A camareira Débora Barros dos Santos, de 26 anos, fingia que tinha leucemia para aplicar golpes e mandava fotos com sangue falso e curativos para sensibilizar os colegas, segundo o delegado Tibério Cardoso. Uma colega, que preferiu não se identificar, compartilhou as fotos com o g1. A polícia investiga o caso em Pirenópolis, no Entorno do Distrito Federal.
“Ela mandava para os colegas e muita gente desconfiou, mas ela dizia que era sangue”, explicou o delegado.
O g1 entrou em contato com a família de Débora, mas as mensagens foram visualizadas e não respondidas até a última atualização desta reportagem.
A colega contou ainda que Débora enviava as fotos e dizia que eram coágulos que saíam após as sessões de quimioterapia. A oncologista clínica Milena Aparecida reforçou que o líquido nas imagens não é sangue e não representa sangramentos e nem coágulos.
“O paciente em tratamento para leucemia pode sim cursar com sangramentos (gengival e nasal, ao tossir por exemplo). O sangue em geral é vivo e podem sim formar coágulos. Mas a imagem é nitidamente falsa”, detalhou.
As vítimas contaram à polícia que a jovem pedia dinheiro para fazer exames e comprar remédios e cerca de 200 pessoas a ajudaram. O pai de Débora falou que a filha foi usada por outra mulher que teria dito que a jovem tinha câncer.
Nunca foi atendida
O delegado informou que, na última terça-feira (27), ouviu 4 vítimas e o ex-namorado de Débora. Em depoimento, as testemunhas falaram que a jovem alegava fazer o tratamento no Hospital Araújo Jorge, em Goiânia.
Ao g1, o Hospital Araújo Jorge informou que Débora nunca foi paciente da unidade. Em nota, a unidade detalhou que não encontrou nada no nome de Débora no sistema interno e reforçou que ela não é paciente da instituição.
Aos colegas, Débora falava que fazia o tratamento acompanhada de uma amiga que ninguém conhecia e essa amiga falava com elas apenas por mensagem de texto, segundo o delegado.
“A amiga falava com eles que ela estava na sala recebendo a medicação e que a medicação era cara. O pessoal desconfiou e entrou em contato no hospital. O hospital disse que não tinha ninguém com o nome dela fazendo tratamento”, pontuou Tibério.
O delegado detalhou que Débora nunca apresentou diagnósticos ou exames que comprovavam que ela estava com leucemia. Por isso, ela precisa comprovar as alegações.
“Ela vai ter que mostrar esse diagnóstico e tudo isso que ela alegou para arrecadar esse dinheiro. Se ela comprovar isso, tudo bem, mas ela alegou que estava fazendo tratamento no hospital que não a recebeu”, finalizou.
Detalhes
O recepcionista Matheus Milagre, de 25 anos, denunciou que a jovem pedia dinheiro para fazer exames e comprar remédios e cerca de 200 pessoas a ajudaram.
“Nós ficamos muito sensibilizados e com muito medo de perder nossa colega, então fizemos vaquinhas, rifas e doações, juntamos bastante dinheiro. Ela sempre mandava mensagem pra alguém falando que tinha que fazer um exame no dia seguinte e a gente se virava pra juntar dinheiro pra ela”, contou Matheus.
Uma colega que não quis se identificar disse que Débora falou que estava com a doença no final de setembro deste ano, mas foi nesta semana que eles registraram o caso na polícia. Sensibilizada com a suposta doença, três amigas até fizeram tatuagens em homenagem à camareira.
“Eu considerava ela demais, ela é madrinha do meu filho. Estou me sentindo triste, magoada, traída, a gente confia na pessoa, ajudamos de coração e aconteceu essa coisa. Eu nunca esperava isso dela, nesses 4 anos que eu a conheço”, falou.
A colega disse que pretende remover a tatuagem, mas a mágoa e a frustração vão continuar. Outra amiga que tatuou o nome de Débora desabafou que está decepcionada também com si própria por confiar tanto em alguém.
O outro lado
O g1 entrou em contato com Débora e, o pai da jovem reforçou que a filha foi usada por outra mulher. A família, que é do Maranhão, contou que essa mulher apareceu na vida de Débora há 4 meses.
“Ela forjou essa doença, eu acho que ela dopava a minha filha e inventava que esses remédios eram caros. A mulher pegava o dinheiro para comprar os remédios”, narrou.
O pai falou que a filha teve culpa em não checar os dados dessa mulher e acreditar nela. No entanto, ele acredita na inocência da jovem.
“De sábado pra cá, ela tá vomitando sangue, mas ela não tem câncer, ela forjou tudo para pegar esse dinheiro, minha filha não tem esse dinheiro. Se ela tivesse, a gente não estaria nessa cidade, mas sim no Maranhão”, desabafou.
Segundo o pai de Débora, foram encontradas substancias semelhantes à soda cáustica no estomago dela. Em nota, o Hospital Estadual de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) informou que a camareira está internada na unidade.
Na última terça-feira (27), o hospital informou que Débora possui o estado de saúde geral regular, consciente e respirando espontaneamente. No entanto, por questões de ética médica, não passou informações de sobre o problema de saúde que causou a internação.
Desconfiança
Uma das colegas de Débora contou que a jovem ia ao banheiro do trabalho e “sangrava” pelo ouvido, nariz e abria a porta pedindo ajuda. Após essas crises, ela ia embora e não deixava ninguém levá-la ao hospital, nem mesmo o namorado, segundo a colega, que não quis se identificar.
As crises repentinas, seguidas de recuperações rápidas, despertaram a desconfiança dos colegas.
“Ela fazia a cirurgia para retirada dos coágulos na cabeça, tinha até paradas cardíacas e no outro dia estava na empresa para trabalhar. Falava que fazia quimioterapia e apresentava estar bem fisicamente, algumas atitudes fizeram elas desconfiarem até que um dia ela foi pressionada a falar a verdade, já que nunca havia apresentado nenhum exame onde comprovava a veracidade da doença”, descreveu.
Matheus Milagre, também colega, contou ainda que Débora dizia que ia às consultas pela madrugada. Pelas redes sociais, Débora divulgou um panfleto pedindo ajuda e contando sua história com a suposta leucemia.
Comoção e revolta
Chateado, Matheus mostrou que ele e os colegas até fizeram uma camiseta em homenagem à Debora. Com a frase “Nunca duvide da sua força”, a camiseta foi usada na confraternização de fim de ano do estabelecimento.
“Fizemos de tudo para ajudar ela, fiquei com medo dela morrer, ela sempre falava que o estado dela era grave”, desabafou.
Em um grupo por um aplicativo de mensagens, mais de 50 pessoas se reuniram para denunciar Débora. O g1 falou com algumas das pessoas que dizem ser vítimas do golpe, mas preferiram não se identificar. Leia abaixo:
“Me senti muito enganada, eu e minhas amigas fizemos de tudo pra ajudar, fizemos orações e pedimos dinheiro para várias pessoas para ela pagar os exames. Fiquei muito triste e no final descobri que era tudo mentira, sendo que poderíamos estar ajudando quem realmente precisa”, disse uma mulher que doou R$ 50 para Débora.
“Me senti enganada, pois nos mobilizamos para ajudar, sendo que a pessoa mentiu ter uma doença tão grave, é muito triste”, falou uma moça que deu R$ 600 para a camareira.
“Fiquei chocado com a frieza dela. Pois ela via o sofrimento de todo mundo, muitas pessoas doavam dinheiro mesmo sem ter condições”, finalizou Matheus, que doou R$ 55.