Ministro diz não interferir no Enem e atribui debandada de servidores do Inep a discussão sobre gratificação; entidade nega

Funcionários relataram ao g1 pressão ideológica na formulação da prova. Ao comentar a situação, Bolsonaro disse que as questões do Enem "começam agora a ter a cara do governo"

G1

Ministro da Educação, Milton Ribeiro

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse nesta terça-feira (16) não haver interferência do governo na elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e atribuiu os recentes pedidos de demissão em massa de servidores do Inep ao pagamento de gratificações. Entidade que representa funcionários nega que a discussão tenha interesse financeiro por trás.

Às vésperas do exame, que acontece no dias 21 e 28 de novembro, 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação da prova, pediram para deixar os cargos ou funções comissionadas que ocupam no instituto.

Parte dos funcionários relata ter havido uma tentativa de interferência política na formulação do Enem 2021 para evitar questões polêmicas que eventualmente incomodariam o governo Bolsonaro, conforme mostrou o g1.

O que acontece é o seguinte: entra um grupo, que é um grupo de funcionários dentre um colegiado, que é um colegiado de bons funcionários públicos do Inep, e que tiveram lá uma discussão a respeito de uma gratificação a mais. Essa é a questão. Isso é um assunto que é administrativo. Não tem nada a ver com prova de Enem”, disse Ribeiro após uma reunião com o ministro da Justiça, Anderson Torres, para tratar da segurança do exame.

Segundo o ministro da Educação, a situação não tem qualquer relação com a prova do Enem. “Então, quando a gente vê toda essa discussão às vésperas do Enem, nada com educação, nada com as provas, tudo a ver com a questão administrativa, de pagamento ou não de gratificação“, disse.

O presidente da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), Alexandre Retamal, contestou as declarações de Ribeiro e negou que os servidores tenham tomado essa atitude de pedir demissão dos cargos por “interesse financeiro”.

“Os servidores do Inep não tomaram essa atitude por interesses sindicais nem por interesse financeiro. Os servidores tomaram essa atitude – e esse movimento continua dentro do Inep, com servidores se manifestando – porque hoje o Inep vive em um ambiente de desconfiança, insegurança e de insatisfação, que só foi comprovado pela forma como o presidente do Inep [Danilo Dupas]se comportou na Câmara e pelas próprias declarações do presidente da República”, afirmou Retamal.

Sem acesso prévio às provas

Ribeiro afirmou ainda que nem ele, nem o presidente do Inep, Danilo Dupas, e, “muito menos o presidente da República”, teve acesso prévio às provas.

“Zero de interferência. Essas provas já estão impressas há meses. E tem um banco de questões elaborados por técnicos. Nem eu, nem o presidente do Inep, muito menos o presidente da República, que, a rigor, nós três somos autoridades, respondemos, poderíamos até ter acesso às provas. Nenhum de nós teve acesso. Nenhum de nós escolheu pergunta alguma ou determinamos. Se vocês me perguntarem hoje: qual é que o tema da redação? Vou ficar devendo pra vocês”, afirmou.

Na segunda-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro, ao ser indagado sobre a situação vivida no Inep, disse que as questões do Enem “começam agora a ter a cara do governo”.

“O que eu considero muito também: começam agora a ter a cara do governo as questões da prova do Enem“, afirmou Bolsonaro em viagem a Dubai. “Ninguém precisa ficar preocupado. Aquelas questões absurdas do passado, que caíam tema de redação que não tinha nada a ver com nada. Realmente, algo voltado para o aprendizado.”

Diante da crise no Inep, a Comissão de Educação na Câmara dos Deputados pretende convocar o ministro para prestar esclarecimentos acerca das denúncias de censura na prova.

Na semana passada, o presidente do Inep já havia comparecido ao colegiado e negado interferência na elaboração do exame.

Críticas ao Enem e ameaças de ‘intervenção’

Durante o governo Bolsonaro, houve episódios de críticas a questões do Enem (por motivos ideológicos) e tentativas de interferir no conteúdo da prova.

Veja abaixo:

  • Em 2018, Bolsonaro protestou contra uma pergunta do Enem sobre o dialeto de gays e travestis (pajubá) e chegou a dizer que tentaria “tomar conhecimento” do conteúdo do exame no ano seguinte.
  • Em 2019, o Inep criou uma comissão para fazer uma “leitura transversal” das questões que compõem o Banco Nacional de Itens do Enem. O objetivo era “verificar a pertinência com a realidade social” das perguntas.
  • À época, “O Globo” revelou, por exemplo, que o termo “ditadura” seria substituído por “regime militar”, em um item da prova de Linguagens, Códigos e suas tecnologias.
  • Em 2020, uma pergunta sobre as diferenças salariais entre os jogadores de futebol Neymar e Marta gerou reprovação do presidente. Na ocasião, ele afirmou que a prova tem questões “ridículas”.

Em 2021:

  • Depois disso, foi a vez de o ministro da Educação, Milton Ribeiro, falar em ter acesso prévio ao Enem. Ele voltou atrás após críticas de “censura”.
  • Em junho de 2021, a “Folha de S.Paulo” teve acesso a documentos que revelavam a intenção de o Ministério da Educação (MEC) criar uma comissão permanente para revisão ideológica da prova. O plano não foi concretizado após a repercussão negativa.
  • Em outubro, o Ministério Público Federal recomendou que o Inep não criasse a “comissão ideológica”, considerando que a “pretensa neutralidade ideológica da proposta, na verdade, pode esconder um conjunto de ideias contrárias ao pluralismo de ideias e à liberdade de expressão”.
  • O g1 apurou que, em resposta ao MPF, o Inep disse em 8 de outubro que “não tem previsão de criar a comissão” e que, por isso, “está atendendo à recomendação” do órgão. O posicionamento está em análise no Ministério Público.

Terceirização do acervo de questões:

  • Também neste ano, em agosto, um documento revelou que o Inep estuda a possibilidade de terceirizar a formulação de perguntas do Enem e a “calibragem” dos níveis de dificuldade da prova.
  • Servidores temem que o instituto perca o controle da composição das provas e não consiga impedir que interessados obtenham “vantagens ilícitas” ao participarem da composição das questões.
Fonte: g1

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