O dia 2 de fevereiro para sempre será lembrado em Alagoas como um dia de luta e resistência da comunidade negra, que nesta mesma data, no ano de 1912, teve os terreiros existentes em Maceió invadidos e destruídos. Um ato de intolerância religiosa que ficou conhecido como “Quebra de Xangô” e que jamais será apagado, mas que, ao mesmo tempo, precisa servir de exemplo para que o preconceito contra os praticantes de religiões de matriz africana possa chegar ao fim. A presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Ana Clara Alves, conta que os casos de intolerância religiosa ocorrem com frequência no estado, pois ainda é algo cultural e que precisa ser combatido.
“Sem dúvida nenhuma a intolerância religiosa ainda é muito presente na sociedade. Infelizmente, o grupo que mais sofre é o de matriz africana, diante do racismo e da intolerância religiosa, que são arraigados historicamente. Avançamos nas legislações pertinentes que asseguram a liberdade de crença, mas, culturalmente, ainda há um preconceito latente contra o referido grupo”, pontua Ana Clara.
Ela conta que, nos dias de hoje, por mais inacreditável que possa parecer, ainda ocorrem depredações de terreiros e muita discriminação. “Ainda convivemos com a depredação de terreiros, com a discriminação dos praticantes no ambiente de trabalho e a impossibilidade deles usarem seus símbolos em ambientes públicos. O que mais chama a atenção nesses casos de intolerância religiosa é a violência, seja ela física, patrimonial, verbal ou psicológica, aplicada pelos autores desses crimes”, diz a presidente da comissão.
Ana Clara defende que a efetiva punição para quem pratica esse tipo de crime é a principal medida a ser adotada para evitar que novos casos apareçam, tendo em vista que, nos dias de hoje, em meio a tantas informações, não é mais aceitável que a liberdade de crença – independentemente de qual ela for – seja violada.
“A principal medida contra o preconceito e a intolerância religiosa é a efetiva punição dos autores dos crimes. Atualmente, para boa parte da população, a informação é de livre acesso e não é mais tolerável qualquer atitude que viole a liberdade de crença e a existência do outro”, afirma.
Para celebrar a força e a resistência do povo negro alagoano, um evento batizado de Xangô Rezado Alto é realizado todos os anos em Maceió. Suspenso por dois anos em razão da pandemia, ele voltou a acontecer este ano, reunindo centenas de praticantes e simpatizantes das religiões de matriz africana. Como representante da OAB/AL e presidente da comissão da Ordem, Ana Clara esteve presente ao evento e falou um pouco sobre o que ele representa.
“O dia de rememoração do Quebra de Xangô representa um dia de resistência. A perseguição motivada pela intolerância religiosa contra o povo de terreiro em 1912 tentou, de todas as formas, dizimar a religião de Matriz Africana no Estado de Alagoas, mas pela luta dos antepassados que atuaram bravamente contra a tentativa de silenciar e apagar o povo de terreiro, a crença permanece e é difundida. O Xangô Rezado Alto é um evento que faz alusão à liberdade de professar a religião. Com o fatídico episódio do Quebra, as religiões de Matriz Africana, por medo da exposição e consequente violência que poderiam sofrer, começaram a cultuar de maneira discreta às portas fechadas, momento então chamado então de Xangô Rezado Baixo. Ter hoje um evento como o Xangô Rezado Alto que percorre vários pontos públicos da cidade é uma reafirmação que a religiosidade de matriz africana resiste e sobrevive conforme a laicidade do Estado e liberdade de crença religiosa”, destaca.