Em busca de acordo, relator no Senado deve mudar projeto que flexibiliza acesso a armas

Proposta altera o Estatuto do Desarmamento e é alvo de discussões no Congresso. Senador Marcos do Val diz que vai rever trecho que retira obrigação de rastreamento de munição.

Relator do projeto que altera o Estatuto do Desarmamento e flexibiliza o acesso a armas de fogo por caçadores, colecionadores e atiradores – os chamados CACs –, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) avalia fazer algumas concessões ao texto em busca de um acordo no Senado.

Imagem meramente ilustrativa

A proposta foi apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019 e aprovada pela Câmara em novembro daquele ano. Desde então, aguarda a análise dos senadores. O governo incluiu o projeto entre os 45 prioritários para serem aprovados em 2022.

No fim do ano passado, houve um esforço para que o tema fosse votado a toque de caixa nas últimas sessões do Senado, mantendo na íntegra o texto dos deputados. Em meio a divergências, no entanto, a análise foi adiada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para ser retomada neste ano – o que ainda não aconteceu.

Em entrevista ao g1, o senador Marcos do Val disse que vai se reunir, no fim deste mês, com senadores para ouvir os questionamentos, avaliar possíveis mudanças e discutir se o projeto deve ou não avançar.

“Pretendo estudar se, politicamente, é um ano para se falar disso, já que é um ano eleitoral. A gente precisa debater com questões técnicas, e não ideológicas”, afirmou.

Atualmente, não há regras específicas para colecionadores, caçadores e atiradores no Estatuto do Desarmamento. As normas em vigor foram definidas em decretos editados por Bolsonaro em 2019. Esses textos flexibilizaram a compra e o uso das armas no país.

Os decretos do presidente são questionados no Supremo Tribunal Federal – que já impôs, em decisão liminar, a derrubada de alguns trechos.

Senadores contrários e favoráveis ao projeto de lei afirmam que manter as regras apenas em decretos, sem lei ordinária, gera insegurança jurídica no tema. Ainda não há consenso, no entanto, sobre o teor de uma eventual lei sobre esse assunto.

Rastreamento de munição

Um dos pontos de maior discórdia é o trecho do projeto que elimina a necessidade de marcar a munição e identificar as armas de fogo.

Nota técnica divulgada pelos institutos Igarapé e Sou da Paz afirma que a medida fragiliza a rastreabilidade das armas e de munições roubadas ou desviadas – o que acabaria beneficiando as atividades ilegais.

O senador Marcos do Val informou que deve fazer alterações no texto para rever esse ponto. “Concordo em alterar a questão das munições, para que continuem sendo rastreáveis”, afirmou.

O próprio relator diz ser contra a alteração, mas afirma estar disposto a fazê-la em busca do acordo.

‘Terrorismo’ e quantidade de armas

A identificação das armas e da munição não é o único ponto polêmico. O projeto de lei também altera o Código Penal e endurece a punição para os crimes de porte e posse ilegal de armas.

Se a arma envolvida na conduta for de uso proibido para civis – por exemplo, de uso exclusivo das Forças Armadas –, o texto propõe equiparar o caso ao crime de terrorismo e impor prisão de até 30 anos.

Durante os debates, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) considerou a medida exagerada e “inaceitável”. “Não há que se falar que isso vai se sustentar no Supremo Tribunal Federal”, afirmou.

O relator, porém, ressalta que esse ponto não será alterado e que a alta punição deve ser mantida como uma “responsabilidade” para o portador da arma de fogo.

A proposta determina ainda que será autorizada aos caçadores ou atiradores a quantidade mínima de 16 armas de calibre permitido ou restritivo por acervo, das quais no mínimo seis poderão ser de calibre restrito.

No texto, não há limitações para a quantidade de armas permitidas, o que ficará a critério do Comando do Exército. Atualmente, o decreto editado por Bolsonaro define um limite de até 60 armas para os praticantes de tiro esportivo. 

Outras mudanças para os CACs

A proposta inclui no Estatuto do Desarmamento um dispositivo específico para os CACs. O trecho diz que é “direito de todo cidadão brasileiro o exercício das atividades de colecionamento e de tiro esportivo, bem como o apostilamento das armas de caça”.

O texto entrega ao Comando do Exército a prerrogativa de fazer o registro, o controle e a fiscalização das atividades. Também determina que o órgão militar deve adotar medidas para incentivar e facilitar a prática do tiro esportivo.

