O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) editou, no último dia útil de 2022, resolução que amplia e detalha o direito de mulheres adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em unidades de internação.
O documento atualizado foi publicado no “Diário Oficial da União” nesta terça-feira (3) e, entre as novidades, prevê:
- que haja apuração imediata de qualquer denúncia de violência sexual dentro das unidades – e que, quando necessário, a adolescente seja informada das hipóteses de aborto legal;
- que as adolescentes recebam formação profissional diversa e que não seja determinada por “expectativas sociais de gênero”;
- que ficam proibidas práticas que “violem a identidade e a liberdade das adolescentes”, como corte compulsório de cabelos e depilação compulsória;
- que será garantida às gestantes a “provisão material necessária aos cuidados do bebê”;
- que serão respeitos os ritos e tradições das adolescentes indígenas, estrangeiras, quilombolas ou de povos e comunidades tradicionais;
- que as adolescentes casadas ou em união estável terão direito à visita íntima nos termos da lei.
A nova regulamentação prevê, ainda, que os direitos “aplicam-se também às adolescentes travestis e transexuais atendidas nas unidades de atendimento socioeducativo“.
A resolução entra em vigor em uma semana – ou seja, a partir da próxima terça-feira (10).
As regras em vigor atualmente foram publicadas em dezembro de 2021 – uma resolução com dez artigos. A nova versão contém a íntegra desse texto e adiciona outros 48 artigos à norma.
Discussão começou em 2018; governo era contra
Presidente do Conanda ao longo de 2022 e gestor da Rede Cidadã, Diego Bezerra afirma que o conselho já discutia as regras recém-aprovadas desde 2018, antes de o governo Jair Bolsonaro tomar posse.
“A resolução começou a ser escrita em 2018 a partir de um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura feito após avaliação do sistema socioeducativo. Esse documento apontou que as meninas do socioeducativo eram vítimas de uma série de violações, mais até que os adolescentes homens”, disse ao g1.
Em 2019, o governo Bolsonaro esvaziou ambas as estruturas: encolheu o Conanda e retirou a remuneração dos membros do mecanismo de combate à tortura.
O tema só voltou a ser debatido em 2020, quando decisões judiciais restauraram os órgãos. Uma resolução conjunta chegou a ser aprovada naquele ano, mas o governo federal alegou entraves burocráticos e, mais uma vez, freou o avanço das regras.
A gestão Jair Bolsonaro era contrária aos artigos que mencionam gênero, sexualidade e visita íntima. Para o governo, esses temas levariam à “sexualização precoce” das jovens.
O Conanda é um conselho paritário – metade dos membros representam o governo, e a outra metade, a sociedade civil. A presidência é rotativa: fica com o governo em anos ímpares, e com a sociedade civil em anos pares.
O governo conseguiu frear a aprovação dessas regras entre 2019 e 2021, enfraquecendo o conselho e desempatando as votações para rejeitar o texto.
A situação só foi revertida em 2022 – quando a sociedade civil voltou à presidência do Conanda e as regras do conselho foram restabelecidas. O governo pediu vistas e adiamentos, mas foi o tema foi à votação e o desempate coube a Diego Bezerra, que, por fim, definiu a aprovação do texto integral.
Novos rumos
Diego Bezerra deixou o Conanda no fim da última semana – uma regra da gestão Bolsonaro impediu que os chefes desses conselhos se candidatassem a novos mandatos. Ao g1, ele disse acreditar que a posse do governo Lula representa uma “mudança de rumos” para os direitos de crianças e adolescentes.
“A mudança é drástica. Hoje, estava na posse do ministro Silvio [Almeida] e ficou claro que a concepção dos direitos humanos do novo governo é, em tudo, oposta à do governo que passou”, comparou.
“A sociedade civil e o governo voltam a dialogar no sentido de construir as melhores alternativas, e não de enfrentamento. A nossa postura durante o governo Bolsonaro foi de resistir aos ataques do governo às pautas da criança e da própria participação social”, disse.
Bezerra também elencou, a pedido do g1, três temas que ainda desafiam os direitos dos adolescentes no sistema socioeducativo e terão de ser enfrentados pelo novo governo:
- o subfinanciamento das unidades de internação e dos servidores da área;
- as dificuldades de implementação das medidas cumpridas em meio aberto – que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, deveriam ser a primeira opção;
- e a reinserção na sociedade dos jovens que deixam o sistema socioeducativo.