“Não existe a menor chance de aliança com o PT. Vou disputar e vencer o segundo turno, para recuperar os empregos que eles destruíram saqueando o Brasil. Jamais terão meu apoio para voltar à cena do crime.”
A frase de pouco mais de três anos atrás dita por Geraldo Alckmin contrasta com o abraço que o então candidato ao Planalto em 2018 deu no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último domingo (19).
Alckmin, que deixou o PSDB após mais de 33 anos, apareceu publicamente com Lula em um jantar promovido por advogados. O evento foi visto pelo mundo político como mais que uma simples reconciliação: estão a todo vapor as articulações para o petista ter Alckmin como companheiro de chapa pela disputa à Presidência em 2022.
O encontro no jantar revela uma relação bem diferente entre Lula e Alckmin, marcada por um histórico de críticas e embates nas últimas décadas. Relembre alguns:
Escândalos de Corrupção
Lula e Alckmin se enfrentaram diretamente em debates na disputa eleitoral de 2006, quando o petista tentava se reeleger e Alckmin era o candidato tucano ao Planalto.
No debate promovido pela RecordTV naquele ano, Alckmin afirmou que o governo Lula tinha duas marcas, “parado na economia e acelerado nos escândalos”. Ele fazia referência ao Mensalão, escândalo de corrupção que explodiu no ano anterior, em que o governo Lula foi acusado de pagar congressistas em troca de votos.
Alckmin questionou Lula sobre as acusações. Afirmou que o governo dele tinha “cinco ministros denunciados pelo Ministério Público, pela Justiça ou pela polícia”. “É coincidência tudo isso?”, perguntou.
No debate da Band, ainda em 2006, o petista questionou Alckmin sobre uma suposta acusação de corrupção contra Barjas Negri, ex-ministro da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), envolvendo irregularidades na pasta.
“Logo que deixou o ministério, o senhor Barjas Negri se tornou seu secretário de Educação. Me diga uma coisa, o senhor sabia ou não sabia das transações obscuras do senhor Barjas Negri quando o convidou?”, questionou. Alckmin respondeu que não tinha em seu governo secretários indiciados por corrupção.
Alckmin afirmou que “quem não tem moral para falar de ética é o governo Lula”, e foi questionado sobre CPIs pela Assembleia Legislativa de São Paulo ligadas à gestão do político. “69 pedidos de CPIs foram engavetados. A que preço eu não sei”, afirmou o petista.
Segurança pública, PCC e dossiê
Também no debate presidencial da Band de 2006, Alckmin questionou Lula sobre a apreensão de R$ 1,75 milhão pela Polícia Federal que supostamente seria usado pelo PT para elaborar um dossiê contra o PSDB.
Em resposta, Lula disse: “não sou policial, sou presidente da República”. O petista afirmou ainda que “possivelmente o governador ainda tenha saudade do tempo da tortura, porque em meia hora de prisão já se sabia quem era o mandante do crime”.
Em embates sucessivos, Lula e Alckmin criticaram suas respectivas políticas de segurança pública.
“O governo Lula se omitiu e abriu mão da segurança pública. Levou quatro anos para fazer um presídio que só tem 30 presos”, afirmou Alckmin em visita a uma feira de agronegócio na campanha de 2006, um dia após a Polícia Federal ter descoberto e prendido um grupo de 29 pessoas que cavavam um túnel que daria acesso aos cofres de dois bancos no centro de Porto Alegre.
A campanha do petista, por outro lado, centrava as críticas sobre os índices de violência em São Paulo, com a expansão da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). “Todos sabem que São Paulo ficou vários dias sob o comando do PCC”, afirmou na reta final da campanha o então presidente do PT, Marco Aurélio Garcia.
No último debate do segundo turno, na TV Globo, em outubro de 2006, o assunto voltou ao centro das discussões. “A perfeição da polícia de São Paulo resultou no PCC”, disse Lula a Alckmin, que afirmou que a organização não era ligada ao PSDB.
“A quadrilha do PCC está em presídio de segurança máxima. A quadrilha que o procurador-geral da República [Antonio Fernando Souza] denunciou está toda solta”, afirmou Alckmin em referência ao Mensalão.
Operação Lava Jato
Dez anos depois, novas críticas, desta vez, no âmbito na Operação Lava Jato, da Polícia Federal. “Eu acho que o Lula é o PT. O Lula é o retrato do PT, partido envolvido em corrupção, sem compromisso com as questões de natureza ética, sem limites. É muito triste o que estamos vendo”, disse o então governador.
Segundo ele, “o que a sociedade espera é que seja apurado com absoluto rigor e se faça justiça.”
No mesmo ano, 2016, Alckmin acusou Lula de usar “subterfúgios” para fugir da Justiça. Ao comentar uma nova fase da Operação Lava Jato que envolveu uma medida de condução coercitiva para o ex-presidente prestar depoimento, Alckmin afirmou que “ninguém está acima da lei”.
“O presidente Lula se vangloriava de que, pela primeira vez na história do Brasil, a polícia tem independência para poder investigar. Então não pode agora usar de subterfúgios para fugir da Justiça. Isso é inadmissível”, afirmou Alckmin em entrevista coletiva.
Quatro anos depois, em 2018, era a vez do ex-governador ser implicado na “Lava Jato paulista”, quando foi investigado pelo Ministério Público de São Paulo após delação de executivos da Odebrecht.
O fato de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter enviado para a Justiça Eleitoral de São Paulo a investigação contra Alckmin foi classificada como “escândalo” pela liderança do PT na Câmara.
