Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por maioria, que dados sobre feminicídios e mortes nos quais há envolvimento de policiais devem voltar a constar no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSP).
Os ministros analisaram, no plenário virtual, uma ação do PSB que questionou a versão do plano feita pelo governo Jair Bolsonaro (PL), por meio de decreto, em setembro de 2021.
O documento substituiu o primeiro plano da área, elaborado no governo Michel Temer para os anos de 2018 a 2028. O novo documento tem vigência prevista até 2030.
O julgamento do caso terminou na última sexta-feira (30). Prevaleceu o voto da ministra Cármen Lúcia, relatora do caso. Acompanharam sua posição os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso.
Os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram.
Argumentos na ação
Segundo o PSB, o plano da gestão Bolsonaro “omite-se em relação ao monitoramento dos quantitativos e taxas de feminicídios e de mortes causadas por agentes de segurança pública — índices previstos na disciplina anterior da matéria”.
Para a sigla, o governo Bolsonaro agiu “deliberadamente para invisibilizar ocorrências relacionadas à violência de gênero e à letalidade policial, prejudicando o enfrentamento dessas graves questões de segurança pública”.
Voto da relatora
Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia considerou que o plano tem retrocesso em relação ao cronograma anterior.
“O novo Plano Nacional de Segurança Pública II retrocede em relação ao disposto no Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social instituído em 2018 , no sentido da necessária e especial atenção dos temas relativos à violência de gênero e da desproporcionalidade/ilicitude frequente na atuação de agentes de segurança pública”.
Além disso, pontuou que o documento do governo Bolsonaro não prevê meta para redução de feminicídios, mas sim de “mortes violentas de mulheres”, circunstância que pode incluir outros tipos de crime, que não necessariamente o feminicídio – quando a mulher é assassinada em decorrência do fato de ela ser mulher ou em razão de violência doméstica.
Nesse contexto, de acordo com a ministra, a mudança metodológica pode dificultar a elaboração de políticas eficientes contra o feminicídio, que chamou de “flagelo dramático comprovadamente em curso no Brasil”.
“Ao invisibilizar o feminicídio no grupo de ‘mortes violentas’ e traçar metas para redução de ‘mortes violentas de mulheres’, o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social vigente retrocede em comparação ao que se conquistou para mais eficiente combate à violência doméstica, a todas as formas de violência contra a mulher, ao respeito à dignidade da vida, à vulnerabilidade imposta por preconceito e discriminação às mulheres, na medida em que se desconsidera, ainda que justificadamente, as peculiaridades da violência de gênero, especialmente nos casos de feminicídio”, escreveu.
A ministra considerou ainda que contraria a Constituição a “ausência de indicador ou ação estratégica direcionada à redução das mortes decorrentes de intervenções de segurança”. Ou seja, as mortes violentas em que há envolvimento de policiais, por exemplo.
“A opção do plano nacional em agregar o feminicídio e as mortes decorrentes de intervenções de segurança pública ao grupo ‘mortes violentas’ invisibiliza a apuração e a adoção de providência contra dois dos mais graves problemas enfrentados pela sociedade brasileira. A inação estatal no combate ao feminicídio põe o poder público em patamar equivalente, na conclusão dos delitos, ao do agente da violência”, pontuou a relatora.
De acordo com Cármen Lúcia, a alteração feita pelo governo no plano deixa o Estado “inerte” diante do “quadro das centenas de mulheres mortas anualmente pela só condição de ser mulher e da morte dos mais vulneráveis”.
Advogado que atuou no processo pelo PSB, Rafael Carneiro afirmou que o STF se mostrou atento à defesa de direitos fundamentais.
“O Supremo Tribunal Federal reconheceu que tornar invisíveis os indicadores dos crimes de feminicídio, assim como daqueles praticados por forças de segurança, significa retroceder na proteção dos direitos de grupos vulneráveis. Mais uma vez, a nossa Suprema Corte se mostrou atenta à defesa dos direitos fundamentais, em especial o direito à vida, à igualdade e à segurança pública”, declarou.