Apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela soltura do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o político segue inelegível, segundo especialistas em Direito Eleitoral consultados pelo g1.
Preso desde 2016, Cabral deve deixar a cadeia na segunda-feira (19), mas, segundo a defesa, ficará em prisão domiciliar por conta de outros processos. O ex-governador deve ir para um imóvel da família dele em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Antes das últimas decisões do STF, que anularam ou modificaram algumas sentenças anteriores, Sérgio Cabral chegou a ter 23 condenações em processos decorrentes da Operação Lava-Jato. Todas as penas do governador somaram 425 anos e 20 dias de prisão.
- O STF decidiu soltá-lo por considerar excessivo o tempo de prisão preventiva (mais de seis anos) em uma das ações a que ele responde – neste caso, é um processo da Operação Lava Jato que tramita em Curitiba.
- Os magistrados da Suprema Corte trataram apenas da legalidade dessa prisão.
- Portanto, nos demais processos em que ele já foi condenado em segunda instância, Cabral continua enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
- A Lei da Ficha Limpa prevê que candidatos condenados em ações criminais — por decisão colegiada de um grupo de juízes ou por decisão sem mais direito a recurso (transitada em julgado) — fiquem inelegíveis “desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena”.
Segundo o advogado Fabrício Souza Duarte, mestre em Direito Público e especialista em Direito Eleitoral, o ex-governador ainda está enquadrado na Lei da Ficha Limpa por conta de outros processos que já tiveram condenação em segunda instância, mesmo que ainda caibam recursos.
Em relação aos outros processos que ele responde, todos que estão com decisões condenatórias confirmadas em segunda instância incidem na Lei da Ficha Limpa. E, por conta dessa lei, ele estaria impedido de concorrer a cargos públicos
— Fabrício Souza Duarte, especialista em Direito Eleitoral
O advogado criminalista Márcio Delambert, que já fez a defesa de Sérgio Cabral em processos da Lava Jato, também é direto ao afirmar que a decisão do STF tratou apenas sobre o habeas corpus que contestava o longo período de prisão preventiva do ex-governador.
“Esse habeas corpus visa combater a prisão preventiva, então não está vinculado a nenhuma reforma de nenhuma sentença, que nem transitaram em julgado. Então visa exclusivamente a questão pontual da prisão preventiva”, explica Delambert.
Segundo o especialista, Sérgio Cabral só vai perder seus direitos políticos por 8 anos em caso de uma decisão transitada em julgado, ou seja, quando não houver mais recursos no determinado processo.
“Falando em termos de direitos políticos, ele só perderia no caso de trânsito em julgado da sentença condenatória”, diz o criminalista.
O ex-governador já foi condenado em 23 ações penais na Justiça Federal, com penas que chegam a 425 anos e 20 dias de prisão, mas não houve trânsito em julgado em nenhum dos casos – ainda há recursos possíveis nos processos.
Medida cautelar
Os advogados ouvidos pelo g1 concordam que essa última decisão do STF não revisou nenhuma outra condenação em segunda instância.
Além da análise da prisão preventiva, os ministros da Segunda Turma do STF também estão julgando outro pedido de Cabral no plenário virtual (em que os votos são inseridos em um sistema eletrônico).
Nesse caso, a defesa questionou a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba – responsável por processos da Lava Jato – para analisar o caso em que o ex-governador é acusado de receber propina por irregularidades em um contrato de terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, da Petrobras.
Caso os ministros aceitem o pedido da defesa do ex-governador, o processo em questão terá suas decisões anuladas. Isso quer dizer que o julgamento começaria do zero, sob a responsabilidade da Justiça Federal do Rio de Janeiro.
“Tudo passa a ser nulo. As decisões da Vara de Curitiba deixam de ter efeito. A partir daí, esse processo deixa de ter influência sobre a questão dos direitos políticos do Sérgio Cabral. Se dependesse só desse processo, ele poderia voltar a ser candidato”, esclarece Fabrício Duarte.
Segundo o mestre em direito político, o processo seria, neste caso, redistribuído para uma das varas do Rio, que vai confirmar ou não as provas que já foram apresentadas contra ele.
“Ai começa tudo do zero. Zera o processo e começa tudo de novo. O juiz pode até aproveitar depoimentos, colheita de provas, mas ele vai receber a denúncia novamente, vai abrir o processo. Enfim, é um processo do zero”, acrescenta o especialista.
Ao todo, Sérgio Cabral foi denunciado em 35 processos decorrentes de investigações da Lava-Jato, sendo 33 na Justiça Federal e dois na Justiça do Rio de Janeiro.
Segundo as investigações da força-tarefa do Ministério Público Federal, ao assumir o governo do Estado em 2007, Cabral instituiu como regra a cobrança de propina no valor de 5% dos contratos da Secretaria estadual de Obras.
Além desse percentual, o ex-secretário de Obras Hudson Braga estabeleceu a chamada “taxa de oxigênio”, que consistia em cobrança de propina equivalente a 1% dos valores recebidos pelas empreiteiras nestes contratos com o governo estadual.
A última condenação de Cabral aconteceu em maio desse ano, quando a Justiça Federal determinou uma pena de 17 anos, 7 meses e 9 dias de prisão, pelo crime de corrupção passiva. Dessa vez, pelo recebimento de R$ 78,9 milhões em propina da Odebrecht para beneficiar a empreiteira nas obras do PAC Favelas, da reforma do Maracanã para a Copa de 2014, da construção do Arco Metropolitano e da implantação da Linha 4 do metrô.