Quando Atlético-MG e Corinthians entrarem em campo neste sábado (8), às 18h30 (de Brasília), estará em disputa muito mais do que uma partida de Brasileirão. Afinal, depois de quatro anos, Vanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari se enfrentarão novamente.
Dois dos maiores técnicos da história do futebol brasileiros, ambos foram protagonistas por onde passaram, principalmente na década de 1990. E, agora, farão embate de número 30, em uma rivalidade que já dura mais de 30 anos.
Sob seus comandos, grandes times do país fizeram duelos que entraram para a história, incluindo em mata-matas emblemáticos de Copa do Brasil e Brasileirão.
Com o passar dos anos, muitos outros personagens se envolveram na crônica que tinha Luxa e Felipão como grandes protagonistas. E esses ‘coadjuvantes’ presenciaram momentos de amor e ódio na relação dos dois.
“Eu não achava que um não faltava com respeito com o outro, pelo contrário, não lembro de uma desavença. Eles nunca foram caras de ir um na casa do outro, mas eles se respeitavam”, disse Osvaldo Pascoal, comentarista da ESPN.
Soco ou empurrão?
Em 1995, na semifinal da Copa do Brasil. De um lado, Luxemburgo comandava o Flamengo que tinha Romário, Sávio e Edmundo formando o ‘melhor ataque do mundo’. Do outro, Scolari e o Grêmio com seu velho estilo ‘copeiro’ e uma defesa firme comandada por Arce e Adílson.
No jogo de ida, no Rio de Janeiro, vitória rubro-negra por 2 a 1, em noite de clima tenso entre as duas equipes. Aos 32 minutos do segundo tempo, em confusão generalizada, os dois treinadores tiveram um confronto direto.
Luxemburgo não titubeou em acusá-lo: “Ele me deu um soco! Ele está completamente louco!”, disse à época aos microfones da TV. Felipão, depois do jogo, admitiu ter passado dos limites, mas negou a acusação. “Eu não dei um soco. Eu o empurrei com as duas mãos porque ele me chamou de maluco por mandar bater nos adversários”, afirmou o gaúcho.
Em entrevista ao ESPN.com.br, Luis Carlos Goiano, um dos comandados de Scolari naquela partida, defendeu a tese do seu treinador. “Eles ficaram no empurra empurra, mas não bateu nele. O Felipão disse para a gente no vestiário que não bateu, que só empurrou. Eu não vi o lance”.
A dupla ainda protagonizaria muitos embates marcantes nos anos seguintes, seja nas eliminatórias entre o Grêmio de Scolari e o Palmeiras de Luxa ou nos clássicos entre o Corinthians de Vanderlei e o grande time de Felipão no Alviverde.
O Palmeiras, inclusive, foi um dos pontos de conexão entre os dois técnicos. Juntos, ambos conquistaram 13 títulos oficiais pelo Porco e são sempre colocados entre os maiores comandantes da história do clube.
A seleção brasileira no caminho
Outra conexão entre ambos ocorreu na seleção brasileira. Luxa assumiu a Amarelinha logo após a Copa do Mundo de 1998, se sagrando campeão da Copa América no ano seguinte. Em setembro de 2000, porém, após resultados negativos e a polêmica do documento falsificado na base vir à tona, o treinador foi demitido pela CBF.
Emerson Leão chegou ao seu lugar em março do ano seguinte, mas foi mandado embora três meses depois. Em julho, Felipão foi contratado com a missão de classificar a equipe para a Copa do Mundo de 2002 – menos de um ano depois, ele levantaria a taça do torneio mais desejado do futebol.
O fato, inclusive, se tornou mais um capítulo na história dos dois. Por ter começado o ciclo, Luxemburgo acredita que poderia ter tido o mesmo destino de seu sucessor, como conta Mauro Naves, comentarista da ESPN.
