Em 25 anos, MPT atuou no resgate de 55.712 vítimas do trabalho análogo à escravidão

MPT

Dia 13 de maio, data em que se recorda a Abolição da Escravatura no Brasil. Desde a assinatura da Lei Áurea, não só foram superados 133 anos, como também diversos significados do famoso ato da Princesa Isabel. História e interpretações à parte, a escravidão continua sendo realidade para milhares de brasileiros. É o que demonstra a mais nova atualização de dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, a primeira desde o início da pandemia de Covid-19.

Entre 1995 e 2020, 55.712 pessoas foram encontradas em condição análoga à de escravo no país pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, sendo 942 vítimas no ano passado, de acordo com a ferramenta desenvolvida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Em Alagoas, o resgate ocorreu para 840 vítimas nesses 25 anos. Uma média de 32,3 resgatado por ano. A maioria trabalhava para fabricação de açúcar bruto (82%), fabricação de farinha de mandioca e derivados (11%) e do cultivo de frutas de lavoura permanente, exceto laranja e uva (6%).

Quando se trata de alagoanos resgatados em outros estados, o número chega a 1.380. Outras 1.265 vítimas afirmam ter residência em Alagoas. Em geral, os trabalhadores saem do estado para prestarem serviços na agropecuária. São cortadores de cana-de-açúcar, operadores do processo de moagem, contratados volantes da agricultura. Mas também profissionais da construção civil, como pedreiros e serventes de obras.

Cerca de 50% dos alagoanos resgatados em outros estados e das vítimas com residência em Alagoas identificam-se como pardo ou se declaram como mulato, caboclo, cafuzo, mameluco ou mestiço de preto com pessoa de outra cor ou raça. A maioria é do sexo masculino, tem entre 18 e 24 anos e possui baixa escolaridade, com menos de 5 anos de estudos ou mesmo analfabeta.

Para o procurador-chefe do MPT em Alagoas, Rafael Gazzaneo, os dados demonstram que a abolição da escravatura pela Lei Áurea ocorreu apenas de modo formal. Nesse sentido, entende que o 13 de maio deve ser encarado como data apenas de reflexão e protesto, uma vez que o trabalho em condições análogas à de escravo continua afetando a vida de milhares de brasileiros e alagoanos.

“Quem deveria ser beneficiado pela Lei Áurea segue como principal vítima das desigualdades sociais. São os negros e pardos os principais alvos da escravidão contemporânea, do desemprego, do sistema penitenciário, das balas perdidas, das operações das forças de segurança pública, das mazelas cotidianas. Nossa abolição segue inconclusa e precisa de ações afirmativas para garantir uma igualdade material necessária à toda liberdade”, disse Gazzaneo.

Resgates e setores em 2020

Em 2020, 17% do total de vítimas no Brasil foram resgatadas em atividades de produção florestal (florestas plantadas e nativas), 15% no cultivo do café e 10% na criação de bovinos, com grande concentração na área rural. Entre as atividades industriais e de serviços, tipicamente urbanas, destacam-se no mesmo período os resgates em setores como o comércio varejista (10%), montagem industrial e de estruturas metálicas (7%) e empreendimentos de construção e imobiliários (5%).

Na série histórica apurada, em geral, mais de 80% das vítimas eram trabalhadoras e trabalhadores agropecuários – incluídos os volantes da agricultura, trabalhadores da pecuária, carvoeiros, operadores de motosserra e atuantes nas mais diversas culturas -, seguidos por serventes de obras e pedreiros (5%).

Quanto à escolaridade, 80% eram analfabetos ou possuíam até o 5º ano completo. A grande maioria das pessoas resgatadas de condição de trabalho análogas à escravidão é do sexo masculino e se concentra na faixa etária dos 18 a 24 anos. No entanto, cerca de 2,5% são resgatadas ainda crianças ou adolescentes, o que evidencia também algumas das piores formas de trabalho infantil.

