Alexandre Abrão, filho de Chorão, parece ter mais dias de luta do que dias de glória ao administrar o legado do Charlie Brown Jr. A história conturbada do pai se repete com ele.
O capítulo mais recente é a saída dos guitarristas Marcão e Thiago Castanho de projetos envolvendo a antiga banda.
O filho diz que sempre concordou com as demandas dos ex-colegas do pai, e que os dois tentaram registrar marcas da banda e até entraram com um processo na justiça sem conversar com ele antes. Ao desabafar com o g1, Alexandre também revela outros desafios da sua atividade:
- Ele diz que o pai queria seguir carreira solo em 2005, quando a banda brigou, mas o presidente da gravadora EMI o impediu: ‘Tu é o Charlie Brown, não é o Chorão’.
- Chorão comprou os direitos da banda dos outros músicos. Para levantar o dinheiro, fez uma dívida ‘impagável’ com a gravadora, diz o filho. Ele afirma que dívida é descontada até hoje.
- Ele afirma que Thiago e Marcão romperam com ele em 2021 sem querer conversar, e que uma reconciliação depende dos dois.
- Alexandre diz que, em 2016, foi trancado por Thiago em um banheiro, e o guitarrista colocou o dedo na sua cara e falou: ‘Vou tirar o nome do Charlie Brown de você’.
- Segundo ele, o guitarrista fez a ameaça após ver que a turnê dos ex-músicos da Legião Urbana foi bem-sucedida sem a participação do filho de Renato Russo.
- Ele diz que considera uma honra cuidar do trabalho do pai, mas que já viu isso como um fardo e que faz acompanhamento psicológico desde a morte do pai, em 2013.
O g1 procurou Thiago e Marcão para comentar as declarações de Alexandre, mas não teve retorno. Os dois publicaram duas notas no Instagram justificando a saída do projeto
Leia abaixo os principais momentos da entrevista com Alexandre Abrão:
g1 – Como é seu trabalho no legado do seu pai? Isso consome todo o seu tempo?
Alexandre – Hoje eu fico praticamente 100% do tempo focado no Charlie Brown. É 24 horas por dia, 7 dias por semana, não tenho feriado nem final de semana. Como a gente lida com entretenimento, música, vídeo, rede social, é sempre uma coisa madrugada adentro e de manhã cedo continua.
g1 – O que era o projeto que envolvia o Marcão e o Castanho antes de vocês se desentenderem?
Alexandre – Estava continuando um projeto que eu criei lá em 2014, de devolver o Charlie Brown Jr aos palcos com os músicos. Eu sinto falta dos fãs do Charlie Brown, da energia que os meninos tinham no palco em conjunto.
Porque o Charlie Brown não era o trabalho do meu pai, era a vida dele. Dando continuidade ao legado dele, continua a história dele também. A banda em si acabou em 2013, mas o legado é eterno. Quanto mais eu trabalhar e levar o Charlie Brown de volta, mais tempo meu pai vai ser lembrado.
g1 – Justo agora, quando os eventos começaram a voltar, vocês brigaram. O que que aconteceu? Por que eles saíram?
Alexandre – Para ser sincero, não sei. Falam que eu não fui uma coisa, não fui outra, que eu fui mesquinho. Mas a verdade é que eu nunca fui contatado por eles para absolutamente nada. Ninguém falou: ‘Preciso que você faça isso, senão vou sair.’
Em julho, o Thiago e o Marcão deram entrada no INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial] com marcas que meu pai já tinha: “CBJR”, “C.Brown Jr.”
Até “Charlie Brothers”, que meu pai não tinha. Pô, “Charlie Brothers” (risos).
Eram coisas assim: “Charlie Brown 30 anos”, Charlie Brown isso e aquilo. Eu falei: ‘gente, o que que tá acontecendo?’
Ao mesmo tempo, comecei a ter uma discussão com o empresário da época, o Branco. Ele vinha botando uma pressão em cima de mim para eu licenciar o nome do Charlie Brown Jr. para ele. Trabalho com licenciamento desde 2013, sei que não é assim.
A banda sempre foi feita através do escritório do meu pai. Sou sócio do escritório do meu pai desde antes de ele falecer.
g1 – Se o nome “Charlie Brown Jr” não está registrado no INPI, apenas estes termos relacionados, o que fez do seu pai, e agora você, donos da banda?
Alexandre – Em 2005, quando teve a ruptura do Charlie Brown e saiu o Champignon, Marcão e Pelado, meu pai queria fazer um projeto solo chamado Chorão Skate Vibe. Só que ele tinha um contrato muito pesado com a EMI [a gravadora foi incorporada pela Sony].
