Ela estuda seis horas por dia em casa, seguindo um método próprio. Quando começou a fazer ‘homeschooling’, ela estava no primeiro ano do ensino médio.
A adolescente descobriu a modalidade pela internet, principalmente em sites em inglês, e diz que se apaixonou pela ideia. Para saber se o método de estudo em casa tinha dado certo, ela começou a prestar vestibulares com 16 anos e as aprovações não pararam de chegar.
Elisa já passou em faculdade particular, tirou quase mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, recentemente, conquistou o 5º lugar no curso de engenharia civil da Escola Politécnica da USP, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
No entanto, por não ter completado o ensino médio em uma escola tradicional e sem diploma, ela não pôde entrar na faculdade. A família recorreu à Justiça e, em outubro de 2020, o Ministério Público foi favorável a conceder a liminar e permitir que a estudante entrasse na faculdade.
A promotora Maria do Carmo Purcini considerou que a jovem é portadora do espectro autista e tem um excepcional desempenho. O pedido de liminar para que ela entrasse na faculdade, no entanto, foi negado.
Propostas de emprego
Elisa recebeu várias propostas de emprego depois da decisão. Em entrevista ao G1, ela contou que ficou surpresa com a repercussão que o assunto gerou nas redes sociais.
Segundo ela, muitas pessoas entraram em contato, tanto empresários que ofereceram emprego para ela, quanto estudantes que queriam saber mais sobre o “homeschooling”, um assunto polêmico entre especialistas em educação.
“Várias pessoas me mandaram mensagem dizendo que estavam com as portas abertas. Eu fiquei extremamente lisonjeada e muito feliz com isso, porque realmente não era o intuito. Achei que só era para tentar trazer o conhecimento para o caso na região, mas cresceu e eu nem vi acontecendo.”
De acordo com Elisa, ela ainda não recebeu propostas oficiais, mas avalia junto com a mãe a possibilidade de adquirir mais conhecimento por meio de um trabalho. Agora, a prioridade dela é conseguir entrar na faculdade, algo que sempre foi um sonho.
Quem é a favor defende o direito de escolher como educar as crianças e adolescentes. Já quem é contra teme consequências pedagógicas e sociais que podem surgir com a falta de frequentar uma escola.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o “homeschooling” não é inconstitucional, mas que deve haver uma norma para seguir o ensino em casa.
Para a professora do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutora em psicologia em educação Ângela Soligo, é preciso buscar ajuda especializada antes de o aluno trocar a escola pelo “homeschooling”.
Ângela explica que a escola não é apenas um ambiente para ter acesso a conteúdos, mas também para socializar, conviver com diferentes perspectivas, debater e refletir.
“Se abrir essa exceção, todos os treineiros (alunos de 1º e 2º anos do ensino médio que prestam vestibular para treinar) terão o mesmo direito”, diz.
Já a doutora em educação pela Universidade de São Paulo Flavinês Rebolo, apesar de não concordar com a normalização do estudo em casa, diz que o caso de Elisa deve ser considerado.
“No caso específico da Elisa, eu, pessoalmente, não sou contra que ela curse o ensino superior. É um caso muito particular de exceção e que não pode ser utilizado para instalação ou a implementação do ‘homeschooling’ como política pública da educação”, diz.
Rebolo também segue a linha de pensamento de Ângela Soligo de que a escola é muito mais do que um ambiente para estudar. “A escola é também e especialmente um lugar, um espaço de socialização que contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional, da empatia”, explica.