O ex-ministro da Saúde Nelson Teich disse nesta quarta-feira (5), na CPI da Covid, que deixou o cargo diante do desejo do governo de “ampliação do uso da cloroquina” para tratar pacientes com a doença. Teich afirmou ainda que percebeu que não teria autonomia para atuar à frente da pasta.
Teich ficou 28 dias à frente do ministério, entre abril e maio do ano passado. Assim como seu antecessor na pasta, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, ouvido na terça (4) na CPI, ele deixou o governo por divergências com Bolsonaro sobre medidas para conter a pandemia.
A cloroquina não tem eficácia para tratamento da Covid, de acordo com estudos científicos. Mas desde o início da pandemia, contrariando a ciência, o presidente Jair Bolsonaro insiste em estimular o uso do medicamento para tratar a doença.
“O pedido específico [de demissão] foi pelo desejo [do governo] de ampliação do uso de cloroquina. Esse era o problema pontual. Mas isso refletia uma falta de autonomia e uma falta de liderança”, disse Teich.
O ex-ministro afirmou que a convicção pessoal dele, baseada em estudos científicos, apontava que não existia evidência da eficácia da cloroquina.
“As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente a constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação as divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19, enquanto minha convicção pessoal, baseada nos estudos, que naquele momento não existia evidência de sua eficácia para liberar”, completou o ex-ministro.
O relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), perguntou se Teich sabia da produção de cloroquina pelo Exército.Teich respondeu que não sabia e que não foi um assunto que chegou a ele.
Teich foi à CPI na condição de testemunha, quando há o compromisso de dizer a verdade sob o risco de incorrer no crime de falso testemunho.
Pazuello na Saúde
Renan também quis saber sobre as circunstâncias da nomeação de Pazuello para secretário-executivo do ministério na gestão de Teich. Pazuello é general da ativa do Exército e, após a saída de Teich, se tornou ministro. Diferente dos antecessores, Pazuello não contrariou Bolsonaro sobre temas como cloroquina e isolamento social (o presidente é contra as adoções de medidas restritivas de circulação).
“Ele [Pazuello] foi indicado para mim pelo presidente […] Embora ele não tivesse experiência em saúde, eu contava que sob a minha orientação ele executasse de forma adequada o que fosse definido na minha estratégia de planejamento”, disse o ex-ministro.
Questionado pelo relator sobre as credenciais de Pazuello para assumir o ministério, Teich respondeu que seria ‘mais adequado’ que seu sucessor tivesse mais conhecimento em gestão de saúde.
“Na posição de ministro, acho que seria mais adequado um conhecimento maior sobre gestão em saúde”, afirmou Teich.
O depoimento de Pazuello na CPI seria nesta quarta-feira, mas o general pediu para não comparecer, porque disse ter tido contato recente com pessoas que contraíram a Covid. Com isso, a sessão com Pazuello foi remarcada para daqui a duas semanas.
Hospitais de campanha
Questionado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) sobre a desmontagem de hospitais de campanha antes da segunda onda da pandemia da Covid, que começou a dar sinais no fim de 2020, Teich disse que “faltou algum planejamento nessa saída” e que o ideal seria que os hospitais pudessem ser reativados em caso de necessidade.
“Então, o que me parece ali é que faltou algum planejamento nessa saída, porque o ideal é que você realmente desativasse algumas coisas que tivessem ociosas, mas que você tivesse condições de reativá-las no caso de uma necessidade. Então, para mim ali era mais uma questão de estratégia e planejamento”, afirmou.
O ex-ministro disse ainda que o que se verifica no país é “muito mais colaboração e interação” do que uma postura de liderança no combate à pandemia.
“A minha impressão é que tem que ter mais estratégia e planejamento e eu acho que isso tem que ser um movimento Brasil, eu acho que a liderança deveria caber ao Ministério da Saúde, mas eu acho que isso é um movimento Brasil”, completou.
Imunidade de rebanho
Durante seu depoimento, Teich disse que é um erro buscar o controle da infecção pelo novo coronavírus por meio da chamada “imunidade de rebanho” por contágios, onde a transmissão da doença seria pequena devido à imunidade desenvolvida pela população através do contato com o vírus.
“Essa tese de imunidade de rebanho onde você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, isso é um erro. A imunidade você vai ter através da vacina e não através de pessoas sendo infectadas. Então, isso aí não é um conceito correto”, disse o ex-ministro da Saúde em resposta aos questionamentos da senadora Leila Barros (PSB-DF).
O presidente Jair Bolsonaro costuma utilizar o argumento para defender o fim de medidas que promovem o isolamento social. Bolsonaro costuma repetir que o novo coronavírus é uma “chuva” e que todos serão atingido pelo vírus.
“O que acabou acontecendo, eu até comentei antes, foi o que você teve nos lugares uma sobrecarga dos sistemas porque você teve muito mais casos do que o sistema podia receber. Isso é mais um item que deixa claro como é importante você já estar preparado gerencialmente para enfrentar uma pandemia. É uma coisa que a gente vai ter que aprender. Mas essa imunidade de rebanho através de infecção, não. Isso é um erro”, declarou Teich à CPI.