O Mainardi, que era presidente da gravadora, falou: ‘Pô, você vai fazer projeto solo o caral**! Tu é o Charlie Brown, tu não é o Chorão’. Aí meu pai comprou dos outros músicos os direitos artísticos, de marca, de imagem. Através disso ele virou o dono da banda.
Desde que meu pai faleceu, uma das pessoas que trabalhava com o meu pai falava: ‘O Chorão tem uma dívida impagável com a EMI’. Até hoje essa dívida impagável está aí. A gente paga de pouquinho em pouquinho, porque retém os direitos artísticos. Isso é uma coisa que ninguém sabia.
g1 – Vocês pagam ainda essa dívida com parte dos direitos que a obra do Chorão arrecada?
Alexandre – Na verdade não paga. A EMI simplesmente retém e a gente não vê esse dinheiro. As pessoas falam: ‘Ah, chove dinheiro’. Não é assim.
Meu pai, para comprar [os direitos dos outros músicos], tomou uma dívida da EMI de advanceds [termo que se usa no mercado musical para falar de pagamentos adiantados de gravadoras aos músicos]. Para quitar a compra com o Marcão, o Champignon e o Pelado.
O Thiago já tinha saído da banda antes. Com essa ruptura, para fazer voltar o Charlie Brown, ele chamou o Thiago de volta. Porém, como contratado. Todos os músicos que entraram no Charlie Brown Jr desde 2005 eram contratados.
g1 – Então vocês estão pagando até hoje dívida de ‘advanced’ de gravadora?
Alexandre – Não só dívida de ‘advanced’ da EMI. A gente paga todos os problemas jurídicos. Porque o Charlie Brown tem problemas jurídicos da época do meu pai. Tem diversos processos.
g1 – Já faz muito tempo para ainda ter dívida com gravadora. Você tem uma previsão de quando termina ou quanto falta para pagar?
Alexandre – Eu cuido da parte bacana da coisa. Que fica aqui até não sei que horas editando vídeo para entrar no YouTube, no Instagram e no telão do show. A parte do dinheiro, para mim, sinceramente não faz muita diferença.
g1 – Você vê alguma possibilidade de eles voltarem ou já está trabalhando com a perspectiva de não ter o Thiago e o Marcão?
Alexandre – Não depende de mim, depende de eles atenderem o telefone ou me ligarem. Porque eles me processaram e eu continuei tentando falar. Quando fui tentar falar com eles, três dias depois eles foram no público e falaram: ‘A gente está saindo’.
‘Gente, vocês estão me processando e mesmo assim eu estou aqui. Vamos conversar.’
Tudo que eles pediram eu abri um pouco as pernas. ‘Eu quero cachê de tanto’. Tá bom. ‘Eu quero ter a possibilidade de fazer uma marca Charlie Brown Jr. com meu nome, para fazer merchandising.’ Tá bom, não tem problema. ‘Eu quero isso, aquilo’. Beleza.
Eu quero muito fazer a turnê para comemorar os 30 anos da vida do meu pai. Eu sou uma pessoa que não gosta de briga, mas não depende de mim.
g1 – Mas você acha possível fazer a turnê sem eles? Porque eles não conseguem fazer com você, e não sei se você consegue fazer sem eles.
Alexandre – Eu gosto de trabalhar as coisas bacanas. Tem uma história linda do meu pai, do Champignon, do Marcão, do Thiago.
Eu boto no Google, e em vez de aparecer uma coisa legal, aparece: ‘Membros do Charlie Brown arrumam barraco com filho do Chorão’. Primeiro, eu não quero ficar como ‘filho do Chorão’. Eu fico atrás. Eu sou uma pessoa tímida. Fiquei oito anos para começar a falar sobre a vida pessoal com um repórter.
Minha vida é minha vida. Eu fico aqui, jogo meu videogame, tomo meu café, gosto de Elton John. Eu tô aqui quietinho. É muito triste ver que, por causa deles, de eles estarem fazendo isso, o nome do Charlie Brown Jr. está sendo puxado junto para essa briga.
Porque o Charlie Brown não era só briga. Ele tem muita história de amor e superação.
g1 – Mas o Chorão também teve essa relação difícil com os músicos. Tanto que eles saíram e voltaram. Você acha que, de alguma forma, está repetindo a relação do seu pai e entrando nesse ciclo do qual ele mesmo não conseguiu sair?