Quanto aos setores econômicos tipicamente rurais, as maiores reincidências em diferentes anos estão na criação de bovinos, na exploração de florestas nativas e plantadas e em vários cultivos tradicionais brasileiros (café, soja, cereais, cana-de-açúcar, algodão, cacau e outras frutas), todos com incidência em mais de 10 anos dos 25 da série histórica.

Quanto às atividades urbanas, as maiores reincidências anuais ocorreram na construção civil e na confecção de peças de vestuário, também com mais de 10 anos de incidência na série de 25 anos. Há, ainda, persistente reincidência em setores como a mineração e a extração de pedra, areia e argila.

Trabalho escravo é crime

O trabalho escravo é um crime e uma grave violação dos direitos humanos. Milhares de pessoas, nas zonas urbanas e rurais, ainda são exploradas, por meio do trabalho forçado, da servidão por dívida, da submissão a condições degradantes de trabalho e de jornadas exaustivas. A prática é considerada uma das formas de tráfico de pessoas.

Em todo o mundo, mais de 25 milhões de pessoas, incluindo mulheres e crianças, são vítimas do trabalho análogo à escravidão. Dados globais da OIT mostram que essa prática gera U$ 150,2 bilhões anuais em lucros ilegais. A pandemia da Covid-19 só tende a agravar esse cenário, com o aumento do desemprego, da desigualdade e da pobreza.

A partir de maio, além das instituições apoiadoras da iniciativa SmartLab, o MPT e a OIT contam com um importante e estratégico parceiro na gestão de estudos conjuntos e aprimoramentos contínuos do Observatório: a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT), do Ministério da Economia.

Disque Direitos Humanos

Por meio de cooperação com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, o Observatório também passa a apresentar dados do Disque 100. De 2012 a 2019, foram registradas mais de 5 mil denúncias relacionadas ao tráfico de pessoas, incluindo o trabalho em condição análoga à de escravo.

As denúncias mais frequentes são:  jornada exaustiva (27%); trabalho com condições degradantes de trabalho (24%); servidão por dívidas (12%); restrição à liberdade de deixar o trabalho (11%); tráfico para fins de exploração sexual (6%) e tráfico para adoção, nacional e internacional (6%).

Seja migrando através de fronteiras internacionais ou dentro do país, trabalhadores migrantes fazem parte dos grupos populacionais mais vulneráveis ao tráfico de pessoas, inclusive para exploração do trabalho em condições análogas à escravidão. Nesse cenário, o Observatório mostra que apenas 1,3% dos municípios brasileiros possuem algum mecanismo de cooperação com entes da federação quanto à gestão migratória e somente 2,4% possuem abrigos ou casas de passagem para acolhimento desses grupos.

Além disso, 99% dos municípios não possuem centros de referência específicos para atendimento da população migrante e refugiada, e se considerados todos os serviços socioassistenciais, há oferta em apenas 7% das localidades. Apenas 25 municípios brasileiros oferecem, com limitações, serviços públicos com atendimento multilíngue.

Sobre o Observatório

O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas é um dos cinco observatórios digitais da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, um laboratório multidisciplinar de gestão do conhecimento com foco na promoção do trabalho decente no Brasil.

O Observatório busca fomentar a gestão eficiente e transparente de políticas públicas, de programas e de projetos de prevenção e de erradicação do trabalho escravo e do tráfico de pessoas, de modo que essas ações sejam cada vez mais orientadas por resultados e baseadas em evidências.

Busca-se, além disso, fomentar o aprimoramento dos sistemas de coleta de informações e a padronização com integração dos bancos de dados existentes, de diferentes fontes, relevantes para a causa. Com isso, os diagnósticos e o conhecimento produzidos sobre o tema serão cada vez mais precisos.

Desde o seu lançamento, os cinco observatórios digitais da Iniciativa SmartLab contam com mais de meio milhão de visualizações de páginas, oriundas de mais de 74 países, consolidando-se como o maior repositório de informações e conhecimento sobre trabalho decente do Brasil. A plataforma Google Scholar registra mais de 400 publicações acadêmicas que se utilizaram da plataforma para produzir conhecimento científico, entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos publicados no Brasil e no exterior.

Fonte: MPT

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