O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (22) que é dever do Estado garantir vagas em creches e pré-escolas a crianças de 0 a 5 anos de idade.
Essa garantia já é prevista na Constituição. No caso julgado, no entanto, o município de Criciúma (SC) defendia que o poder público deveria cumprir esse papel na medida de suas possibilidades, já que nem sempre há recursos suficientes. Além disso, dizia que o Poder Judiciário não poderia interferir nos planos e metas municipais.
O plenário fixou a tese de que a educação básica é direito fundamental assegurado por normas constitucionais de “eficácia plena e aplicabilidade imediata” e declarou que vagas em creches e pré-escolas podem ser exigidas individualmente por meio de ações na Justiça.
“O poder público tem o dever jurídico de dar efetividade integral às normas constitucionais sobre acesso à educação básica”, entendeu o plenário.
O recurso tem repercussão geral, ou seja, a decisão do STF deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário do país.
Na sessão desta quarta (21), seis ministros já haviam votado a favor de confirmar a garantia constitucional – mas ainda havia divergência sobre o estabelecimento, ou não, de condições para o cumprimento da regra. Nesta quinta, o plenário formou maioria para não estabelecer condicionantes.
Votos
O relator do caso, ministro Luiz Fux, votou para que a administração pública seja obrigada a matricular crianças de 0 a 5 anos em pré-escola ou creche, desde que ficasse comprovado que houve pedido administrativo prévio não atendido em prazo razoável e a incapacidade financeira de arcar com o custo. Ao final, o ministro concordou com a tese sem a inclusão de condições.
Segundo Fux, a incapacidade financeira do estado não pode custar o direito à educação básica. Além disso, uma decisão do STF serviria para vincular outros juízes a seguir esse mesmo entendimento e não negar as vagas. “A educação representa prerrogativa constitucional indisponível”, afirmou o ministro.
O ministro André Mendonça acompanhou o relator, mas argumentou que devem ser garantidas as vagas de forma imediata para crianças a partir de quatro anos e, de forma gradual para até 3 anos, garantindo um percentual mínimo de 50% da demanda até 2024, com base no plano nacional de educação.
Nunes Marques também acompanhou Fux, argumentando que “a ausência dessa assistência [nessa fase da vida da criança] implica danos irreparáveis para o desenvolvimento futuro do indivíduo e, consequentemente, do país”.
Alexandre de Moraes afirmou que há um risco de se tomar uma decisão que não será colocada em prática e defendeu que não se pode tratar da mesma maneira a inércia do estado e a impossibilidade financeira de arcar com as vagas. “O prefeito não pode nem abrir licitação porque não tem dinheiro para isso”, disse.
O ministro Edson Fachin concordou que se trata de uma garantia fundamental das crianças, mas divergiu em relação aos critérios sugeridos por Fux. O ministro Dias Toffoli acompanhou Fachin.
Nesta quinta, o primeiro a votar, ministro Luís Roberto Barroso disse, ao acompanhar o relator, que a educação básica é direito fundamental de todas as crianças e jovens e que o poder público tem o dever de dar cumprimento às normas. “Estamos aqui empurrando um pouco a história para acelerar a universalização do ensino infantil”, declarou.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, mas disse que esse é um direito fundamental “não passível de condicionantes”.
O ministro Ricardo Lewandowski também seguiu o entendimento do relator, mas afastando qualquer requisito de acesso e reforçando “o dever estatal de assegurar esse direito”.
O decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, acompanhou o relator, afirmando que não houve violação da separação de poderes.
A presidente do STF, ministra Rosa Weber, reforçou que “não é permitido ao Poder Público permanecer inerte e nem reduzir a proteção do direito fundamental” e defendeu que não deve haver obstáculos a esses direitos.
Entidade via risco de retrocesso
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação emitiu nota pública nesta quinta em que apontou “risco de retrocesso” caso o STF estabelecesse condicionantes para o cumprimento da regra constitucional – o que, ao fim, não aconteceu.
“Ao coibir o acesso à creche pública, o resultado é uma fragilização da Educação Infantil como um todo e a promoção indireta de um processo já em curso de privatização da educação. Significa também um retrocesso a uma visão assistencialista já superada que até recentemente pautou a gestão pública no que se refere à Educação Infantil. Ainda, desconsidera as conquistas da sociedade civil e os avanços no arcabouço legal brasileiro na promoção dos direitos dos bebês e crianças pequenas”, dizia a nota da entidade.