Alexandre – Realmente, meu pai sempre levou o Charlie Brown Jr como uma coisa muito dele. ‘É do meu jeito e vai ser do meu jeito’. Eu não penso assim. Menos de um mês depois que meu pai faleceu, numa reunião na casa da ex-mulher do Thiago para falar sobre o futuro da banda, eu falei: os caras são músicos, é isso que eles sabem fazer. Tem que tocar.
Estamos editando um livro que meu pai começou. Sempre que brigava com alguém, ele falava: ‘Não quero mais o cara no livro’. Ia lá e riscava o rosto das fotos. Uma dessas pessoas foi o Heitor. Eu não concordo. Peguei o telefone e falei:’ Heitor, meu pai te tirou, mas quero te colocar, porque você faz parte da história’.
Charlie Brown era a vida do meu pai, e sempre vou continuar trabalhando dessa forma. Seja com eles de preferência, ou seja sem eles.
g1 – Há um peso de ter ficado com esse legado? Para você é uma coisa difícil, nem sempre boa?
Alexandre – Tem coisa que é legal e coisa que é chata. Mas sempre que alguém vem falar de Charlie Brown comigo é uma honra. Se eu estou aqui hoje trabalhando com as coisas do meu pai, se ele foi quem foi, foi por causa dos fãs, dos amigos, das brigas, disso tudo.
Pode ser visto, sim, como um fardo para alguns. Eu, inclusive, já pensei dessa maneira. Desde o falecimento do meu pai eu faço acompanhamento psicológico, obviamente. Mas tudo que envolve Charlie Brown Jr, mesmo que for pesado, é parte de mim.
O problema é que o Thiago sempre foi uma pessoa muito pesada.
Em 2016, o cara me trancou dentro de um banheiro, e o cara que trabalhava para ele, segurança, ficou segurando a maçaneta para eu não sair. E o cara botou o dedo na minha cara para falar: ‘eu vou te processar. Vou tomar o nome do Charlie Brown de você’.
E eu sempre tentei relevar. Inclusive quando eu fui falar com ele de novo em 2019, foi tipo: Thiago, eu não quero falar de Charlie Brown, você era amigo do meu pai, eu quero ter uma relação saudável com você. Dessas conversas vim percebendo que ele queria voltar a tocar.
Sempre foi prometido: qualquer contrato que for feito você vai ter acesso. Qualquer número bancário, vai ter acesso. Sempre foi assim, pelo menos comigo. Meu pai não. Meu pai era: fechei aqui, show tal, tá aqui sua passagem aérea, te vejo lá.
Fico chateado, porque me mostra o Thiago de verdade. Porém, de novo, o cara era amigo do meu pai, que também tem sua história. Vou continuar tratando ele bem, com carinho.
E se a turnê do Legião Urbana foi extremamente bem-sucedida sem o Renato Russo e fez ele entrar naquela mentalidade de ‘ eu vou tirar o bagulho de você’…. (suspira) Eu não posso fazer nada. Eles me processaram sem falar comigo, anunciaram uma ruptura sem eu saber. Estou tipo mulher do outro, sempre sabendo depois.
Me surpreendeu o Marcão ter entrado nessa. O Marcão sempre falou: o Chorão é o dono do Charlie Brown e o Xande representa o Chorão. Falava: ‘Thiago, para com essas ideias’.
O Marcão, inclusive, não estava falando com o Thiago quando ele voltou. Tem umas trocas de e-mails os dois batendo boca engraçado. ‘Ah, porque eu sou Charlie Brown desde 1993’. E o Marcão fala que é desde 1992. Aí eu penso: ‘Tá, o Charlie Brown era o Chorão, e eu sou de 90. Então eu sou Charlie Brown desde 1990’ (risos).
Notas de Thiago e Marcão:
Os guitarristas divulgaram duas notas no Instagram quando saíram do projeto com Alexandre. “Infelizmente, o ego, a vaidade e a ganância falaram mais alto que uma parceria coerente e honesta, fazendo com que a gente tome a decisão de nos desligar da tour anunciada e de qualquer outro projeto que esteja vinculado ao Alexander, filho do Chorão, e suas empresas”, diz a 1ª nota.
“Diferente do que foi contado, NÃO se trata de querermos o nome, mesmo sabendo que ele não pertence a essas pessoas! Vale lembrar que não existe o registro do nome Charlie Brown Jr no INPI, o que assim não dá direito a ninguém se dizer dono de tal “marca” como no texto é mencionado. Não iremos aceitar ameaças e coações da empresa e representantes ligados ao Alexandre, filho do Chorão. Temos o direito de tocar nossas músicas com quem e como a gente quiser!”, diz a 2ª nota.