Leandro Almeida, zagueiro revelado pelo Atlético-MG e com passagens por clubes como Coritiba, Palmeiras e Internacional, tentou combinar com Eduardo Bauermann, do Santos, um cartão amarelo em jogo da Série A de 2022. A conversa entre os dois é parte da investigação da Operação Penalidade Máxima, que revelou esquema de manipulação de apostas no futebol brasileiro. Hoje, com 36 anos, o defensor está atuando no Zebbug Rangers, time da ilha de Malta, na Europa.
Leandro e Bauermann foram companheiros por um curto período no Inter, em 2016. As conversas entre eles presentes na investigação do Ministério Público de Goiás (MP-GO) acontecem através do aplicativo de mensagens Whatsapp, entre os dias 3 e 16 de novembro, período em que o zagueiro do Santos enfrentou o Avaí sem receber cartão e depois foi expulso, após o apito final, contra o Botafogo.
A ESPN confirmou que o número de Malta que mantém as conversas interceptadas com Bauermann é de Leandro Almeida com diferentes fontes que convivem com ele no país europeu, incluindo atuais companheiros de time. Desde a última semana, no entanto, as mesmas pessoas relatam dificuldade para encontrar o zagueiro. A reportagem tentou contato com o ex-Palmeiras e Inter para ouvir sua versão tanto nesse número, quanto no que ele mantinha no Brasil, mas sem sucesso.
As primeiras mensagens entre Bauermann e Leandro estão em capturas de tela encontradas como apagadas no celular do zagueiro do Santos. É ele quem manda a primeira mensagem, às 18h27 do dia 3, antevéspera do jogo contra o Avaí: “Fala irmão, tudo na paz? E aí, bora para esse jogo de sábado?”. Leandro Almeida confirma que sim e se compromete a transferir R$ 50 mil para o ex-companheiro, que pergunta sobre o cartão: “Pode ser primeiro ou segundo tempo, né?”.
A sequência de mensagens são de 13h do dia em que o Santos enfrentaria o Avaí na Vila Belmiro. Leandro não sabe, mas Bauermann também havia se comprometido com o grupo liderado pelo apostador Bruno Lopes, preso provisoriamente na operação, a receber um cartão amarelo na partida, segundo a investigação. O zagueiro ex-Palmeiras o questiona sobre isso.
“Irmão, você combinou isso com mais alguém? Sua cotação (em uma casa de apostas) caiu de 5.00 para 3.60 e agora 2.50 e agora ficou até suspenso o cartão”, diz Leandro Almeida, detalhando um procedimento que acontece com cotações em casa de apostas quando há muitas apostas (ou altos valores) em um mesmo resultado (ou situação) – o que pode, ou não, configurar suspeita.
“Não, não, mano, tá doido. Mano, (vamos) fazer no próximo então? Mais garantido”, responde Bauermann, três minutos depois. “Vamos, uai”, responde Leandro Almeida, que é nascido em Belo Horizonte. “Se você me garantir, mano. Porque agora não dá para jogar nem R$ 200 (na aposta de que o zagueiro do Santos receberia cartão amarelo contra o Avaí)”.
Na partida, que acabou em empate em 1 a 1, Bauermann, de fato, não foi advertido, o que gerou cobranças e ameaças por parte do grupo liderado por Bruno Lopes. Também segundo as investigações, o zagueiro do Santos teria, então, aceitado ser expulso no jogo seguinte, contra o Botafogo, para se acertar com a quadrilha, mas recebe o cartão vermelho após o apito final, o que não é válido para a aposta.
Esquema de Leandro Almeida movimentaria R$ 130 mil
Em seguida na conversa, Leandro Almeida detalha quando a operação geraria em dinheiro para ele e Bauermann, após o zagueiro do Santos sugerir o esquema no próximo jogo. “Mano, se abrir, fazemos sim, tá doido. Você ganha R$ 50 mil, e eu ganho R$ 80 mil. Não tem como recusar, né.”
Ainda às 13h10 do dia de Santos x Avaí, Bauermann pede orientação para Leandro Almeida se o combinado do cartão seria mantido ou não. O ex-Palmeiras e Inter desaconselha o amarelo.
“Mano, me avisa até 14h40 que é o horário que vou conseguir ficar com o celular. Se abrir, fazemos, senão deixamos para próxima, beleza?”, escreve Bauermann. “Mano, melhor não, irmão. Porque, se caiu assim, é risco. Alguém tá fazendo já. Aí se jogar em você no próximo jogo vai estar baixo”, responde Leandro.
“Então fazemos no próximo jogo ou no último jogo, então, isso?”, pergunta o santista. “Fechou, por mim, sim, mano”, responde o jogador de Malta, às 13h15.
‘No Brasil, é uma máfia disso aí. Eu sou diferente’
Ainda nas horas que antecederam a bola rolar na Vila Belmiro, Leandro Almeida e Bauermann falam naturalmente sobre o esquema de cartões combinados no futebol brasileiro.
