MPRJ denuncia dois policiais civis por uma das mortes na operação do Jacarezinho

Promotores decidiram desmembrar as investigações, e outros policiais podem ser denunciados. Investida deixou 28 mortos. Moradores denunciam execução de suspeitos já rendidos.

Ricardo Moraes/Reuters

Policiais civis durante a operação no Jacarezinho, Zona Norte do Rio

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciou na noite desta quinta-feira (14) dois policiais civis por uma das 28 mortes da operação no Jacarezinho, em 6 de maio, considerada a mais letal da história do estado.

Os dois agentes responderão pelo óbito de Omar Pereira da Silva, no Beco da Síria. Um dos denunciados responderá pelos crimes de homicídio doloso e fraude processual (na forma prevista pela Lei de Abuso de Autoridade). Outro agente é acusado pelo crime de fraude processual.

Os policiais denunciados são Douglas de Lucena Peixoto Siqueira e Anderson Silveira. De acordo com a denúncia, Douglas cometeu homicídio e fraude e Anderson Silveira cometeu fraude.

As fraudes que teriam sido cometidas foram:

  • remoção de cadáver antes da perícia
  • apresentação falsa de uma pistola glock .40 e um carregador
  • inserção de uma granada que, segundo os policiais, estaria em posse de Omar

Na comunicação da ocorrência, os policiais afirmaram que a vítima, antes de morrer, atirou uma granada contra eles. Douglas admite no registro de ocorrência do caso que foi ele que atirou em Omar.

A denúncia aponta crime de homicídio qualificado por dificultar a defesa da vítima (que já estava encurralada, desarmada e com um tiro no pé) e fraudes na Lei 13.869, de 2019, artigos 23 e 25 (abuso de autoridade).

“Com tais condutas, os denunciados (…), no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestamente ilícito, com o fim de eximir (…) de responsabilidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude”, afirma um trecho da denúncia.

Omar foi atingido na lateral esquerda do torso. Segundo o MP, há vestígios de disparos de curta distância, que poderiam se explicar pelos disparos de fuzil, que ocorreram em um quarto de uma menina de 9 anos.

O MPRJ decidiu desmembrar as apurações, e outros policiais podem ser denunciados.

Operação da Polícia Civil no Jacarezinho foi considerada a mais letal do RJ — Foto: Reuters

Operação da Polícia Civil no Jacarezinho foi considerada a mais letal do RJ — Foto: Reuters

28 mortos e indícios de execução

Em nove horas de incursão na comunidade, 28 pessoas foram mortas — 27 homens que, segundo a polícia, eram “todos criminosos” e um policial civil. Mas testemunhas afirmaram que muitas das vítimas foram executadas quando já tinham se rendido — o que teria sido o caso de Omar.

Laudos da necropsia atestam, por exemplo, que um dos corpos recebeu um disparo a uma curta distância e que outros quatro foram atingidos pelas costas.

Há uma semana, o g1 mostrou que quatro agentes da Polícia Civil eram investigados pela força-tarefa do MPRJ — criada dias após a operação.

Segundo o órgão, ao todo, 24 agentes estatais constavam em ocorrências com morte em 12 pontos do Jacarezinho naquele 6 de maio.

A morte de Omar

Omar Pereira da Silva foi preso em 2018 e conseguiu a liberdade provisória em 2019. Tinha passagens por crimes de tortura roubos em ônibus. Foi morto no Beco da Síria. Segundo a polícia, teria atirado e jogado uma granada contra os policiais.

Testemunhas negam a versão policial e dizem que o suspeito estava desarmado e ferido quando foi encontrado pela polícia em uma casa na favela.

A vítima estava no local para se esconder, quando o imóvel foi invadido e a vítima assassinada, segundo os relatos. Uma menina de 9 anos, que mora na casa, presenciou a cena e ficou traumatizada.

Testemunhas dizem que ele já foi levado morto pela polícia, o que aponta para indícios de desfazimento da cena do crime.

Omar deixou uma namorada, com quem tinha um filho de 1 ano de idade.

“O trabalho só pôde ser realizado por conta da autonomia e independência do Ministério Público. Essa é apenas a conclusão de um dos casos investigados. As circunstâncias de outras mortes continuam sendo investigadas”, concluiu o promotor da força-tarefa, André Luís Cardoso.

 

Omar, morto em operação no Jacarezinho — Foto: ReproduçãoOmar, morto em operação no Jacarezinho — Foto: Reprodução

O que diz a polícia

A Secretaria de Estado de Polícia Civil informou, em nota, que o inquérito que apura o fato ainda está sendo finalizado pela Delegacia de Homicídios da Capital.

“A DHC acabou de receber do MP as oitivas de testemunhas e aguarda o laudo de confronto para encaminhar seu relatório final ao Ministério Público”, disse.

“Os policiais foram denunciados em procedimento próprio do MP, antes de finalizada a investigação no inquérito policial. A Polícia Civil só irá se manifestar no mérito após análise de todos os depoimentos e a chegada dos laudos periciais”, emendou.

O que a polícia foi fazer no Jacarezinho?

Para a Operação Exceptis, foram mobilizados agentes de diferentes delegacias, com apoio da Core, a tropa de elite da Polícia Civil. O objetivo era investigar o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, como assassinatos, roubos e até sequestros de trens da Supervia.

A polícia afirmou, na ocasião, que o tráfico da região adotava táticas de guerrilha, com armas pesadas e “soldados fardados”.

No dia da operação, o delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil, disse não considerar que houve erros ou excessos na operação.

“A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de investigação”, afirmou o subsecretário operacional da Polícia Civil.

Casa de mulher de 50 anos ficou repleta de sangue após ação policial no Jacarezinho — Foto: ReproduçãoCasa de mulher de 50 anos ficou repleta de sangue após ação policial no Jacarezinho — Foto: Reprodução

Depoimentos e perícia complementar

Um dos objetivos do grupo de trabalho dos promotores era investigar a versão de legítima defesa alegada pelos policiais. A justificativa foi informada em diferentes registros de ocorrência.

Até a semana passada, o MPRJ tinha ouvido 44 testemunhas.

Para fazer sua investigação, além de contar com uma nova perícia feita em São Paulo, a força-tarefa solicitou à polícia uma série de informações que não constavam nos registros de ocorrência feitos após a operação. Entre as informações estavam:

  • Apreensões feitas na operação;
  • Documentos sobre as armas usadas pelos policiais;
  • Detalhes sobre o planejamento operacional;
  • Relatório final da investigação.

Em setembro, agentes do MPRJ foram ao Instituto Médico-Legal (IML) para tentar pegar pertences de 27 dos 28 mortos na operação. Os objetos, como roupas, ficavam acautelados no IML pela Polícia Civil desde a investida. Todo o material seria encaminhado para a perícia independente e complementar.

O MPRJ já havia feito à polícia uma solicitação para recuperar os itens. Como o pedido foi ignorado, os promotores foram à Justiça e obtiveram uma liminar.

Depois de passarem no IML – onde a princípio estariam os itens –, os agentes do MP foram ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) e também à Delegacia de Homicídios, onde encontraram os itens.

Fonte: g1

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