“Doeu muito para o Luxemburgo, ele acredita que ia estar com o mesmo time do Felipão, não tinha muito para onde fugir. Não tenho dúvida nenhuma de que o Luxemburgo imagina que ia ser campeão do mundo, também, e caiu no colo do Felipão por causa daqueles problemas que ele teve quando assumiu a seleção, teve que sair mais pelas coisas da vida pessoal. Felipão foi muito bem, pegou a seleção com aquele medo de não classificar e levou para ser campeão”, relembrou.
A troca de farpas na China
Em 2016, Vanderlei e Scolari estiveram próximos de um embate muito longe do futebol brasileiro. Luxa chegou ao Tianjin Quanjian com a missão de levar o time para a primeira divisão da China, onde Felipão era ‘rei’ com o Guanghzou Evergrande.
Seis meses depois, porém, Luxemburgo foi demitido. Em entrevista ao Sportv, o treinador afirmou que os maus resultados foram culpa de ‘boicote e manipulação’.
“Quando cheguei lá, encontrei um grupo comandado por Li Weifeng que se envolvia com outros empresários. Passou a ter briga dele com esses empresários e eu fiquei no meio do caminho com toda comissão técnica e os jogadores brasileiros que eu contratei. Ele era envolvido com umas coisas ruins no futebol chinês”, afirmou.
“Teve um jogo que foi muito engraçado. Eu perdi de 3 a 2 para o último colocado. Teve um número 5 do meu time que falhou três vezes no jogo. Ele foi jogador até do Felipão, liguei para ele e ele me disse que mandou o jogador embora porque ele era meio complicado. Ele fez assim (levantou o braço) em uma falta contra mim. Na hora, eu não percebi, só vi depois na gravação. O adversário meteu a bola bem onde ele apontou e fez o gol. Eu não treino nada de linha de impedimento, não gosto. Mas o jogador que levantou a mão falhou nos três gols”, acusou.
“É tudo armado. Lá é constante ver jogo armado para entregar o jogo (…) Há alguns anos, muitas pessoas foram presas no futebol da China. Para evoluir, o futebol chinês tem que acabar com a corrupção”, completou.
Tricampeão chinês e campeão da Liga dos Campeões da Ásia, Felipão não aceitou as declarações, e respondeu em entrevista à ESPN.
“Foi para justificar. Tu sai do seu serviço, do seu país, e pode não dar certo. Mas não justifica não conseguir atingir o objetivo, transferir para uma coisa que a China pode ter vivido há 50 anos e hoje é impossível”, declarou.
Luxemburgo se defendeu depois da resposta de Scolari, afirmando que “não queria generalizar” e que “respeita Felipão”.
Encontros amigáveis entre a dupla
A relação de ambos nunca foi de proximidade, como muitas pessoas que conviveram com a dupla confirmam. Em 2009, porém, o Palmeiras organizou um histórico (e ameno) encontro da dupla.
Em 15 de maio daquele ano, Felipão, à época no Bunyodkor, do Uzbequistão, visitava o Brasil e foi até a Academia de Futebol para visitar o clube e receber das mãos de Luxa uma placa em homenagem aos 10 anos do título da CONMEBOL Libertadores de 1999, primeiro da história alviverde.
“O Felipão merece isso e muito mais, pois foi um vencedor no Palmeiras. E o clube está ainda mais de parabéns por valorizar a passagem vitoriosa desses profissionais”, disse Luxemburgo, na ocasião.
Apesar das trocas de farpas ao longo dos anos, os elogios e o encontro não surpreendem – mesmo que não exista uma amizade grande da dupla.
“Pelo que eu os conheço, desde aquela época, acho que até hoje, apesar de perdoar, dar abraço, eles não dividiriam a mesma mesa para tomar um bom vinho, eles gostariam de uma companhia diferente na mesa. Um respeita o outro pelas conquistas, mas não tem afinidade. Criaram uma rivalidade que o futebol fez com que saísse do campo. Sempre que podiam, mesmo que na ironia, um dava uma espetada no outro. Eram rivais. Passaram muitos anos um querendo ganhar do outro, tinha o campeonato entre eles”, afirma Mauro Naves.