“É inadmissível que, de maneira irregular, essas acusações tenham sido retiradas do âmbito da Lava Jato e tenham sido destinadas para investigação no âmbito da Justiça Eleitoral de São Paulo. É algo gritante do ponto de vista da seletividade. Ao longo dos últimos anos, inúmeras situações semelhantes a essa, envolvendo especialmente lideranças ligadas ao Partido dos Trabalhadores, não tiveram esse tratamento”, afirmou o então líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS).
Processos no STJ e TSE
A disputa entre os políticos ultrapassou ataques verbais e, em alguns casos, foi parar na Justiça. Em 2013, Alckmin e o senador licenciado de São Paulo, José Serra (PSDB), processaram o Partido dos Trabalhadores alegando que algumas charges que retratavam ambos no site do PT lhes atribuíam “a prática de receber propina e condutas correlatas, fatos que configuram corrupção passiva e peculato”. Os tucanos afirmaram no processo ter a honra ferida com a publicação.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgou improcedente a ação de indenização movida pelos políticos, alegando que, como figuras públicas, eles se expõem a críticas mais acirradas. Alckmin e Serra, então, entraram com um recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O órgão, porém, manteve a decisão.
As brigas de campanha em 2006 deixaram ainda o horário eleitoral e se transformaram em processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Alckmin ganhou um direito de resposta durante o tempo de propaganda do ex-presidente Lula na TV. O TSE, concedeu o tempo após uma propaganda da coligação de Lula que dizia que “na hora de falar de ética, Geraldo Alckmin não deveria ser tão assim arrogante”.
A propaganda citava os 69 pedidos de abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que foram rejeitados na Assembleia Legislativa paulista (Alesp) durante o primeiro mandato de Alckmin. Entre elas, estava a investigação do gasto de R$ 900 milhões sem licitação, na obra da calha do Rio Tietê.
O pedido foi concedido porque fazia referência direta ao nome de Alckmin. Lula também chegou a pedir dois direitos de resposta ao tribunal.
Outro pedido de resposta ocorreu após a veiculação de propaganda do então tucano, que reuniu falas de Lula da época da campanha de 2002 e de momentos do escândalo do Mensalão. A defesa do presidente argumentou que ele foi injuriado, mas o TSE rejeitou o pedido por não ter visto vínculo direto ao petista.
Em outro episódio o direto de resposta foi atendido. Após decisão da Justiça Eleitoral, a rádio CBN concedeu quatro minutos de resposta a Lula após Alckmin compará-lo, em uma entrevista à radio, a um “ladrão de carros”. Alckmin também havia afirmado, em referência ao Mensalão, que “o que nós estamos vendo no governo federal é uma sofisticada organização criminosa”.
Em outro pleito, de 2018, Alckmin lançou uma campanha que incluía trechos da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, que atuou nos governos do PT e foi acusado no âmbio da Operação Lava Jato de participar em uma esquema de corrupção envolvendo a Petrobras.
Durante a exibição da peça, um locutor classificava a delação como um “escândalo”, e afirma que ela seria a prova de que o ex-presidente Lula “sabia de tudo”. “Um país feliz de novo, só se for para os corruptos. Se o PT voltar, a corrupção vai continuar”, dizia a propaganda. Neste caso não houve pedidos de direito de resposta.
Impeachment
Geraldo Alckmin se posicionou contra pedido de impeachment de Lula no episódio do Mensalão. Mas teve outra posição tempos depois, quando defendeu o processo de afastamento de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Alckmin pediu publicamente que as contas da então presidente fossem analisadas com celeridade.
“O país dará um grande demonstração de maturidade e de fortalecimento das instituições se investigar, punir, cumprir a constituição e tudo funcionando. Não pode parar o país e agravar ainda mais o quadro econômico”, disse à época.
No mesmo ano, após denúncias de suposto caixa dois em campanhas tucanas, o PT ameaçou ingressar com pedido de impeachment contra o então governador paulista — mas ficou na ameaça. Alckmin e os tucanos foram apenas alvos de uma dura nota do Partido dos Trabalhadores.
“São hereges dissimulados, discursam como paladinos da moralidade, ludibriam a opinião pública, sustentados na blindagem construída ao longo do tempo, por meio da maioria quase absoluta no parlamento estadual, e com a parcimônia de amplos setores da imprensa e alguns integrantes do Ministério Público, como se vê constantemente procuradores sendo alçados ao cargo de secretários de estado”, afirmou a bancada do PT, em nota.
‘Insosso’, ‘exterminador de emprego’
Entre ataques mais pesados e até apelidos mais leves, Lula e Alckmin não economizaram nos adjetivos negativos entre eles nos últimos tempos.
Durante um evento de campanha em 2014, Lula criticou o governador, acusando-o de fugir de responsabilidades pelos problemas do estado de São Paulo.
“Não é à toa que esse governador tem apelido de picolé de chuchu. É insosso, como se fosse comida sem sal. Nunca fala de nenhum problema do Estado, nunca responde por nada”, disse Lula.
No debate da Band de 2006, Lula chegou a chamar Alckmin de “leviano”, e o ex-governador pediu “respeito” ao oponente. A troca de farpas ocorreu quando o ex-governador perguntou para Lula sobre gastos do presidente com o cartão de crédito corporativo.
Lula respondeu: “Não seja leviano, não seja leviano, pergunte isso ao FHC [Fernando Henrique Cardoso]”. Alckmin, então pediu “respeito”, apontando o dedo para o petista.
Outra crítica ocorreu em uma entrevista no mesmo ano, quando Alckmin se referiu a Lula como um “exterminador de emprego”. Segundo ele, as políticas de juros e câmbio da época iam na contramão de modelos para geração de empregos.
Alckmin também rebateu uma afirmação de Lula de que os integrantes do PSDB “vomitam preconceito”: “O presidente anda bravo, inclusive injusto, dizendo que os tucanos, acho que se referindo ao Serra, vomitam preconceito. É uma coisa totalmente injusta”.