A vida passa e ninguém fica ileso. Seja por não usar filtro solar, seja por um término de relacionamento, seja por uma demissão inesperada. A vida prega peças – peças de chumbo pesadas em nossos pés.
Saindo um pouco do discurso mais popular daquela pergunta “você vive ou só sobrevive?”, o que não está equivocada, seria muito bom almejarmos o viver em plenitude, gostaria de ficar hoje imaginando a ideia do sobreviver.
Não sei no leitor, mas para este escritor aqui, não foi possível passar pelas guerras pessoais sem que um sobrevivente nascesse. Talvez ele já estivesse lá. Na psicologia, pelo menos, entendemos que ele sempre esteve. Mas isso não importa. O que importa é que, ao longo dos conflitos da vida, ele acaba ganhando mais e mais espaço em nós.
A imagem do Wilson, do filme O Naufrago, é interessante pois seu rosto, sua personificação é feita com sangue – uma marca profunda que vem sempre te lembrar que o que está por vir é péssimo e perigoso.
O sobrevivente dentro de nós, tende aos comportamentos compulsivos, obsessivos e paranóicos, afinal ele precisa ser assim para pensar em tudo e todas as possibilidades de perigo para entregar para você. E ambos manterem o equilíbrio da psique. O problema é que a palavra equilíbrio não traz movimento. E o que seria da vida sem movimento?
Se possível ainda, ele encontrará as teses mais elaboradas, as razões últimas e fará os melhores power points para te provar por a + b que o caminho x ou y fará com que você caia novamente na vala do sofrimento. Já o problema aqui é que sofrimento deveria ser entendida como “passar por algo” e isso nos faz ganhar consciência!
Contudo, sobrevivente evita a todo custo que você passe novamente pelas guerras pessoais do passado. Ele gosta de você. Gosta tanto, que no menor indício de conflito, ele pede para você fugir. Ou melhor, ele insiste demasiadamente, até você não aguentar mais, acreditar nele e realmente fugir. E assim, tudo ficará bem!
Aquela frase “eu nunca mais me caso” é alguém convencido pelo seu sobrevivente.
Um término de relacionamento, por exemplo, em que o parceiro confessa “eu não tenho mais tesão em você” pode chegar diretamente aos ouvidos do sobrevivente. E com certeza ele tomará atitudes.
Ele pode te convencer que o grande problema do relacionamento é você, o seu corpo, a suas medidas, a sua forma de provocar o parceiro, a performance no fazer amor, etc. Acabando com a sua autoestima, convencendo que você não nasceu para se relacionar e talvez até para amar e ser amado. Afinal, dirá ele, você é melhor trabalhando do que qualquer outra coisa, fique somente com o trabalho e fique confortável!
Assim ele começa a construir um muro entre você e o mundo. Ou o oposto também pode acontecer, no caso do relacionamento, o indivíduo e seu sobrevivente acabaram querendo compensar o relacionamento antigo no novo – a falta de carinho, amor, tesão da experiência passada torna-se exagerada no novo relacionamento, mas de uma forma mecânica e sem alma. Tudo na tentativa de elaborar a falta de autoestima e sentimento de inferioridade e evitar reviver aquela experiência traumática.
Você poderia perguntar-me: como você controla o seu sobrevivente? A única resposta que tenho agora é: eu não controlo. Eu o confronto. Ele lembra de tudo, só não lembra o conceito de tempo. Ele não percebe que ninguém se banha no mesmo rio duas vezes, como diria o velho Heráclito.
Isso faz, por enquanto, que eu tenha um argumento forte: “essa nova experiência não é a experiência traumática que você, sobrevivente, está me alertando. Mesmo, assim obrigado por me trazer essas informações, continue o seu trabalho!”. Logo depois, levo para a terapia.
- analista junguiano.