ONU pede que MP faça investigação independente e cita tendência de ‘uso desproporcional’ da força em favelas

Comunidade amanheceu com policiamento reforçado nesta sexta-feira (7), um dia após a operação mais letal da história do RJ. Porta-voz de Direitos Humanos diz que há relatos de que a cena do crime não foi preservada.

Policiais civis durante a operação no Jacarezinho, Zona Norte do Rio, na manhã desta quinta-feira (6) — Foto: Ricardo Moraes/Reuters

O escritório de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) cobrou, nessa sexta-feira (7), uma investigação independente sobre a operação policial no Jacarezinho que deixou 25 mortos, incluindo um policial.

O porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville, disse em entrevista coletiva em Genebra, na Suíça, que há um histórico de uso desproporcional e desnecessário da força pela polícia.

“Pedimos que o promotor conduza uma investigação independente e completa do caso de acordo com os padrões internacionais”, disse Colville

O porta-voz ainda se diz preocupado com o fato de que a cena do crime não tenha sido preservada, dificultando o trabalho da perícia para a elucidação das circunstâncias da morte.

“É particularmente preocupante que a operação tenha ocorrido apesar de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2020 restringindo as operações policiais em favelas durante a pandemia de Covid-19”, afirma Colville.

Ele faz um alerta às autoridades brasileiras para que o uso da força seja aplicado quando estritamente necessário, respeitando os princípios da legalidade, precaução necessidade e proporção.

“A força letal deve ser usada como último recurso e apenas em casos em que há ameaça iminente à vida ou de um sério perigo”.

Comissão da Alerj suspeita de execuções

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) afirma que há “graves indícios de execução” no Jacarezinho e também pediu uma investigação do Ministério Público.

“É preciso dar o nome correto do que aconteceu no Jacarezinho: chacina. É absurdo naturalizar esse tipo de ação. As pessoas esperam do governo a vacina e a comida, é só recebem terror e morte. Não existe pena de morte no Brasil. A polícia não pode combater o crime cometendo crimes contra humanidade. O MP precisa investigar com seriedade e compromisso com a população do Rio”, afirma a presidente do grupo, Renata Souza (PSOL).

25 mortos
Um dos mortos foi o policial civil André Leonardo de Mello Frias, da Delegacia de Combate à Drogas (Dcod). A Polícia Civil diz que os outros 24 assassinados eram criminosos, mas não revelou as identidades ou as circunstâncias em que foram mortos.

Moradores da comunidade denunciam que suspeitos foram executados. O Ministério Público recebeu, em sua ouvidoria, denúncias de abusos policiais, que estão sendo investigados.

O delegado Ronaldo Oliveira nega que tenha havido execução. “Para deixar bem claro: quem não reagiu, foi preso. Ou foi preso ou fugiu”.

O sociólogo Daniel Hirata, do Geni/UFF, classifica a operação como inaceitável e diz que é mais grave do que chacinas como a de Baixada Fluminense, em 2005, ou a de Vigário Geral, em 1993.

“Foi a operação mais letal que consta na nossa base de dados, não tem como qualificar de outra maneira que não como uma operação desastrosa (…) É uma ação autorizada pelas autoridades policiais, o que torna a situação muito mais grave”.
Ele diz que, segundo os moradores, a ação se tornou mais violenta após a morte do policial e que ficou “incontrolável”. Na manhã desta sexta, a comunidade amanheceu com policiamento reforçado.

Cena do crime
Em um dos vídeos, exibido no Jornal Nacional (veja abaixo), uma moradora filma um policial e afirma que o suspeito quer se entregar. A mulher acusa os agentes de tentarem “encurralar” moradores para evitar que eles chegassem até o local onde supostamente o homem teria se rendido.

Além das denúncias, para defensores públicos fotos compartilhadas em redes sociais e também tiradas por fotojornalistas demonstram que a polícia “desfez” a cena de crimes. Para eles, mais um indicativo de que houve execuções de suspeitos – sem chance de rendição.

“O saldo do dia é muito impactante. Chama atenção uma coisa que eu acho que a gente precisa apurar é quantas dessas pessoas chegaram mortas ao hospital. Isso é um indicativo de que pode ter ocorrido, sim, desfazimento de cena de crime”, afirmou a defensora pública Maria Julia Miranda, que esteve no Jacarezinho na quinta-feira.

 

Fonte: G1

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