O texto-base de uma medida provisória aprovada pela Câmara dos Deputados, na terça-feira (10), retira direitos de participantes do programa Jovem Aprendiz e cria condições precárias de trabalho, de acordo com entidades do setor.
A MP institui uma nova rodada do programa de redução de jornadas e salários ou suspensão dos contratos de trabalho durante a pandemia do coronavírus.
O texto, que ainda vai passar por nova análise dos deputados e depois segue para o Senado, repetia medidas tomadas em 2020 para preservar os empregos durante a pandemia. Porém, o relator Christino Aureo (PP-RJ) incluiu dois programas voltados para a geração de emprego e a qualificação profissional. Um deles é o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip).
Com o Requip, ao serem contratados, os jovens:
- Não têm vínculos empregatícios, nem direitos trabalhistas;
- Recebem uma bosa-auxílio, que pode ser de até R$ 550;
- Têm jornada de trabalho de até 22 horas semanais;
- Não precisam estar matriculados em instituições de ensino. As empresas terão apenas que ofertar qualificação profissional aos bolsistas.
O Requip será para jovens de 18 a 29 anos, desempregados há mais de dois anos, ou pessoas de baixa renda vindas de programas federais de transferência de renda. O problema é que ele retira direitos já conquistados com a Lei do Aprendiz, em vigor desde 2000, que determina que médias e grades empresas reservem parte das vagas para jovens entre 14 e 24 anos.
“Hoje, no Brasil, nós temos três maneiras da pessoa trabalhar: ou ele é estagiário, ou aprendiz, ou CLT. Essa medida provisória cria uma quarta possibilidade, que é um CLT precarizado”, afirma Humberto Casagrande, CEO do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE).
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Para Casagrande, desvincular o trabalho da escola pode provocar uma evasão escolar: “Os programas de estágio e de aprendiz estão ‘linkados’ com o ensino. Quem não estuda perde o emprego. O governo nega esses programas e a estrutura das Escolas Técnicas e das Escolas do Sistema S para propor uma outra estrutura. O relator propõe implodir esse sistema.”
“O Requip é um retrocesso social. Ele é totalmente precário, não oferece nenhum direito trabalhista, nem contribuição previdenciária. É uma política que compete com a aprendizagem, já que a contratação com menos direitos gera menos impacto econômico para os empresários”, afirma a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora do Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Trabalho.
Veja o que propõe o Requip:
Vínculos empregatícios
Não há vínculo formal de trabalho e o programa prevê o pagamento de uma bolsa (metade bancada pela empresa, metade pelo governo), que vai ser de até R$ 550. O valor vai variar de acordo com a carga horária. Além disso, benefícios como o vale-transporte podem ser eliminados.
“Significa que não vai existir nenhum direito trabalhista. Isso tira direitos dos jovens e vai contra o que está no Artigo 227 da Constituição Federal, que diz que crianças, adolescente e jovens têm direitos, com prioridade, à lazer, saúde, educação e profissionalização”, explica Ana Maria.
Carga horária
A jornada de trabalho poderá ser de até 22 horas semanais.
Qualificação profissional
As empresas terão que, obrigatoriamente, ofertar qualificação profissional aos bolsistas. Porém, segundo Ana Maria, a carga horária é insuficiente e não há um planejamento sobre esse conteúdo.
“O Requip exige 180 horas de qualificação, que não chega aos pés da aprendizagem profissional necessária, e não há conteúdo pragmático. Nos contratos de um programa de Jovem Aprendiz, a carga horária teórica faz parte da jornada trabalho, se somando às atividades práticas”, afirma a procuradora.
Pontos negativos
O CIEE e outras 9 instituições que trabalham com qualificação e geração do primeiro emprego para jovens (confira a lista abaixo) criaram um documento se posicionando contra o Requip. Eles consideram o programa uma forma de trabalho desprotegida, inadequada e inviável.
Confira alguns pontos citados no documento:
Evasão Escolar: obter um emprego isoladamente é a melhor maneira de incentivar um jovem a parar de estudar. Pesquisa do Insper mostra que o Brasil perde R$ 283 bilhões por ano com a evasão escolar. Além da perda econômica, há as consequências sociais na vida do jovem.
Não atende as necessidades das empresas: além de não oferecer aos jovens garantias de qualificação profissional, não garante às empresas a contratação de mão de obra qualificada. Não é porque há um subsídio que necessariamente as empresas irão contratar.
Não traz segurança jurídica às empresas: por não estarem ancorados na legislação já existente para a contratação, os programas sugeridos pelo relatório não dão respaldo jurídico às empresas e não as protege de futuros processos trabalhistas referentes à benefícios que foram negados aos funcionários à época da contratação.
Acaba com a estrutura das Escolas Técnicas, as Escolas do Sistema S, o Programa Aprendiz e os Estagiários: existe hoje um processo de formação dos jovens que, se não funciona melhor, é por falta de incentivo, atenção e recursos. A maneira de consertar as falhas não é a destruição total do que existe para ser substituído por algo de resultado duvidoso.
Canibalização de vagas: os programas, como propostos, não garantem a criação de novas oportunidades de emprego. Pelo contrário, criam uma concorrência insustentável de trabalho desprotegido com modalidades já consolidadas e existentes – que continuam a enfrentar inexplicável resistência dos governos.
Além do CIEE, assinam o documento: Academia Paulista de Educação, Associação de Ensino Social Profissionalizante (Espro), Federação Brasileira De Associações Socioeducacionais de Adolescentes (Febraeda), Fundação Abrinq Pelos Direitos da Criança e do Adolescente, Gerar – Geração de Emprego, Renda e Desenvolvimento, Instituto Brasileiro Pró Educação, Trabalho e Desenvolvimento (Isbet), Instituto Saber de Aprendizagem, Rede Cidadã e Societá Formação Profissional.