“Ele (Felipão) sempre valorizou o profisisonal Vanderlei. Ele sabia da rivalidade entre eles, mas era sadia. Um queria ganhar do outro. O Felipão sempre foi muito mobilizador, sempre se preparava muito. Tinha um sabor especial quando ia enfrentar o Luxemburgo”, completou Goiano.
O choque de ideais em campo – e as semelhanças fora
A rivalidade entre ambos era ainda mais acirrada por conta das grandes diferenças de estilos entre ambos. Na década de 1990, Luxemburgo era um símbolo de futebol ofensivo, enquanto Felipão sempre adotou maior pragmatismo.
“A rusga era mais no filosófico, e a diferença era muito grande. O Felipão tinha o esquema 4-4-2, e o Luxemburgo era muito tático”, avaliou Pascoal.
“Eram estilos diferentes de preparação. O Felipão mantinha a estrutura dele para o jogo. E colocava os caras dentro da estrutura para jogar. O Vanderlei adaptava o esquema para jogar, ele pensava no jogo que vinha pela frente. Acho que o Vanderlei era mais tático na movimentação do jogo, e o Felipão na preparação, são coisas diferentes”, completou.
“A maneira de jogar mais técnica e de velocidade do Palmeiras, o Grêmio jovava muito forte. Mas tinha qualidade para jogar. A opção por um jogo mais direto e de choque era porque tínhamos jogadores para isso. Arilson e Carlos Miguel e Paulo Nunes, Arce, Adílson que eram técnicos, mas tínhamos também força. Era uma imposição da força contra a técnica e fomos superiores à maioria dos adversários”, acrescentou Goiano.
Mesmo assim, um ponto se torna característico dos dois: a forma como ambos tratavam os atletas e conseguiam mobilizar o elenco. Comandado por Felipão no Grêmio, Goiano também teve Luxa como técnico em 1992, na Ponte Preta.
“O ponto forte dos dois é a mobilização dos jogadores. O Felipão, você tem prazer de correr por ele, é um cara altamente profisisonal e do bem. O Luxemburgo mobiliza de forma diferente, é mais agressivo nas palavras. Ele coloca o cara para cima com motivação. O Felipão é o cara do dia a dia. Se você tiver um problema, ele tenta ajudar e participa do dia a dia, no jogo é mais um cara motivador. Felipão é mais paizão, e o Luxemburgo é diferente”, relembrou.
“Eles são muito semelhantes na proteção dos jogadores, colocam debaixo da asa. O Luxemburgo chama muito mais para ele todas as broncas. Muitas das vezes, até cria factoides para tirar o foco do fato principal. O Felipão já coloca todo mundo debaixo da asa, mas sabe o momento certo de dar um aperto nos caras. O Vanderlei cobra o tempo todo. O Felipão já dá uma mordida e uma assoprada”, avaliou Pascoal.
Os maiores da década de 1990
Uma coisa, porém, é certa: Luxemburgo e Felipão foram os dois protagonistas dos bancos de reservas nos anos 90, muitas vezes fazendo os olhares se voltarem mais para eles do que para o campo.
“Acompanhei muitos duelos entre eles desde a década de 1990, considero os dois maiores técnicos brasileiros do período. Era muito legal fazer os jogos entre eles, porque muitas vezes você ficava mais de olho neles do que propriamente no jogo, vai escalar esse, aquele, um sempre querendo surpreender o outro”, contou Mauro Naves.
Agora, chegou a hora do reencontro. Rivais, Felipão e Luxemburgo terão seus times se enfrentando pela 30ª vez, em momento bem diferente do vivido há alguns anos, mas ainda assim colocando frente a frente seus ideais e histórias ricas.