Uma das vítimas das agressões que aconteceram em uma unidade do supermercado Unisuper, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, diz ter sido alvo de ofensas racistas. Em depoimento ao delegado Daniel de Queiroz Cordeiro, na quarta-feira (7), o homem afirmou ter sido chamado de “negão chinelo” e ouviu “tinha que ser coisa de negão” enquanto era levado pelos seguranças. A polícia vai apurar a circunstância.
Das pessoas envolvidas na tortura, três são policiais militares. A equipe de reportagem da RBS TV conseguiu com exclusividade a identificação dos PMs. São eles o primeiro-tenente da reserva Gilmar Cardoso Rodrigues e os soldados Gustavo Henrique Inácio Souza Dias e Romeu Ribeiro Borges Neto. Os soldados estão em estágio probatório e são lotados no 20º Batalhão de Polícia Militar. Também são investigados o gerente Adriano Dias e do subgerente Jairo da Veiga.
A defesa dos cinco seguranças, incluindo três PMs, informou que a acusação “não procede”. O advogado Willian Alves disse que dois dos seus “clientes que estão sendo investigados são pretos. É até uma incompatibilidade lógica.” Ele alega ainda que estão “contribuindo com as autoridades, mas acusações injustas e fantasiosas nós não vamos deixar passar em branco”.
As vítimas são dois homens, de 32 e 47 anos, sendo um negro e outro de pele branca. O homem que relatou as ofensas é o que já estava no carro e foi chamado para voltar ao estabelecimento, onde o outro suspeito de furtar carne estava sendo agredido. As falas racistas teriam sido dadas enquanto ele era conduzido do carro até o supermercado.
Na manhã desta quinta-feira (8), o Instituto-Geral de Perícias fez fotos dos cinco seguranças envolvidos na tortura. A perícia fotográfica é realizada para que a polícia possa comparar com as imagens do vídeo e apresentar como prova ao Poder Judiciário.
O gerente e o subgerente também estiveram na delegacia. Eles se recusaram a dar depoimento e decidiram não tirar fotos. A defesa dos dois alega que após a divulgação das reportagens, eles passaram a sofrer ameaças pelas redes sociais. Os dois foram demitidos após a veiculação das imagens com as agressões.
Atuação irregular
Na quarta-feira (7), a Polícia Civil e a Polícia Federal (PF) deram mais informações sobre a Glock, empresa contratada pela Unisuper para fazer a segurança de supermercados da rede. Na investigação, foi identificado que a esposa de um PM consta como dona da empresa. A PF apurou que a Glock atuava “de modo totalmente irregular” em atividades de segurança privada.
A proprietária da empresa disse que está à disposição das autoridades policiais e que, até o momento, não foi notificada para prestar depoimento. Sobre a investigação da PF, o advogado Willian Nunes Alves afirmou que só vai se manifestar em momento oportuno.
A rede Unisuper diz ter encerrado seu contrato com a Glock.
Protesto
Também na quarta-feira (7), um grupo de manifestantes protestou em frente ao supermercado Unisuper, onde aconteceram as agressões.
Pessoas ligadas ao movimento “Vidas negras importam” e a partidos políticos participaram do ato. Eles criticavam a tortura promovida por funcionários e seguranças do mercado.
Entenda o caso
O caso aconteceu no dia 12 de outubro em um supermercado da rede Unisuper em Canoas, na Região Metropolitana da Capital. De acordo com a polícia, as duas pessoas que foram torturadas teriam furtado dois pacotes de picanha, com custo de R$ 100 cada, e foram flagradas pela equipe de segurança do local. Após o flagrante, a dupla passou por uma sessão de tortura, sendo agredida por 45 minutos.
As vítimas são dois homens, de 32 e 47 anos, sendo um negro e outro de pele branca.
A polícia só ficou sabendo do caso porque um dos homens que sofreu as agressões deu entrada no Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre com ferimentos graves. Ele tinha diversas fraturas no rosto e na cabeça.
De acordo com a polícia, 31 câmeras de segurança gravaram o que aconteceu dentro do supermercado e também no depósito onde as vítimas foram agredidas. Após a denúncia, os policiais foram até o estabelecimento coletar as imagens, mas perceberam que os arquivos haviam sido deletados logo que os agentes entraram no local.
O delegado Robertho Peternelli, responsável pelo caso, apreendeu o equipamento de gravação, que foi encaminhado para a perícia. O perito criminal Marcio Faccin do Instituto Geral de Perícia (IGP) do estado conseguiu recuperar os arquivos.
Tortura em supermercado de Canoas — Foto: Arte/g1
O que dizem os envolvidos
Pedindo desculpa pelos fatos ocorridos, o Unisuper disse em nota que agressões são inaceitáveis e que não condizem com a história da rede. A empresa Glock, que prestava o serviço ao supermercado, disse em nota que só vai se manifestar no inquérito policial e em juízo.
Os advogados do gerente e do subgerente disseram que, por questões éticas e em respeito à autoridade policial, vão se manifestar exclusivamente nos autos.
A Brigada Militar informou que, após tomar conhecimento da participação dos policiais, “instaurou Inquérito Policial Militar, no intuito de elucidar os fatos e as devidas responsabilizações. As diligências estão a cargo do Comando de Policiamento Metropolitano e da Corregedoria-Geral da Brigada Militar”.