“Por isso que falo que tenho medo. Combinei com ninguém e parece que sim. Mas fazemos na próxima ou no último então”, diz Bauermann. “É mano, isso que falei. No Brasil, é uma máfia disso aí. Eu sou diferente. Gosto de fazer o meu tranquilo, sem envolver ninguém, sabe. Mesmo ganhando pouco. Mas não coloco ninguém em risco. Esses jogadores do Avaí, tudo fazem. E vira uma máfia aí, um vai passando para o outro”, diz Leandro, citando o Avaí, que decidiu afastar o zagueiro Raphael Rodrigues por envolvimento nas investigações do escândalo de apostas.
Os dois zagueiros citam ainda Juventude, Goiás e Atlético-GO como clubes que teriam jogadores envolvidos no esquema – de fato, todas essas equipes tiveram ao menos um atleta do elenco de 2022 investigado ou citado nas investigações lideradas pelo MP-GO.
“Ontem descobri 4 do Juventude também. Do nada kkk. Cara que eu nunca pensei que fosse fazer”, diz Bauermann. “É uai, esses times pequeno tudo fazem. Atlético-GO, Goiás…”, rebate Leandro.
Bauermann encerra a conversa dizendo que falaria com Leandro após o jogo com o Avaí. No dia seguinte, porém, é o ex-palmeirense quem entra em contato, já suspeitando de um acerto do santista para tomar o cartão que acabou não sendo recebido. “Irmão, seja verdadeiro comigo, você combinou de fazer cartão com outra pessoa e não deu certo? Ontem o cartão ficou suspenso (para apostas), uma pessoa apostou muito no seu cartão”, diz. “Muito estranho, se você não tiver combinando com ninguém, alguém tá perdendo muito dinheiro”, completa.
O zagueiro do Santos, então, manda um áudio de dois minutos para Leandro Almeida explicando que teria combinado com um amigo (que seria Bruno Lopes) um cartão em uma outra ocasião e dito ele que, contra o Avaí, não faria.
“Mano, certeza que fez, vei, só que deu errado, porque como a gente não ia fazer, eu disse que não ia fazer, eu não falei nada pra ele, até passou, esqueci, não falei nada pra ele. E de repente ele começou a fazer, achando que ia conseguir tirar o lucro também, só que como combinei contigo que não ia fazer, eu acabei não fazendo, então o cara tentou dar de malandro”, diz Bauermann em um trecho da mensagem.
Leandro Almeida, então, sugere que Bauermann “fale de boa com esse parceiro” e também que tome um cartão no jogo seguinte para que ele recupere dinheiro. Com ele, o ex-Palmeiras e Inter abre a possibilidade de novos esquemas em 2023.
“No próximo jogo, mesmo você não combinando, faz o jogo, o cartão só para ele recuperar. Eu não tenho pressa não. Se não for essa temporada, fazemos temporada que vem. O bom é não estar com problema com ninguém desse tipo. Feliz por falar comigo, saiba que comigo eu sempre penso no jogador, depois no lucro.”
‘Tem algum jogador seu aí que faz contigo que queira?’
Como já revelado pela Operação Penalidade Máxima, não ter recebido o amarelo contra o Avaí e depois ter sido expulso só após o apito final contra o Botafogo fez com que Bauermann passasse a ser cobrado fortemente pela quadrilha liderada por Bruno Lopes. No dia 11 de novembro, então, dois dias antes da última rodada do Brasileirão, quando estaria suspenso, o santista pede ajuda a Leandro Almeida, indicando que ele teria contato com outros atletas envolvidos no esquema de manipulação.
“Fala irmão, tudo na paz? Irmão, tô com um investidor aqui que quer fazer uma situação de cartão. Tem algum jogador seu aí que faz contigo que queira? Agora pra última rodada do Brasileiro… Eu só não faço porque fui expulso na penúltima rodada. Se tiver alguém, me avisa. Dinheiro bom na mão, cara de confiança.”
“Fala irmão, como você tá? Aqui tá tudo bem graças a Deus. Mano, pior que não tenho mais nenhum jogador pra essa última rodada. Todos já fecharam. Mas eu acho que nessa última rodada não vai abrir cartão no Brasil”, responde Leandro, que emenda com um conselho a Bauermann.
“Já dá um migué que não tem e pula fora. Você é novo, vai ganhar muito dinheiro. Deixa para ficar nesse meio depois dos 35 anos. Gosto muito de você irmão, de verdade mesmo. Por isso te falo, pula fora desses contatos aí.”
Quem é Leandro Almeida?
Leandro Almeida surgiu no futebol brasileiro no Atlético-MG, no qual foi campeão mineiro em 2007. Do Galo, se transferiu para o Dínamo de Kiev, da Ucrânia, que defendeu entre 2009 e 2012, até retornar ao Brasil, ao Coritiba. Foi contratado pelo Palmeiras em 2015 e rodou por Internacional, Figueirense, Londrina, Paraná e Guarani, até que, em 2020, se mudou para Malta. Na Europa, defendeu o Hibernians e defende o Zebbug Rangers desde 2022.
Na temporada de 2022, Leandro Almeida foi eleito para a seleção do ano de melhores jogadores da Premier League de Malta, pela Associação de Jogadores Profissionais de Malta (MFPA, na sigla em inglês). É inclusive uma foto nessa premiação que o zagueiro utiliza em seu perfil no Whatsapp nas conversas que são mantidas com Bauermann.