Entre os critérios para que o Exército libere o registro aos CACs estão um laudo de aptidão psicológica, certidões de inexistência de antecedentes criminais, além de documentos pessoais. O registro valerá por dez anos.

O texto também permite que atiradores e caçadores transportem uma arma de fogo curta (pistola ou revólver) já em “condição de pronto uso” no trajeto até os locais de treinamento e competição.

O projeto diz que “qualquer itinerário realizado” pode ser considerado trajeto até o local de treinamento, e não define restrições de horário para essa regra. Esse trecho também é alvo de controvérsia.

A proposta define, ainda, outras regras para colecionadores, caçadores e praticantes de tiro esportivo. Como exemplo, proíbe o uso de armas específicas em cada prática e detalha os calibres permitidos.

Se a versão atual for convertida em lei, praticantes das modalidades com 21 anos ou mais poderão comprar armas, munição e insumos legalmente.

Os regramentos não são unanimidade nem mesmo entre os próprios CACs. A proposta impõe uma “quarentena” de cinco anos para a liberação do registro do porte de armas para o atirador esportivo, e exige uma idade maior de 25 anos para o direito à autorização, trecho que é criticado pelos praticantes de tiro.

O projeto

Entre outros pontos, o projeto prevê que:

  • compete exclusivamente ao Comando do Exército a autorização, o controle e a fiscalização das atividades de colecionamento, de tiro esportivo e do apostilamento das armas de caça que utilizem Produtos Controlados pelo Exército (PCE);
  • as armas de fogo de uso permitido e restrito, antes sob registro do Comando do Exército, serão registradas pela Polícia Federal no Sistema Nacional de Armas, órgão comandado pelo Ministério da Justiça.
  • estão dispensadas desse registro as armas de fogo das Forças Armadas, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do Departamento de Segurança Presidencial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  • armas de colecionadores, atiradores e caçadores também estão dispensadas do registro no Sistema Nacional de Armas, mas devem ser lançadas pelo Comando do Exército no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma);
  • agentes de polícias e da Abin e integrantes das Forças Armadas e do GSI poderão adquirir até dez armas de fogo de uso permitido ou restrito, desde que justificado ao órgão competente para a prática desportiva – o limite pode ser ampliado se for comprovada a necessidade.

Endurecimento de penas

O projeto também endurece penas para casos de irregularidades no porte e posse de armas. Confira alguns exemplos:

  • Posse de arma ou munição irregular (de uso permitido): pena de dois a quatros anos de detenção, além de multa – atualmente, a pena é de um a três anos, além de multa.
  • Porte ilegal de arma de uso permitido: reclusão de três a cinco anos, além de multa – atualmente, a pena é de dois a quatro anos, e multa, e ainda há a possibilidade de pagamento de fiança no caso de a arma de fogo estar registrada no nome do portador. No projeto, essa possibilidade foi retirada.
  • Porte ou posse de arma ou munição irregular (de uso restrito): reclusão de seis a dez anos, além de multa – atualmente, a pena é de três a seis anos, e multa.
  • Posse ou porte ilegal de arma (de uso proibido): cria um novo dispositivo para equiparar esses casos ao crime de terrorismo. Nesse caso, a reclusão é de 12 a 30 anos. São considerados os equipamentos de uso exclusivo das Forças Armadas e também artefatos como bombas e granadas.
  • Comércio ilegal de arma de fogo: reclusão de seis a 16 anos, além de multa – atualmente, a pena é de seis a 12 anos, e multa. A pena é aumentada em metade se a arma ou o calibre forem de uso restrito e em até três quintos se forem de uso proibido.
  • Disparo de arma de fogo em lugar habitado ou adjacências: reclusão de três a cinco anos, além de multa – atualmente, a reclusão é de dois a quatro anos, além de multa. Há, ainda, a previsão de aumento em um terço da pena se o crime resultar em lesão corporal grave ou gravíssima. A proposta, porém, prevê como exceção à punição os casos em que for comprovada a legítima defesa, o estado de necessidade ou o estrito dever legal.
  • Omissão de cautela (quando um menor de 18 anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodera da arma): pena de dois a três anos de detenção, além de multa – atualmente, a pena é de um a dois anos, e multa.

Além disso, a proposta prevê que as penas podem ser aumentadas caso os crimes sejam praticados sob a influência de álcool ou de substância psicoativa ilícita.

Também podem ser dobradas as penas em casos de crimes cometidos com o uso de arma – entre os quais roubo com violência ou ameaça, associação criminosa e fuga de detentos.

Fonte: g1

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